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Detention x demurrage de contêineres no transporte marítimo: Uma análise à luz da responsabilidade civil

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Atualizado às 08:08

Não há dúvidas sobre a importância do transporte marítimo para o comércio exterior, afinal, é uma das formas mais antigas e fundamentais de transporte internacional, permitindo no comércio global, a movimentação de recursos naturais e o transporte de grandes volumes de carga. Os contêineres dentro desse setor ocupam um papel especial, pois facilitam o carregamento, descarregamento e manuseio nos portos e terminais, aumentando a eficiência operacional e reduz os custos de manuseio, além de proteger a carga, os contêineres são projetados para resistir às mais diversas condições climáticas. Logo, os contêineres garantem a integridade da carga e facilitam o comércio global, assim, são considerados como o principal instrumento de movimentação de cargas.

Sob essa ótica, a cobrança da Demurrage em síntese ocorre quando o afretador excede o tempo da operação, por exemplo, quando um navio permanece mais tempo do que o previsto no porto, ocupando espaço que poderia ser utilizado por outros navios ou com contêineres, onde a demurrage é aplicada quando os contêineres não são devolvidos dentro do prazo acordado, causando atrasos e prejuízos para as operações logísticas, onde o terminal portuário emite uma notificação ao importador/exportador (ou ao seu agente de carga) informando que a demurrage e detalhando as taxas acumuladas, que majoritariamente são pagas antes que o contêiner possa ser retirado do terminal ou então o próprio armador notifica seguindo os termos contratuais. Logo, entende-se que essa taxa é uma espécie de penalidade financeira aplicada para incentivar a devolução oportuna de equipamentos logísticos ou a liberação rápida de espaços de armazenamento, pois sob o viés do armador, tal fato resulta em atrasos no cronograma de embarque subsequente, custos adicionais de armazenamento e outras inconveniências e sob o viés do terminal portuário, tal fato resulta em uma ocupação de espaço e recursos que poderiam ser usado para outras operações ou outros fins.

Diferente da Demurrage, a Detention é a taxa cobrada referente ao tempo adicional para usar um contêiner além do tempo acordado no contrato. Logo, há cobrança de Detention por cada dia em que mantiver o contêiner além do período acordado, pois além de ser uma penalidade, também é considerada uma forma de "indenização" cobrada, por exemplo, pelo armador, a qual essa taxa será utilizada cobrir os custos que impedem que o contêiner seja utilizado para outros fins, interrompendo outras operações logísticas.

Ao fazer uma análise sobre essas taxas, a Demurrage se sobressai em relação a Detention, tanto à luz da doutrina e jurisprudência, quanto em relação à cobrança. Entendo que isso ocorre, pois a Demurrage está relacionada principalmente com os custos incorridos nos portos ou terminais, cuja gestão do espaço e dos recursos é crítica e tem um impacto mais imediato nas operações de transporte. A detention é geralmente discutida em um contexto mais amplo de logística e gestão da cadeia do comércio exterior e mesmo se sendo uma taxa considerada importante, ela acaba sendo menos mencionada pelo simples fato de que os atrasos na devolução após o transporte são menos visíveis e considerados menos urgentes do que os atrasos nos portos ou terminais, onde a demurrage é aplicada. Nesse sentido, nota-se que alguns doutrinadores afirmam que a cobrança da detention está dentro da própria cobrança da demurrage, logo, Rodrigo Marchioli corrobora:

"Dessa forma, nota-se que detention está englobado na definição de demurrage, não havendo absoluta distinção entre elas, mas relativa conexão  Tanto detention, quanto demurrage significam demora na utilização do veículo ou equipamento, mas apenas no caso do demurrage existe uma prévia estipulação sobre valores a serem pagos. Por essa razão, no caso de demurrage os danos são líquidos, em detention não. "

Logo, a cobrança dessas taxas podem vir individualmente ou em conjunto, porém o que rege tal cobrança na maioria das vezes são as previsões contratuais neste tipo de contrato, onde muitas das vezes apenas a demurrage acaba sendo cobrada. Isso pode ocorrer, pois algumas empresas priorizam essa taxa em casos em que os contêineres estejam retidos nos terminais, já que isso pode afetar diretamente suas operações e receitas, ou também optam por não cobrar a detention por considerarem essa taxa ínfima em comparação com os custos da demurrage.

