COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalhas Marítimas >
  4. Implicações do anteprojeto de reforma do Código Civil e do marco legal dos seguros (PL 29/2017) para o transporte marítimo de mercadorias - Algumas reflexões sobre a sub-rogação do segurador

Implicações do anteprojeto de reforma do Código Civil e do marco legal dos seguros (PL 29/2017) para o transporte marítimo de mercadorias - Algumas reflexões sobre a sub-rogação do segurador

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Atualizado às 14:09

Introdução

No final do ano de 2023, por ato do Presidente do Senado Federal, foi criada uma comissão de juristas para elaborar um anteprojeto de reforma do Código Civil. A comissão foi presidida pelo Min. Luis Felipe Salomão do STJ e o anteprojeto foi apresentado em abril do corrente ano.

A reforma proposta abrange diversos aspectos do direito civil, incluindo o direito dos transportes e o direito securitário.

Ao mesmo tempo tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei que pretende criar um marco legal para o mercado de seguros (PL 29/2017) que contém 132 artigos, ou seja, consolida, formula e reformula o sistema securitário de maneira bastante abrangente.

O PL 29/2017 foi iniciado na Câmara dos Deputados e atualmente está no Senado Federal, casa revisora. Em 10/04/2024 o Projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e em 16/04/2024 foi distribuído ao Senador Otto Alencar da Secretaria de Apoio à Comissão de Assuntos Econômicos, para emitir relatório.

À obviedade discussões sobre alterações legislativas que afetam o setor de seguros afetam também o setor de transporte marítimo, uma vez que em regra a carga transportada por via marítima é segurada, seja pelo expedidor e/ou pelo destinatário, seja pelo transportador e/ou o agente de carga. Deste modo, as discussões sobre avaria, extravio ou atraso na entrega de mercadorias, em juízo ou fora dele, se dá, na grande maioria dos casos, entre algum dos intervenientes do transporte marítimo e um ou mais seguradores.

Neste artigo, então, faremos uma análise do instituto da sub-rogação, traçando um comparativo entre as propostas de reforma do Código Civil e do marco legal dos seguros com o cenário atual, considerando a interpretação da legislação vigente e da jurisprudência atual, provocando uma breve reflexão sobre as implicações das mudanças propostas para o transporte marítimo.

Cenário atual

O caput do artigo 786 do Código Civil estabelece que, ao pagar a indenização, o segurador sub-roga-se nos direitos e ações que competem ao segurado contra o autor do dano. Já o art. 349 afirma que pela sub-rogação transferem-se direitos, ações, privilégios e garantias do credor originário. Veja-se.

Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

Perceba-se que os dispositivos acima falam que a sub-rogação transfere "direitos", "privilégios", "ações" e "garantias," mas não mencionam "ônus" ou "obrigações".

Em razão disso, há anos se discute nos tribunais se por meio da sub-rogação o segurador assume obrigações assumidas pelo segurado como, por exemplo, a cláusula compromissória, a cláusula de foro de eleição ou de jurisdição estrangeira. Essa "lacuna" legislativa resulta em ampla divergência jurisprudencial e, consequentemente, numa indesejada insegurança jurídica, que compromete as relações comerciais entre empresas brasileiras e estrangeiras.

Nos julgamentos dos Recursos Especiais nº 1.988.894 de 09/05/2023 e 2.074.780 de 22/08/2023, bem como, mais recentemente, do Agravo Interno no Recurso Especial nº 1637167 de 26/02/2024, o STJ entendeu que a sub-rogação implica na transferência de cláusula compromissória.

Entretanto, não se pode afirmar que haja segurança jurídica sobre o tema, até mesmo porque estas decisões não têm o caráter vinculante previsto no art. 927 do Código Civil, já que não foram proferidas dentro da sistemática dos Recurso Repetitivos, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) ou Incidente de Assunção de Competência (IAC).

O PL 29/2017 - marco legal dos seguros

Este PL visa instituir um marco legal dos seguros, propõe mudanças significativas na legislação atual, incluindo a revogação dos artigos 757 a 802 do Código Civil, que regulam o contrato de seguro.

No que tange à sub-rogação do segurador que é tema central deste artigo há de se observar a redação do caput do art. 92. Trata-se de uma previsão bastante singela que prevê que a sub-rogação transfere apenas "direitos", nada tratando de "garantias", "privilégios" e "ações", nem tampouco de "ônus" e "obrigações". Veja-se.

Art. 92. A seguradora sub-roga-se nos direitos do segurado pelas indenizações pagas nos seguros de dano.

