Henry: um rosto entre muitos outros esquecidos
terça-feira, 13 de abril de 2021
Atualizado às 10:38
Tomou conta dos noticiários nos últimos dias o assassinato do menino Henry Borel, chocando o Brasil com as atrocidades a cada nova prova conhecida pela mídia. Mas por que nós falamos mais de violência contra crianças e adolescentes quando elas viram estatísticas de homicídios do que de modos de prevenção e denúncia?
Enquanto sociedade brasileira, que tem a infância e juventude como a segunda causa que mais recebe doações, segundo o IDIS, nos impactamos com seus rostinhos, felizes, estampados nos jornais com a notícia de seu falecimento, mas nos esquecemos de cenas como a vista em Campinas, com um menino de 11 anos acorrentado dentro de um barril ou do menino, ou mesmo com o outro, de 6 anos, em Brasília, chicoteado pelo pai e preso em uma jaula.
Henry é, portanto, um rosto entre muitos outros esquecidos quando falamos de violência doméstica praticada contra crianças e adolescentes.
Embora o art. 227 da CF e o art. 5º do ECA garantam que "nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão", devendo a família, a sociedade e o Estado, com absoluta prioridade, mantê-los a salvo destas violações, de acordo com o relatório anual de 2019 do "Disque 100", conhecido como "Disque Direitos Humanos", plataforma de denúncia do Governo Federal, crianças e adolescentes integram o grupo mais vulnerável, tendo em vista que 55% das denúncias que são feitas possuem este público como vítima.
Ainda, em que pese a violência contra a criança ser praticada majoritariamente em ambientes domésticos, como aponta o mesmo relatório público, quando há notória subnotificação desses crimes à Polícia e ao Judiciário, não é raro vermos nos noticiários casos de violência, tortura e abusos - físicos, psicológicos e sexuais -, contra crianças e adolescentes, sendo praticados dentro de casa e por parentes próximos. Estão aí Lucélia, Isabela Nardoni, Bernardo, Rafael Winques, Victor da Cruz, Samuel, Ísis Helena, e, mais recentemente, Henry Borel.
Para que as estatísticas mudem, precisamos agir na prevenção, discutindo tais dados coletiva e abertamente para, entendendo a dinâmica da violência doméstica infanto-juvenil, trabalharmos em seu combate, fomentando a denúncia e cobrando uma postura enérgica do Poder Público para seu enfrentamento, proteção da infância e persecução criminal dos agressores.
Afora a implementação de meios de conscientização das famílias sobre violências em geral, inclusive psicológicas e morais, formas de correção física, como a Lei do menino Bernardo (Lei da palmada), tendo em vista que pais e familiares próximos são os principais agressores, outro ambiente que precisa ser trabalhado é a escola. Embora ela também conste na lista dos locais de agressão, é lá que, por muitas vezes, o primeiro local de proteção e acesso das crianças vítimas de violência, sendo inclusive necessário um treinamento adequado dos Professores, pedagogos, psicológicos, educadores e funcionários para a colheita do primeiro depoimento, que chamamos de comumente de "revelação".
Ou seja, quando a criança fala sobre a agressão que sofreu, não temos mais uma simples suspeita da violência praticada, mas sim a primeira prova produzida, que precisa ser zelada e protegida, com uma escuta ativa, cuidadosa e técnica da criança, como regulamenta a Lei do Depoimento sem Dano, a fim de que consigamos conduzir a investigação criminal e a futura ação penal a contento. Punindo, assim, quem agride e mata.
Sobre o ambiente escolar, veja-se que no último dia 09 de março de 2021 foi promulgada uma norma no Estado de São Paulo (lei 17.337/2021) que dispõe sobre a capacitação escolar para crianças e adolescentes a fim de possibilitar a identificação e prevenção de situações de violência intrafamiliar e abuso sexual. A Lei, de apenas 03 artigos, fala em treinamento das crianças e adolescentes por "profissionais capacitados, podendo ser professores, psicólogos, psicopedagogos ou assistentes sociais", mas aqui chamamos atenção ao fato de que, em muitos casos, falta capacitação para quem deveria capacitar.
Ocorre que, em pesquisa no site da EFAPE (Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação "Paulo Renato Costa Souza"), instituição indicada na referida Lei para formação complementar da rede, não encontramos um curso de formação sequer que trate de "violência" ou "abuso". Chama atenção, portanto, que embora tenhamos uma lei específica para capacitação de crianças e jovens sobre o tema da violência, falta efetiva regulamentação para sua premente implementação.
Outros recortes são necessários, tal como o racial e o de gênero. A maioria das crianças e adolescentes violentados é parda e do gênero feminino. O documentário "Um crime entre nós", produzido pela Maria Farinha Filmes, traz dados chocantes sobre abuso, pornografia e exploração sexual de crianças e adolescentes, especialmente meninas, no Brasil. Figuramos como o segundo país no ranking mundial de casos de exploração sexual infantil, sabendo-se que "existe um mercado no qual se troca infância por qualquer coisa menos valiosa" e é sobre isso que precisamos falar e por isso que precisamos agir.
Assim, o melhor tratamento para combatermos a violência doméstica praticada contra crianças e adolescentes passa pelo acesso à informação de famílias e da sociedade em geral, pois somente com ela poderemos ficar atentos para as denúncias necessárias, trabalhando nosso olhar atento àqueles que nos cercam, bem como para cobrarmos do Poder Público a proteção, com prioridade absoluta, da VIDA de crianças e jovens brasileiros através de políticas públicas efetivas.
A coluna desta semana é uma provocação para que ajamos na prevenção, entendendo um pouco melhor o contexto silencioso da violência intrafamiliar praticada contra crianças e adolescentes no Brasil. Não podemos deixar a infância ser dizimada, alimentando um país maculado pela violência.
Basta!