Ainda neste sentido, o "Free time" é o período concedido onde não são aplicadas taxas de demurrage e detention, aqui afirmo a necessidade de previsão contratual do "Free time", uma vez que é necessário para o processo logístico de retirar a carga e devolver os equipamentos de transporte, sem tal previsão contratual e apesar de inquestionável, tais taxas deixariam de ser consideradas penas e acabaria se tornado, mais um custo logístico, pois a cobrança de demurrage e detention é justamente após tal período, logo, cabe às partes estabelecerem o período adequado para cada operação logística e a previsão contratual evita uma possível judicialização.

No âmbito do Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro, mais especificamente, quando se fala em demurrage e detention, é necessário as partes deste processo logístico, estarem cientes de suas obrigações legais e tomar medidas adequadas para evitar ou mitigar os riscos de responsabilidade civil.  À luz desse debate, a figura do Transportador se mostra responsabilizada majoritariamente pela cobrança, porém a depender do contrato, o proprietário do navio ou do contêiner será o responsável pela cobrança, quando o contêiner permanece com o importador além do tempo contratado e não é devolvido dentro do prazo acordado após a descarga do navio no terminal. Nesse sentido, o transportador pode também ser responsável por garantir que os contêineres sejam descarregados do navio de forma oportuna e eficiente, para evitar a acumulação de demurrage nos terminais. Logo, o transportador deverá ser responsabilizado caso haja atrasos no desembarque ou na liberação dos contêiner devido à negligência, ou falha do próprio transportador, podendo ele ser responsabilizado a cobrir os custos associados à demurrage

Assim como na cobrança da demurrage, o transportador é majoritariamente das vezes, responsável pela cobrança desta taxa quando os contêineres não são devolvidos dentro do prazo acordado após o transporte e enquanto continuam sob posse do cliente e também deverá ser responsabilizado caso haja falhas no serviço de transporte, como atrasos na entrega ou problemas na programação e deverá cobrir os custos de detention. Logo, entende-se que tanto na detention, quanto na demurrage, o transportador poderá ser responsabilizado independente do tipo de penalidade, uma vez que possuem o processo logístico similar e às atribuições de responsabilização civil deverão estar expressas em contrato.

Além disso, o importador também poderá ser responsabilizado em uma operação logística, uma vez que o importador é responsável por garantir que as formalidades aduaneiras sejam concluídas dentro dos prazos acordados, de modo a evitar a cobrança de demurrage ou detention pelos contêineres retidos nos terminais, ou sob sua posse, logo, isso inclui a pronta apresentação de documentos exigidos pela aduana, como o pagamento de taxas e impostos de importação, bem como a liberação da carga dentro do prazo estipulado. Nesse sentido, o importador deve manter comunicação aberta e cooperar com o transportador e as autoridades aduaneiras para garantir uma operação logística eficiente, devendo informar prontamente o transportador sobre quaisquer atrasos ou problemas que possam afetar a devolução dos contêineres e buscar soluções adequadas em conjunto. Logo, pensando na figura do importador, a responsabilidade civil poderá ser atribuída a ele quando se fala em demurrage, tanto quanto se fala em detention.

Sob essa ótica, a questão da má-fé por uma das partes vem à tona, uma vez que, majoritariamente das vezes, essa questão vem a juízo ser discutida. Vejamos, se o importador agir com má-fé, atrasando deliberadamente o processo de desembaraço aduaneiro, falsificando documentos ou retendo os contêineres sem justificativa válida, ele será responsabilizado pelos custos de demurrage e detention, mas devido à má-fé do importador, o transportador poderá buscar a compensação pelos custos adicionais incorridos e consequentemente poderá ajuizar uma ação por violação do contrato ou práticas comerciais desonestas. Nesse sentido, se o transportador agir com má-fé, fornecendo informações incorretas sobre prazos de entrega, cobrando taxas excessivas ou retendo contêineres injustamente, o transportador poderá ser responsabilizado por danos. Logo, por se tratar de uma relação jurídica de natureza também contratual, a má-fé por uma das partes poderá levar a disputas prolongadas e litígios que deverão ser resolvidas por meio de negociações, arbitragem ou litígio nos tribunais, assim é necessário a confecção de contratos com termos que protejam as partes, devendo responsabilizar caso uma das partes acabe agindo de má-fé.

