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Estudo de caso: Arresto de embarcação e ausência de jurisdição brasileira

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Atualizado às 09:16

Uma empresa estrangeira, fornecedora de óleo combustível marítimo, ingressou perante a Justiça Brasileira com uma demanda em face de um armador estrangeiro, visando arrestar uma embarcação que operava temporariamente em um porto brasileiro e obter indenização por valores relativos a fornecimento de combustível providenciado meses anteriores a uma outra empresa que à época afretava a embarcação, cujo pagamento fora alegadamente inadimplido.

O contrato de fornecimento de combustível continha cláusula de jurisdição estrangeira, mas, não obstante, a ação foi instaurada no Brasil, sob o fundamento de que a embarcação possuía uma escala agendada em porto brasileiro antes de partir para águas internacionais.

Assim que a ação de arresto foi instaurada, o juiz de primeira instância proferiu decisão antes mesmo da oitiva da parte contrária, concedendo uma liminar para determinar o arresto da embarcação, como garantia da reclamação pelo pagamento sobre o combustível fornecido.

O juízo inicialmente entendeu que os requisitos processuais para a concessão da liminar estariam presentes, na medida em que o Autor havia demonstrado a razoabilidade do direito pleiteado (o "fumus boni iuris") e a preocupação de que a embarcação deixasse o porto brasileiro, partindo para destino desconhecido, deixando assim o autor sem quaisquer garantias para executar o crédito no Brasil (o "periculum in mora").

O d. magistrado também complementou que a medida de arresto, à época ajuizado antes consistiria numa ação cautelar destinada a garantir a ação principal, na qual o mérito da ação relacionada ao pagamento pelo combustível fornecido deveria ser discutido.  De acordo com as disposições do Código de Processo Civil vigente à época, a ação principal deveria ser instaurada pela parte Demandante perante o mesmo juízo, no prazo de 30 dias após o arresto.

Finalmente, seguindo as disposições do Código de Processo Civil, o juízo determinou que o Autor, na condição de empresa estrangeira sem endereço no Brasil, apresentasse caução em juízo no valor de 10% do valor dos pedidos como garantia para custas processuais e honorários de sucumbência, no caso de a ação ser julgada extinta ou julgada improcedente.

Assim que o agente marítimo da embarcação recebeu a intimação quanto à ordem de arresto, medidas jurídicas imediatas foram adotadas pelo armador a fim de tentar liberar a embarcação, manejando um célere pedido de reconsideração. O d. magistrado da causa, contudo, indeferiu qualquer reconsideração de sua decisão liminar antes da apresentação de uma defesa formal. Isto levou o armador a apresentar uma carta de garantia (LOU) emitida por um Clube de P&I, a fim de garantir a demanda e imediatamente liberar a embarcação, evitando prejuízos adicionais com a retenção.

Os armadores subsequentemente apresentaram sua defesa na ação de arresto, além de um agravo de instrumento ao tribunal de justiça, buscando a revogação da ordem de arresto em vista de ausência determinados requisitos legais, bem como a extinção do feito em razão da ausência de jurisdição da Corte Brasileira para a causa.

Conforme arguido pelo armador em sua defesa, o Código de Processo Civil então vigente expressamente previa que a jurisdição brasileira somente subsistiria (i) se o réu fosse uma empresa brasileira ou entidade com endereço ou representante no Brasil; (ii) se a obrigação sob discussão tivesse que ser executada no Brasil; ou (iii) se o fato que deu origem à ação houvesse decorrido de um ato praticado no Brasil.

No presente caso, nenhuma das circunstâncias acima mencionadas se encontrava presente, levando assim à conclusão de que a Justiça Brasileira não deveria ter jurisdição para julgar a demanda.

Além disto, o contrato de fornecimento de óleo combustível marítimo invocado pela parte demandante previa expressamente cláusula de jurisdição estrangeira e a Autora, empresa estrangeira, não estava incapacitada de buscar seu crédito perante o foro correto.

Todas estas questões foram trazidas à atenção do juiz após a apresentação da defesa pelo armador do navio e subsequentemente foi proferida uma decisão determinando a extinção do feito em vista da ausência de jurisdição da Justiça Brasileira. O juízo liberou o armador da obrigação de manter a carta de garantia e condenou a Autora a pagar as custas processuais e verbas sucumbenciais.

Tal decisão foi objeto de recurso de apelação por parte da Autora, recurso este, no entanto, que foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mantendo-se a decisão de primeira instância.

Não obstante a parte recorrente argumentar que o armador estrangeiro possuiria um agente marítimo em território brasileiro e que, portanto, estaria estabelecida a jurisdição brasileira na medida em que o parágrafo único do antigo art. 88 do CPC - atual art. 21 - considerava domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que tivesse agência no país, o tribunal entendeu por bem rejeitar referido argumento, salientando que a agência marítima não se enquadraria no contexto da "agência" estabelecida na Lei Processual. Segundo o tribunal, a agência prevista no CPC para fins de estabelecimento de jurisdição brasileira sobre uma pessoa jurídica estrangeira deveria ser aquela entidade integrante da própria estrutura corporativa e societária da referida empresa estrangeira, funcionando como uma filial, sucursal ou um ente do próprio grupo econômico e não uma pessoa jurídica distinta, independente e autônoma, mera mandatária, afinal toda embarcação que atraca em portos brasileiros deve possuir uma agência marítima a atendê-la, o que não significaria estabelecimento automático de jurisdição brasileira para qualquer demanda em face do armador da embarcação, por alegados créditos e disputas originadas e que deveriam ser submetidas a legislação e foro alienígena.

Ao final do julgamento pelo tribunal, a decisão transitou em julgado e a parte demandante, além de não ter conseguido prosseguir com a cobrança de seu reclamado crédito no Brasil, também ficou sujeita ao risco de ter que indenizar a demandada pelas perdas ocasionadas com o tempo em que a embarcação permaneceu arrestada - wrongful arrest - tal qual prevê a lei processual, além de arcar com as custas processuais e verbas sucumbenciais.