Desafios no setor marítimo para o desenvolvimento da indústria eólica offshore e de óleo e gás
sexta-feira, 3 de maio de 2024
Atualizado em 2 de maio de 2024 15:06
O Brasil, com sua extensa costa atlântica e recursos naturais abundantes, apresenta um potencial significativo para o desenvolvimento da indústria de energia eólica offshore e de engenharia submarina. As condições favoráveis de vento no litoral brasileiro oferecem uma oportunidade única para a instalação de parques eólicos offshore. Ademais, a expertise do país em engenharia submarina, empregada para exploração e produção de petróleo, contribui para nos posicionar em destaque no âmbito da indústria.
Nesse cenário, sabe-se que a utilização de embarcações especiais desempenha um papel crucial, fornecendo suporte logístico e operacional para a instalação, manutenção e operação de turbinas eólicas offshore, bem como de plataformas marinhas de óleo e gás. Com efeito, tais embarcações são projetadas para operar em condições marítimas adversas, além de executarem tarefas extremamente sofisticadas, garantindo a segurança e eficiência das operações em alto mar.
Contudo, nada obstante a relevância das embarcações especiais para o desenvolvimento nacional nesses dois setores, fato é que o ambiente regulatório no País pode ser aprimorado, a fim de favorecer cada vez mais investimentos no setor de energia. Em especial, a ANTAQ - Agência Nacional de Transporte Aquaviário, ao longo do ano passado, tem avaliado constantemente oportunidades de aprimoramento do ambiente regulatório relacionado às embarcações empregadas em parques eólicos offshore e no setor de óleo e gás.
Com efeito, no âmbito do processo administrativo 50300.000236/23-34, a ANTAQ proferiu recentemente acórdão mantendo o enquadramento normativo das embarcações de engenharia submarina na categoria de apoio marítimo. De igual modo, no processo administrativo 50300.020618/2022-01, a agência também entendeu que seria o caso de agrupar as embarcações utilizadas na indústria eólica offshore na categoria genérica de apoio marítimo.
Ambos os acórdãos merecem reflexão mais aprofundada. As consequências oriundas do enquadramento das embarcações especiais como de "apoio marítimo" são muitas - destacando-se o fato desse entendimento sujeitar tais embarcações ao chamado procedimento de "circularização" perante a ANTAQ. A circularização, grosso modo, é uma imposição de cunho regulatório que privilegia o afretamento (i.e., o aluguel) de embarcações de bandeira brasileira, em detrimento de embarcações estrangeiras, para o desenvolvimento de projetos em alto mar.
Geralmente, empresas nacionais ou internacionais, que atuam nos setores em referência, não possuem embarcações próprias para desempenhar as atividades relacionadas à execução de um projeto. Assim, tais empresas recorrem ao afretamento das embarcações especiais - na maioria das vezes, detidas por armadores estrangeiros - para que possam dar cabo ao processo de geração de energia, seja em plataformas eólicas, seja em plataformas de óleo e gás.
Em casos de operações marítimas cotidianas, que não exigem a execução de tarefas mais sofisticadas, a sujeição do afretamento de embarcações ao processo de circularização se justifica. Afinal, tais embarcações encontram-se em quantidade abundante no mercado, sendo razoável a opção regulatória pela preferência às embarcações brasileiras, tendo por base a lei 9.432/97 (que embasa tal entendimento).
Todavia, em operações mais técnicas e complexas, como podem ser aquelas realizadas em parques eólicos offshore e plataformas offshore de óleo e gás, a preferência por embarcações brasileiras, em virtude do processo de circularização, pode criar um problema de ordem prática: Nem sempre existem embarcações de bandeira nacional aptas a executarem os projetos de energia nesses dois setores, ainda mais quando o objeto da contratação é amplo ou requer embarcações com características bastante específicas.
Muito embora a circularização possa resultar em um final "positivo" à empresa que deseja afretar uma embarcação estrangeira (o que ocorre quando não há embarcação brasileira disponível no mercado), fato é que a prática tem revelado que várias embarcações brasileiras sinalizam que estariam disponíveis para a realização do projeto, mas, em verdade, acabam não reunindo as condições técnicas necessárias para a execução da empreitada.
Tal situação, para além de gerar atrasos no projeto (com os chamados "bloqueios" às circularizações), também implica em custos para os armadores das embarcações especiais, que se veem obrigados a manter a embarcação inoperante até que a análise do bloqueio seja concluída pela ANTAQ, não obstante os constantes esforços da agência para garantir a celeridade do processo.
Ademais, a submissão do afretamento das embarcações especiais ao procedimento de circularização poderia ser aprimorada a fim de considerar particularidades operacionais que são verificadas especialmente no âmbito da implementação de projetos de geração de energia eólica offshore e de óleo e gás.
A título de exemplo, seria salutar analisar se:
- Tais embarcações especiais serão contratadas por meio de licitações, públicas ou privadas;
- Se tal contratação envolverá uma análise prévia acerca da tecnologia e das especificidades da embarcação que vier a ser afretada;
- Se a embarcação especial será elemento essencial do projeto, não podendo ser substituída facilmente por embarcação de bandeira brasileira sem que haja impactos significativos, os quais podem até mesmo inviabilizar a execução da instalação e/ou desenvolvimento do parque eólico ou da plataforma.
Como se não bastasse, é importante considerar se a mera possibilidade de paralisação dos projetos nos parques eólicos offshore e nas plataformas de óleo e gás, em virtude de tais bloqueios, poderá comprometer a própria viabilidade da obra que se pretende executar. Afinal, trata-se de projetos complexos e específicos, não sendo recomendável que a sua execução seja interrompida para que outra embarcação, com características distintas, seja adaptada ao projeto, o que costuma gerar entraves e prejuízos operacionais, além da insegurança jurídica.
No cerne de todas essas considerações, encontra-se, em última análise, a atratividade do país para investimentos na indústria de geração de energia offshore e de óleo e gás. Assim, é preciso avaliar se o enquadramento das embarcações especiais na categoria de apoio marítimo, sujeitando-as ao procedimento de circularização, não poderá criar obstáculos desnecessários ao desenvolvimento de projetos, com o desestímulo aos investimentos estrangeiros para geração de energia no país. Essa é uma reflexão que, necessariamente, deverá permear o debate regulatório sobre o tema.
Em resumo, caso o entendimento atual seja mantido e não haja futuras alterações normativas sobre o tema, as embarcações especiais que atuarão nos projetos de implementação dos parques eólicos offshore e na engenheira submarina em plataformas de óleo e gás poderão ficar sujeitas aos mesmos procedimentos de circularização e bloqueio aplicáveis às embarcações de apoio marítimo - com todas as consequências decorrentes dessa exigência, o que pode acarretar custos adicionais e insegurança jurídica em relação a prazos, preços e execução de projetos complexos.
Tudo isso requer um ajuste fino no âmbito regulatório, visando equilíbrio adequado entre os interesses envolvidos no setor de energia sob a ótima marítima. O tema enseja reflexão aprofundada e sugere que o entendimento da ANTAQ, com toda a complexidade que o envolve, seja constantemente revisitado e aprimorado para formatar um ambiente jurídico que atenda as demandas do setor e preserve a atratividade dos investimentos nacionais e estrangeiros no país.