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A proposta de criação do Núcleo Especializado de Justiça 4.0 para causas de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro no Estado de São Paulo

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Atualizado às 07:27

A especialização de varas judiciais tem sido cada vez mais adotada pelo sistema judiciário brasileiro, em prol das vantagens que se observam com sua adoção. No sistema jurídico contemporâneo, o acúmulo de processos e a morosidade na resolução de conflitos são desafios constantes enfrentados pelos tribunais, gerando não apenas insegurança jurídica, como também impactos econômicos e sociais.

Nesse contexto, a especialização surge como uma abordagem promissora, buscando agilizar o trâmite processual, aprimorar a qualidade das decisões e reduzir o número de litígios. Ao designar-se juízes especializados para lidar com áreas específicas do direito, é possível se obter um maior domínio técnico, uma compreensão aprofundada das questões envolvidas e, consequentemente, uma maior eficiência na entrega da justiça, contribuindo, inclusive, para o aprimoramento do trabalho do próprio advogado.

Essa tendência vem sendo demonstrada de diversas formas pelo judiciário, mas destaca-se a Resolução do CNJ nº 385, que autoriza os chamados "Núcleos de Justiça 4.0", que nada mais são do que varas especializadas com competência sobre toda a área territorial da jurisdição do tribunal que os instituíram.

Em agosto de 2022, o primeiro Núcleo Especializado de Justiça 4.0 foi criado no TJSP com competência para processar e julgar as ações referentes às demandas de trânsito/DETRAN. A ação se provou um sucesso, demonstrando que com pouco tempo de funcionamento o volume de sentenças foi significativamente alto e o tempo para sua prolação reduzido consideravelmente.

Já o que se busca centralizar com essa breve exposição, diz respeito à louvável ordem do Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Processo nº 2022/00132753, lavrando no último dia 02/05/23, a proposta de criação do Núcleo Especializado de Justiça 4.0, com competência para processar e julgar as ações referentes às demandas de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro.

A iniciativa é acertada ao expor a grande relevância do modal aquaviário e das operações portuárias para o transporte de mercadorias ao redor do mundo, ressaltando os portos que se localizam no estado. O Porto de Santos, inclusive, deve ser destacado por sua grande relevância internacional, que, conforme citado na decisão, no ano de 2022 movimentou 162,4 milhões de toneladas de carga, representando um aumento de cerca de 10,5% em relação ao ano de 2021.

Atualmente o que se observa dentro da seara do direito marítimo em âmbito nacional é uma ausência de uniformidade nos entendimentos relativos à matéria, o que se relaciona de forma direta com a pulverização de competências para julgar estes litígios. Até porque, a alta especificidade e complexidade das matérias que se correlacionam com o tema e a limitada abordagem da temática em muitas grades curriculares e nos exames para magistratura, acaba por dificultar um aprofundamento técnico sobre a matéria para determinados Juízos que possuem competência para julgamento de um leque de causas de naturezas muito diversas.

Nesse sentido, há que ressaltar que a demonstração das especificidades e complexidades das matérias envolvidas na proposta de criação deste novo Núcleo é fruto de um trabalho coletivo com esforços de muitos estudiosos e entusiastas, conta com o apoio de autoridades e magistrados afetos ao tema, e sobretudo uma destacada atuação da Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil e de sua Comissão de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro que, inclusive, foi responsável pelo protocolo do ofício que impulsionou a valorosa decisão.

Resta evidente que a criação do Núcleo, tanto pelos resultados positivos que já vem sendo demonstrados em experiências similares, como as bem sucedidas varas empresariais especializadas no Rio de Janeiro - as quais já foram objeto de assunto específico aqui nesta coluna1 -, quanto pelas consequências inerentes à sua criação, proporcionaria efeitos sistemáticos em todo o processo jurisdicional que envolve tais matérias, inclusive através da prevenção de litígios judiciais.

Através de juízos especializados, uma maior harmonização de decisões sobre determinadas teses, com robusta fundamentação técnica e amplo conhecimento das práticas do setor, certamente contribuirá para enaltecer a segurança jurídica e fomentar investimentos econômicos no setor e na região, como consequentemente, prevenir litígios, desencorajar demandas aventureiras, teses ultrapassadas e, ainda, contribuir ao próprio aprimoramento do trabalho do advogado militante no setor.

O primado princípio da segurança jurídica garante a previsibilidade, coerência e estabilidade das decisões jurídicas, o que de forma global assegura o direito em si.

De outro lado, a ausência de uniformidade quanto a matérias especificas e a existência de decisões conflitantes e divergentes sobre um mesmo tema confunde quem atua no setor e estimula a judicialização de controvérsias, quando não se sabe qual a melhor conduta a ser tomada ou qual a melhor aplicação do direito ao caso. Inclusive, na proposta proferida pelo Presidente do TJSP é citado o fato de que "decisões proferidas por varas especializadas têm maior probabilidade de serem mantidas por tribunais superiores".

Conclui-se, portanto, que a proposta de criação do Núcleo Especializado de Justiça 4.0, a ser composto por três juízes, com competência para processar e julgar as ações referentes às demandas de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro no Estado de São Paulo é uma grande conquista não apenas para os operadores e julgadores da matéria, como para todo o setor econômico envolvido e consequentemente a própria sociedade. A proposta seguirá para análise e apreciação da Corregedoria Geral da Justiça, esperando restar favorável e implantada a iniciativa ainda este ano.

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1 Disponível aqui.