A vinculação do árbitro aos precedentes judiciais
quinta-feira, 13 de outubro de 2022
Atualizado às 07:52
De início, destaco que as linhas a seguir representam uma breve reflexão sobre o tema da vinculação dos árbitros aos precedentes judiciais. A sua importância está a merecer estudo permanente, de modo a viabilizar a convivência em harmonia das justiças privada e estatal.
Ingressando no tema, é importante destacar que o precedente não se confunde com a própria decisão do qual ele próprio nasce. O precedente está, portanto, nos motivos determinantes contidos na decisão que permitem sejam aplicados em outros casos futuros. É o que se chama de ratio decidendi.
A decisão judicial hábil a produzir um precedente é aquela que contenha em sua fundamentação motivos determinantes gerais, ou seja, a abstração que é capaz de permitir que, diante de caso futuro, no mesmo contexto fático, sua aplicação seja implementada sem distinção.
O Código de Processo Civil traz em seu artigo 9261, o Princípio da Uniformidade e Estabilidade da Jurisprudência, ideal garantidor do valor segurança jurídica, indispensável à higidez do Estado Democrático de Direito.
Por sua vez, o artigo 9272, do Código de Processo Civil, em seus incisos I a V, enumera as decisões a que Juízes e Tribunais estão obrigados a observar. Veja-se, por oportuno, o imperativo "observarão", a indicar dever e não faculdade.
O árbitro exerce jurisdição. É, nos termos da lei, juiz de fato e de direito3.
Em que pese o exercício da jurisdição, o árbitro não integra o Poder Judiciário, o que se conclui a partir da inexistência de recurso ou homologação de sua decisão pelo juiz estatal, no que a definitividade é princípio da sentença arbitral.
Está posto, pois, o dilema: como o árbitro que não integra o poder judiciário estará obrigado a respeitar precedente produzido pelo poder judiciário?
Em um primeiro momento, a partir apenas da observação dos artigos 18, da Lei de Arbitragem e 927, do Código de Processo Civil, o árbitro estaria sempre obrigado a seguir os precedentes judiciais indicados na Lei Adjetiva.
Isso por duas conclusões, a saber: A primeira que o árbitro é juiz de fato e de direito e, portanto, exerce jurisdição plena. A segunda que juízes e tribunais observarão os precedentes enumerados na lei, sem que o dispositivo faça distinção entre processo arbitral e processo estatal.
Ao meu sentir, a solução da controvérsia não é tão simples.
Primeiro, não se pode deixar de abordar o chamado Precedente Persuasivo.
De logo, já afirmo que não se pode cogitar de obrigatoriedade de seguimento, seja do juiz, seja do árbitro, em relação ao precedente persuasivo.
Guilherme Rizzo Amaral, citando Schauer, Lamond, Bronaugh afirma que um precedente persuasivo apresenta razões substanciais para alguém segui-lo. O julgador que segue um precedente persuasivo aprende com ele, acredita nele e somente o segue convencido do seu acerto. Ao se deparar com um julgamento defeituoso gerador do precedente persuasivo ou com razões substanciais para duvidar de sua correção, o julgador poderá decidir não seguir o precedente. É por isso que se diz que a ninguém é dado reconhecer o precedente como persuasivo, segui-lo, e expressar arrependimento ou inconformidade com o resultado4.
Nesse caso, o que conduz o julgador a seguir o precedente é o seu convencimento sobre o acerto da quanto decidido e o cabimento da aplicação ao caso concreto em julgamento. O julgador se convence dos motivos determinantes da decisão (ratio decidendi) e, sem vinculação, mas por estar mesmo convencido, decide pela sua aplicação.
Não há, aqui, qualquer força impositiva na aplicação do precedente.
Portanto, sem força impositiva, sem vinculação, não há que se cogitar de obrigatoriedade de aplicação.
A controvérsia está, pois, no chamado Precedente Vinculante.
O precedente vinculante, como o próprio verbo vincular está a indicar, está a revelar a necessidade de seguimento obrigatório. Não há espaço para o exercício do convencimento do julgador em seguir ou não, fundado no acerto das razões determinantes da decisão.
Em outras palavras, ainda que o julgador se convença do erro do precedente, seu caráter vinculativo impõe a sua aplicação, sem margem discricionária. É por essa razão que se afirma que o precedente vinculante impõe um agir ao julgador, um agir obrigatório, sendo irrelevante o poder de convencimento das razões substanciais da decisão.
Os pronunciamentos de uma autoridade teórica não devem ser aceitos se existe razão suficiente para duvidar de seu acerto. As instruções de uma autoridade prática, por contraste, ainda têm efeito mesmo na hipótese de erro5.
Mesmo o exercício da chamada Distinção (distinguish) não representa ação de deixar de seguir um precedente vinculante, mas apenas e tão somente fazer a distinção do caso concreto em relação às razões determinantes do precedente, afirmando-se, ao final, que a decisão anterior (precedente) não se aplica à decisão presente (caso concreto).
Nesse contexto, o Código de Processo Civil, nos já citados artigos 926 e 927, introduziu um modelo de precedentes vinculantes. O artigo 489, §1º, inciso VI, do mesmo Código, exige fundamentação expressa para o exercício da distinção6.
Para solucionar a questão da vinculação do árbitro ao precedente judicial vinculante, é preciso antes visitar a coluna central da arbitragem que é autonomia das partes e, no que interessa ao tema, a força que confere o poder do árbitro e a possibilidade de escolha do direito a ser observado no julgamento.