À luz da jurisprudência brasileira, podemos analisar uma decisão proferida abordando esse tipo de temática. Vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. TRANSPORTE MARÍTIMO. DETENTION. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA RÉ. TESE DE INSUFICIÊNCIA DOS DOCUMENTOS PARA O ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO. NÃO ACOLHIMENTO. CONHECIMENTOS DE EMBARQUE E CONFIRMAÇÃO DA RESERVA QUE INDICAM EXPRESSAMENTE A RESPONSABILIDADE DA APELADA PELA DEVOLUÇÃO DOS CONTÊINERES, O PRAZO "FREE TIME" E O VALOR DAS DIÁRIAS. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR. INTEMPÉRIE CLIMÁTICA QUE OCASIONOU O FECHAMENTO DO TERMINAL PORTUÁRIO. SITUAÇÃO QUE NÃO AFASTA A RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE EVENTUAL SOBRE-ESTADIA. FORTUITO INTERNO. RISCO DA ATIVIDADE. CONDENAÇÃO FIXADA EM MOEDA ESTRANGEIRA. INSEGURANÇA JURÍDICA. INSUBSISTÊNCIA. MONTANTE QUE SERÁ CONVERTIDO PARA MOEDA NACIONAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRETENDIDA MINORAÇÃO DO PERCENTUAL. REJEIÇÃO. VERBA ARBITRADA EM CONSONÂNCIA COM O TRABALHO REALIZADO PELO CAUSÍDICO E TEMPO EXIGIDO. IMPOSSIBILIDADE, ADEMAIS, DE MODIFICAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. CONDENAÇÃO PASSÍVEL DE LIQUIDAÇÃO. HONORÁRIOS RECURSAIS. CABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0000643-32.2018.8.24.0050, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Janice Goulart Garcia Ubialli, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 13-12-2022).

O caso em tela versa sobre uma ação de cobrança de detention, onde foi julgado improcedente a apelação do importador. Ao analisar o julgado, um dos principais pontos em que se pode observar que fez com que pretensão da apelante não fosse acolhida é que não constavam cláusulas referente ao período de free time ou da taxa estabelecida a título de demurrage e detention, foi alegado também que o contrato em questão possuía cláusulas genéricas, botando em dúvidas a responsabilidade das partes. Além disso, foi colocado em questionamento se condição climática adversa seria considerado caso fortuito ou força maior que impedisse a entrega do contêiner no prazo estabelecido. Nesse sentido, concordo com a excelentíssima desembargadora, uma vez que a imprevisibilidade climática no transporte marítimo deve ser encarado como algo comum e não como um imprevisto, uma vez que está diretamente ligado com o risco da atividade de transportes de carga, logo, entendo que, mesmo que haja o fechamento do porto, como no caso em questão, tal fato está atrelado diretamente a este tipo de atividade e não deve ser encarado como caso fortuito ou força maior.

Ao meu entendimento, as partes independente de previsão contratual de taxa de demurrage/detention, possuem uma obrigação de entrega, devolução, cobrança e recebimento de contêiner, assim, essa obrigação acaba gerando a responsabilidade que permeia este tipo de taxa a partir do momento em que é uma das partes não cumpre com parte desta obrigação, no caso em questão com a entrega do contêiner na data estipulada no contrato, configurando a prática ilícita da responsabilidade civil. Logo, entendo que, mesmo que um contrato não apresente cláusulas expressas de detention e demurrage, o transportador poderá realizar a cobrança, uma vez que essa prática além de ser de conhecimento (ou deveria ser) de qualquer praticante da área, acaba se tornando, caso não conste de forma explícita no contrato a cláusula de demurrage/detention, uma indenização para a parte lesada pelo embaraço logístico, tornando a parte ocasionadora desta lesão responsável pelo pagamento deste valor de título indenizatório.

Diante do exposto neste artigo, o descumprimento obrigacional previsto em contrato por uma das partes na operação logística envolvendo contêineres, é considerado ato ilícito e cabe às partes lesadas serem indenizadas, independente de previsão contratual a título de demurrage/detention, uma vez foi comprovado que a cobrança deste tipo de penalidade não depende de previsibilidade contratual e caberá às partes decidirem se vão manter essa relação jurídica sem expressa previsão, sabendo que serão responsabilizadas civilmente caso haja descumprimento.

Referências

1-  MARCHIOLI, Rodrigo. Sobre-estadia de Contêineres: Demurrage e Detention de contêiner no direito brasileiro. Teoria e Prática, Curitiba, PR: Juará, pág. 21.

2- TJSC, 4ª Câmara de Direito Comercial, Apelação 0000643-32.2018.8.24.0050, Rel. Janice Goulart Garcia Ubialli, j. 13-12-2022.