Ainda sobre o dever dos pais de vacinarem seus filhos: tema requentado e indigesto!
terça-feira, 15 de fevereiro de 2022
Atualizado em 16 de fevereiro de 2022 15:14
Queria eu que o tema já estivesse pacificado, que todas as crianças estivessem vacinadas contra a Covid-19 (e também com as demais vacinas do calendário), que todas as doses tivessem sido bem aproveitadas e que não houvesse óbitos infantis em decorrência do vírus1. Queria também que não existissem fake news ou, se existissem, que as pessoas logo percebessem que são notícias falsas2 e não repassassem, não perpetuando a obscuridade. Queria ainda, que as crianças fossem verdadeiros sujeitos de direitos e tivessem seus melhores interesses sempre protegidos, com prioridade absoluta, não só no papel3, mas na vida real. Queria, com isso, que pudéssemos nos orgulhar de ser um país que acolhe, cuida e protege seu futuro.
Mas não, o tema está novamente em pauta: Crianças de 5 a 11 anos: Os pais são obrigados a vaciná-las contra a covid-19?. Isso mesmo, um tema que abordei nessa mesma coluna ("Migalhas Infância e Juventude"), há 7 meses4.
Pois é, o assunto esfria e esquenta... esfria e esquenta... e, assim, vem sendo requentado desde que foram concedidas as autorizações pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária5 ("ANVISA", com atribuição para registro e aprovação de imunizantes no Brasil) para a vacinação de adolescentes de 12 a 17 anos, e da faixa etária de 5 a 11 anos, em Junho e Dezembro de 2021, respectivamente. Como conclusão - um tanto quanto óbvia - será novamente requentado em breve, logo que a ANVISA autorizar menores de 5 anos de idade a receberem imunização.
O termo é esse, e não poderia ser mais adequado: R E Q U E N T A D O !
Requentar significa "aquecer novamente, esquentar mais uma vez, acalorar de novo". E a questão envolvendo o direito de crianças de serem vacinadas (e, via reflexa, o dever de os pais submeterem seus filhos à vacinação) se apresenta exatamente assim, requentada de tempos em tempos.
Antes que as pedras sejam lançadas, não ignoro que um bom debate envolve tese, antítese e síntese, beneficiando-se das diversas considerações sobre um mesmo tema. Todavia, infelizmente não é a lógica que está regendo as principais discussões envolvendo os aspectos jurídicos das vacinas contra a Covid-19 em crianças no Brasil.
E aqui já delimito o recorte metodológico da abordagem, para focar no aspecto puramente jurídico, único que posso me manifestar, eis que não tenho formação médica, epidemiológica, sanitarista, de engenheira ou de farmácia. Nesse ponto, é preciso constatar que, embora a liberdade de expressão seja um pilar fundamental de nossa estrutura democrática, ela tem sido interpretada como uma carta branca para a arquiteta falar sobre hermenêutica jurídica, o musicista postar sobre cepas de vírus, o padeiro palestrar sobre imunização em rebanho e a astrônoma debater sobre interesses ocultos da indústria farmacêutica.
Restringindo-me, assim, à análise jurídica sobre o dever de os pais de vacinarem seus filhos menores de idade, reitero que, embora pareça um assunto novo, a questão já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal ("STF"), em sede vinculante, portanto, reduzindo o espaço para discussões - embora elas insistam em se proliferar requentadas e sem maiores fundamentos.
Para não ser injusta com os opositores sérios, destaco que alguns poucos estudiosos chegaram ao único argumento que, em tese, consideraria apto a viabilizar uma conclusão no sentido da não obrigatoriedade, já ressaltando que houve certa indução a erro pelo Ministério da Saúde que, injustificadamente, deixou a vacina para a faixa etária de 5 a 11 anos fora do Programa Nacional de Imunização ("PNI").
Neste particular, não custa lembrar que o chefe do executivo por diversas vezes se manifestou publicamente contra à vacinação e à adoção de outras medidas seguras - como o uso de máscaras, tendo apoiado tratamentos precoces e kits comprovadamente ineficazes à Covid-19.
- Clique aqui e veja a íntegra do texto.
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1 Covid-19 já matou mais de 1.400 crianças de zero a 11 anos no Brasil e deixou outras milhares com sequelas. Disponível aqui. Acesso, 08 de fev 2022.
2 Disponível aqui. Acesso em 09 de fev, 2022.
3 Art. 227, CF "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".
4 Disponível aqui. Acesso, 10 de fev 2022.
5 Criada pela Lei 9.782/99, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária é uma autarquia sob regime especial que tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados. Disponível aqui. Acesso, 06 de fev 2022.