As partes na arbitragem estão livres para escolher o árbitro e, em fazendo, lhe conferem o poder jurisdicional necessário para solucionar a controvérsia com definitividade. Essas mesmas partes estão livres para escolher o direito a ser aplicado na solução da controvérsia, cabendo ao julgador respeitar a opção.
Portanto, ao árbitro não é dado o direito de não respeitar a convenção das partes sobre o direito aplicável e, mesmo na hipótese de ausência de indicação nesse sentido, lhe cabe solucionar a controvérsia ainda dentro das regras de direito.
O julgamento por equidade depende de autorização expressa das partes7. Inclusive, a decisão do árbitro, por equidade, sem autorização das partes, é julgamento fora dos limites da convenção de arbitragem e permite a anulação da sentença arbitral com fundamento no artigo 32, inciso IV, da Lei de Arbitragem8.
Portanto, é correto afirmar que a obrigação dos árbitros em seguir precedentes judiciais de natureza vinculante não decorre das normas contidas nos artigos 926 e 927, do código de Processo Civil, mas da eleição das partes pela arbitragem de direito, que impõe ao julgador a solução do caso conforme o direito.
É fato inequívoco que os precedentes vinculantes integram o sistema de direito brasileiro, sistema esse a que devem obediência juízes condutores do processo estatal e árbitros condutores do processo arbitral. Não há dois "direitos". O direito brasileiro a ser aplicado é o mesmo para o juiz e para o árbitro.
Assim, se as partes, no exercício da autonomia da vontade, escolhem uma arbitragem de direito, não fazendo opção expressa pela equidade, o árbitro está obrigado a seguir a orientação contida em precedentes vinculantes que integram o direito brasileiro.
E não poderia ser, ao meu sentir, diferente, no que a admissão da desconsideração pelo árbitro dos precedentes vinculantes, em uma arbitragem de direito, estaria a permitir julgamento com fundamento em direito desconhecido, a violar o postulado da segurança jurídica com reflexo direto no ideal constitucional do Estado Democrático de Direito9.
Importante, ainda, considerar o fato de que o árbitro não possui o poder de império a legitimar atos coercitivos da fase de execução e, por essa razão, a fase de Cumprimento de Sentença do título judicial se processa no juízo estatal, sob a condução do juiz togado. Para isso, a sentença arbitral está listada como título executivo no artigo 515, inciso VII, do Código de Processo Civil10.
Não seria razoável, penso eu, imaginar que o título judicial formado a partir da sentença arbitral e a ser executado no juízo estatal, possa estar lastreado em direito extravagante, contrapondo-se a todo um sistema de precedentes vinculantes a que o juiz togado está obrigado a seguir também na fase de execução.
É relevante, ainda que de forma breve, indicar quais precedente vinculantes efetivamente vinculam o árbitro.
Não se pode desconsiderar para esse fim o fato de que o árbitro é autoridade jurisdicional que decide o conflito em única e última instância. Em sendo assim, somente vinculam o árbitro os precedentes vinculantes com origem nas Cortes responsáveis pela uniformização do direito, como por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.
Por fim, não é toda e qualquer desconsideração de precedente vinculante pelo árbitro que sujeita a sentença arbitral à anulação. Apenas a desconsideração consciente do precedente pelo árbitro é hábil a esse fim. Isso porque também é lícito ao árbitro fazer o exercício da distinção, ou seja, de forma fundamentada, decidir que o precedente vinculante não se aplica ao caso em julgamento.
Nessa quadra, quatro situações se apresentam como possíveis em uma arbitragem de direito, vejamos: 1) Árbitro reconhece e aplica o precedente, não enseja anulação; 2) Árbitro reconhece o precedente e faz juízo de distinção, ainda que equivocado, não enseja a anulação; 3) Árbitro ignora de forma consciente o precedente, enseja a anulação (Larb, 32, IV); e 4) Árbitro é provocado a se manifestar sobre o precedente e não o faz, enseja anulação por falta de fundamento (LArb, art. 32, III, c/c 26, II)11.
Em conclusão, é preciso reconhecer a necessidade de uma convivência em harmonia entre a justiça privada e a justiça estatal, respeitando cada qual seu espaço de atuação, inclusive, reconhecendo a delimitação das intervenções naturais e excepcionais do poder judiciário no processo arbitral.
A harmonia da convivência entre as justiças é garantia da segurança jurídica e do estado democrático de direito, o que, em última análise, fortalece, de um lado, o instituto da arbitragem e, de outro, a autoridade do poder judiciário.
É nesse contexto de harmonia que se encaixa a obrigatoriedade de seguimento dos precedentes vinculantes pelo árbitro em uma arbitragem de direito.
Não havendo "dois direitos" e havendo opção legítima das partes pela arbitragem de direito, cabe ao árbitro respeitar precedentes vinculantes emanados das Cortes de Precedentes, responsáveis pela uniformização do Direito.
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1 Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. §1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. §2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
2 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
3 Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.
4 AMARAL, Guilherme Rizzo. Arbitragem e Precedentes. Curso de Arbitragem. Revista dos Tribunais. 2018. p. 282.
5 LAMOND, Grant. Persuasive Authority in the Law. The Harvard Review of Philosophy, n. 17, 2010. p. 22.
6 § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
7 Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter: II - a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por equidade, se assim for convencionado pelas partes;
8 Art. 32. É nula a sentença arbitral se: IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
9 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito.
10 Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: VII - a sentença arbitral.
11 Art. 32. É nula a sentença arbitral se: III - não contiver os requisitos do art. 26 desta lei; Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral: I - o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio; II - os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade; III - o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e IV - a data e o lugar em que foi proferida.