Os 89 anos do Tribunal Marítimo: uma homenagem da advocacia
quinta-feira, 13 de julho de 2023
Atualizado às 08:06
No corrente mês, o Egrégio Tribunal Marítimo completa oitenta e nove anos de atividade. Assim, nesse momento de celebração, impõe-se a realização de uma reflexão sobre o relevantíssimo papel desempenhado pela Corte Marítima e sobre o prestígio que sempre foi concedido ao advogado maritimista militante nos belos corredores do histórico prédio situado na praça XV no Rio de Janeiro.
O Tribunal Marítimo é um órgão administrativo autônomo, vinculado ao Ministério da Marinha, que tem como função precípua analisar e julgar os fatos e acidentes da navegação, após a conclusão do inquérito administrativo pela Capitania dos Portos com jurisdição sob o local do evento. Com efeito, uma retrospectiva histórica faz-se necessária para entender como a justiça marítima alcançou a configuração que possui hoje.
Após o caso envolvendo o navio Baden, em 21.12.1931 - o qual já foi objeto de artigo anterior nesta coluna1 - por meio do Decreto nº 20.829, foi criada a Diretoria da Marinha Mercante, órgão diretamente subordinado ao Ministério da Marinha, e planejada a criação dos chamados Tribunais Marítimos Administrativos (denominação empregada à época), subordinados à essa nova Diretoria.
Todavia, imperioso salientar que o referido decreto implementou tão somente o funcionamento do Tribunal Marítimo Administrativo do Rio de Janeiro - à época Distrito Federal - tendo lhe sido atribuída jurisdição sobre todo o território nacional. Estrutura esta que ia de encontro ao anteprojeto elaborado por Hugo Gutierrez Simas, José Domingos Rache e José Figueira de Almeida, que previa a criação de seis tribunais marítimos.
Subsequentemente, em 1933, através do Decreto 22.900, o Tribunal Marítimo Administrativo foi desvinculado da Diretoria da Marinha Mercante, passando à subordinação do Ministro da Marinha. Contudo, a criação da Corte Marítima considera-se como tendo ocorrido apenas em 1934, uma vez que seu Regulamento apenas foi criado pelo Decreto nº 24.585, promulgado em 5 de julho de 1934.
A Justiça Marítima do Brasil, naquela data, lançava sua pedra fundamental, recebendo virtuoso impulso. Nas palavras do Vice-Almirante Henrique Aristides Guilhem, Ministro da Marinha à época, em seu relatório ao Presidente da República datado de março de 1937, o Tribunal era uma demanda da sociedade, em especial daqueles que atuavam no comércio sobre águas:
"Há muito, todos os que tinham interesses ligados ou dependentes da nossa Marinha Mercante, do transporte sobre agua no Brasil, reclamavam a creação de um órgão technico para a apreciação rápida e segura de toda a sorte de acidentes da navegação no nosso imenso litoral e vias navegáveis. Este órgão foi creado ao impulso do espirito de renovação que ultimamente atingiu a Administração Brasileira." (texto extraído do original, na língua portuguesa vigente à época)
Coincidente, apenas alguns anos antes, nascia a Ordem dos Advogados do Brasil, por via do Decreto 19.408 de 1930, de lavra do Presidente Getúlio Vargas e do Dr. Oswaldo Aranha, na qualidade de Ministro da Justiça.
Logo, é possível perceber que tanto no Decreto que fez instalar o Tribunal Marítimo, como naquele que criou a Ordem dos Advogados, o espírito de renovação e modernização da sociedade brasileira se faziam presentes.
Com efeito, deve-se ressaltar que as histórias das duas instituições se entrelaçam por esses quase 90 anos de história, sempre tendo sido resguardado um grande prestígio pelo Tribunal Marítimo aos advogados que nesta corte atuam.
A maior expressão deste prestígio encontra-se na obrigatoriedade de necessidade da capacidade postulatória para exercer a defesa dos Representados perante a Corte Marítima, questão esta que foi expressamente positiva no artigo 31 da Lei 2.180/54, mas que remonta desde os primórdios da criação do Tribunal Marítimo.
Isso porque, o processo no Tribunal Marítimo, nos termos do seu Regulamento de 1934, em seu revogado artigo 49, previa a possibilidade de interposição de Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal em face da decisão proferida pela Corte Administrativa.
Ademais, em que pese o Regulamento não previsse de forma expressa a respeito da atuação dos advogados e solicitadores para a representação da parte no Tribunal, a norma trazia também uma interessante alusão à possibilidade de um procurador representar a parte interessada em audiência no TM desde que "constituído por instrumento bastante" (artigo 33) o que, claramente, denota que os advogados poderiam - e deveriam - atuar neste Tribunal desde a sua instalação, seja para participação em audiências ou até mesmo para a interposição de Recurso Extraordinário.
Apenas pela análise deste prisma, já é possível perceber a estreita relação entre os advogados e o Tribunal Marítimo desde os primórdios de sua instalação.
Sem prejuízo ao exposto acima, faz-se mister enaltecer todo o aprimoramento que a legislação passou a receber, a partir da promulgação da Lei n° 2.180 de 1954, que elevou este Egrégio Tribunal à condição de "órgão auxiliar ao poder judiciário", tendo sido feitas duas fundamentais referências aos advogados e à OAB, quais sejam: o artigo 31 que aduz ser "privativa dos advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil o patrocínio de causas no Tribunal Marítimo", assim como no artigo 2°, parágrafo 4°, que assegura uma vaga na banca examinadora de concurso para Juiz do Tribunal Marítimo um especialista em Direito Marítimo ou Direito Internacional Público escolhido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Portanto, não há como dissociar os dois órgãos - OAB e Tribunal Marítimo. Isto porque também não há como dissociar os advogados e os juízes - pois a relação entre eles é visceral. Sem o advogado a pedir e suplicar, expondo as razões de seu cliente, pouco terá o Tribunal a fazer; seu motivo de existir passa a inexistir.
Em decorrência da salutar e profícua relação mutualística entre Tribunal Marítimo e a classe dos advogados, havia de ser realizada, através da breve retrospectiva histórica deste texto, uma singela deferência à Corte Marítima ,que completa mais um ano de existência, devendo-se ressaltar a incólume postura e conduta dos seus nobres Juízes, da Procuradoria Especial da Marinha e de todo o corpo funcional, sempre solícito e gentil com os advogados e estagiários que que pautam a sua atuação profissional dentro desta Corte, seja na divisão contenciosa de processos, como na divisão registral de embarcações.
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1 Disponível aqui.