§ 1º É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga a sub-rogação.

§ 2º O segurado é obrigado a colaborar no exercício dos direitos derivados da sub-rogação, respondendo pelos prejuízos que causar à seguradora.

§ 3º A sub-rogação da seguradora não poderá implicar prejuízo ao direito remanescente do segurado ou beneficiário contra terceiros.

Observa-se, ainda, que o PL não prevê a revogação do art. 349 do Código Civil o qual, como vimos anteriormente, prevê a regra geral para o pagamento em sub-rogação estabelecendo a transferência de "direitos, ações, privilégios e garantias".

Isto quer dizer que se aprovado o PL 29/2017 não se resolverá a divergência atualmente havida sobre a transferência da cláusula de arbitragem, foro de eleição ou jurisdição estrangeira por meio da sub-rogação ao segurador, pois mantém a lacuna atualmente existente e o conflito entre o art. 786 e 349.

Manter-se-á assim a necessidade de que o STJ interprete o art. 786 como fez nos Recursos Especiais nº 1.988.894 de 09/05/2023 e 2.074.780 de 22/08/2023, bem como, mais recentemente do Agravo Interno no Recurso Especial nº 1637167 de 26/02/2024, ou que, preferencialmente, fixe uma tese sobre o assunto, por meio de algum mecanismo processual previsto no art. 927 do Código Civil, para que assim, possa se ter uma decisão de caráter vinculante que traga alguma segurança jurídica para o setor quanto a este tema.

O mesmo não acontece com o Anteprojeto de reforma do Código Civil que, como veremos a seguir, propõem uma reforma mais completa sobre o instituto da sub-rogação do segurador.

Anteprojeto de reforma do Código Civil - alteração do art. 786

O projeto de lei que propõe a modificação do art. 786 do Código Civil visa aprimorar e detalhar as condições sob as quais a sub-rogação ocorre. As alterações sugeridas são significativas e introduzem novos parágrafos que esclarecem e expandem o escopo da sub-rogação. Veja-se:

Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, automaticamente e nos limites do valor respectivo, com todos os seus acessórios, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

(...)

§ 3º Em contratos paritários e simétricos, a sub-rogação mencionada no caput deste artigo abrange a cláusula de eleição de foro e a convenção de arbitragem, quando houver sua ciência pelo segurador.

Como se percebe, o § 3ºdo art. 786 do Anteprojeto expande a sub-rogação para incluir cláusulas de eleição de foro e convenções de arbitragem, desde que o segurador tenha conhecimento delas e que se trate de contrato paritário e simétrico.

Esta proposta de modificação do art. 786 do Código Civil, portanto, resolve a divergência atual pois, no que tange o direito marítimo:

(i) em regra se dá com base em contratos paritários e simétricos, firmados no exercício de sua atividade empresarial de empresa especializadas no comércio internacional, ou seja, conhecedoras das leis brasileiras e dos usos e costumes internacionais que regem o direito securitário e marítimo.

(ii) o segurador sempre tem conhecimento prévio das cláusulas que integram os contratos de transporte marítimo posto que são cláusulas de padrão internacional e que raramente sofrem modificações.

Podemos afirmar com segurança, portanto, que a redação proposta para o § 3ºdo art. 786, pelo menos em regra, será aplicável ao transporte marítimo de mercadorias.

Conclusão

Em conclusão, a reforma do Código Civil e o novo marco legal para o mercado de seguros têm implicações significativas para o direito marítimo. À medida que essas propostas mudanças legislativas avançam, é essencial que todos os envolvidos no setor estejam preparados para entender e aplicar as novas regras.

Atualmente, existe uma divergência jurisprudencial sobre a transferência de cláusulas como a de arbitragem, foro de eleição ou jurisdição estrangeira por meio da sub-rogação. O artigo 786 do Código Civil atual não aborda explicitamente essa questão, o que resulta em insegurança jurídica.

No entanto, o Projeto de Lei 29/2017 e o Anteprojeto de reforma do Código Civil trazem previsões distintas para a sub-rogação. O PL 29/2017 simplifica a transferência de direitos do segurado para o segurador, enquanto o Anteprojeto detalha e expande o escopo da sub-rogação, incluindo a transferência das cláusulas de eleição de foro e convenções de arbitragem.

A proposta de modificação do artigo 786 no Anteprojeto resolve a divergência atual, especialmente no contexto do transporte marítimo internacional de mercadorias.

Portanto, é fundamental acompanhar essas mudanças e considerar como elas afetarão as relações comerciais e jurídicas nesse setor.