Crianças: Os pais são obrigados a vaciná-las contra a covid-19?
terça-feira, 15 de junho de 2021
Atualizado às 07:54
Com o avanço da vacinação contra a covid-19 no mundo, alguns países já iniciaram a imunização no público infanto-juvenil, com destaque aos Estados Unidos, que já vacinaram mais de 2,5 milhões de pessoas entre 12 e 15 anos.
Surpreende a notícia vinda do Oriente, de que as autoridades chinesas aprovaram o uso emergencial da Coronavac - vacina contra a Covid-19 - em crianças menores a partir de 3 anos de idade, eis que os ensaios revelaram que a aplicação nessa faixa etária é tão segura e eficiente quanto nos adultos.
Assim, a vacinação de menores de 18 anos passou a ser assunto recorrente entre autoridades e farmacêuticas ao redor do mundo, especialmente nos países em que a maior parte da população adulta já está imunizada. A proposta é ampliar e finalizar os testes e, assim, efetivamente iniciar a imunização.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa autorizou o uso da vacina da Pfizer contra a Covid-19 para adolescentes de 12 anos a 15 anos no último dia 11, sendo que a farmacêutica afirma estar testando o imunizante em crianças ainda mais jovens, entre 5 e 11 anos.
Diante desse cenário, invariavelmente, em breve surgirão questionamentos como o proposto nesse texto: Os pais são obrigados a vacinar seus filhos menores de idade contra a covid-19?
Embora o debate possa parecer novo, a verdade é que a questão já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal - STF numa perspectiva mais ampla, restringindo o espaço para discussões.
Na decisão proferida pelo Plenário, no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6586 e 6587 (que tratam unicamente de vacinação contra a Covid-19) e do Recurso Extraordinário com Agravo 1267879 (em que se discute o direito à recusa à imunização de filhos por convicções filosóficas ou religiosas) o STF apreciou os temas e definiu as seguintes teses:
- Tese de repercussão geral fixada no ARE 1267879: "É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no plano nacional de imunizações; ou tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou seja objeto de determinação da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar".
- Tese das ADIs 6586 e 6587: "(i) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente"; e "(ii) Tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência".
Como se vê, o Plenário decidiu, de um lado, sobre o dever de os pais vacinarem seus filhos em relação a qualquer doença (como sarampo, poliomielite, difteria, caxumba, tipos de meningite, coqueluche entre outras doenças passíveis de imunização). E, de outro lado, sobre a possibilidade de o Estado exigir dos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a covid-19 prevista na lei 13.979/2020.
Dito de outro modo, e a partir de uma leitura conjunta e sistemática das teses, os pais são sim obrigados a vacinar seus filhos menores de idade contra a Covid-19 (assim como o são para qualquer outra doença) se (i) o imunizante já estiver devidamente registrado pela ANVISA, (ii) estiver incluído no Plano Nacional de Imunização - PNI e (iii) tenha sua obrigatoriedade incluída em lei ou sua aplicação determinada pela autoridade competente.
Antes que algum pai ou mãe questione se pode ser constrangido a submeter seus filhos à vacinação, destaco que a obrigatoriedade mencionada pelo Supremo não importa em vacinação forçada, ou seja, não haverá busca e apreensão das crianças e adolescentes para tal fim.
Todavia, se no caso concreto for constatada situação de risco (Art 98 do ECA) capaz de justificar intervenção da rede protetiva, especialmente pelo descumprimento dos deveres próprios do Poder Familiar (artigos 22 do ECA e 1634 do Código Civil) será possível, além da aplicação de medidas protetivas (artigos 101 e 129 ECA), a imposição de sanções (medidas indiretas) como multa, restrição ao exercício de atividades, impedimento de frequentar lugares, proibição de matrícula em escolas, dentre outras previstas em lei ou que sejam dela decorrentes.
No referido julgado, os ministros concordaram que a liberdade de crença filosófica e religiosa dos pais não pode ser imposta às crianças, pois o Poder Familiar não existe como direito ilimitado para dirigir a vida dos filhos, ao revés, justifica-se para protegê-los contra riscos decorrentes da vulnerabilidade em que se encontram durante a infância e a adolescência. Neste particular, existe dever expresso imposto aos pais no artigo 14, §1º do ECA.
Da mesma forma, não olvidaram que, embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade prevalecem sobre os direitos individuais, numa verdadeira compreensão transindividual dos direitos. Por isso, aliás, o Estado pode/deve, em situações excepcionais, proteger as pessoas, mesmo contra sua vontade - como, por exemplo, obrigar à vacinação - sob pena de sofrer medidas restritivas previstas em lei.
O Ministro Barroso deu destaque a esse viés em seu voto afirmando que "não são legítimas as escolhas individuais que atentem contra os direitos de terceiros", valorizando-se a vacinação em massa a fim de atingir a chamada imunidade de rebanho. Nesse ponto, o Ministro Alexandre de Moraes arrematou "a imunidade coletiva é um bem público coletivo".
Interessante verificar que os ministros da Corte promoveram uma análise ponderada entre fundamentos sustentados nas 3 ações judiciais e os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, orientando que eventuais restrições às liberdades individuais decorrentes da aplicação das medidas legais aos que recusarem a vacina são imposições do próprio complexo constitucional de direitos, que exige medidas efetivas para a proteção à saúde e à vida de toda a coletividade.
Neste ponto, a síntese mostra-se bem representada em trecho do voto da Ministra Rosa Weber ao afirmar que "Diante de uma grave e real ameaça à vida do povo, não há outro caminho a ser trilhado, à luz da Constituição, senão aquele que assegura o emprego dos meios necessários, adequados e proporcionais para a preservação da vida humana".
Como promotora de Justiça com atuação na proteção dos direitos da criança e do adolescente, professora da disciplina e mãe, acompanho os fundamentos dos ministros e confio na ciência. Assusta-me que a relutância/recusa à vacinação seja a 8ª maior ameaça à saúde global segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS, notadamente em um contexto pandêmico como o que vivemos atualmente.
Lembro que a imunização através de vacinas é uma das medidas mais efetivas na prevenção de doenças infectocontagiosas e os pais devem estar atentos a isso, zelando pelo direito de saúde de seus filhos. E, caso você ainda tenha alguma dúvida ou receio, procure informações apenas com profissionais de saúde, sem deixar que posições políticas e enviesadas impactem em sua decisão, especialmente se ela coloca em risco a manutenção da vida de seus filhos.