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Restrições urbanísticas: Obrigatoriedade das restrições legais x questionamentos das restrições convencionais

quinta-feira, 13 de março de 2025

Atualizado em 12 de março de 2025 11:29

Introdução

As intervenções em áreas urbanas centrais levaram à deterioração urbana, impulsionando uma nova abordagem para as diretrizes urbanísticas locais. A evolução da compreensão dos espaços urbanos, seja pelo avanço tecnológico, pela intensificação das atividades ou pelo crescimento populacional, resultou em novos planejamentos e gestões, acompanhados de restrições urbanísticas e civis.

Essas restrições buscam organizar o espaço urbano e melhorar a qualidade de vida dos moradores. O aspecto urbanístico é de competência municipal, enquanto o civil é responsabilidade exclusiva da União. Nesse contexto, as leis orgânicas municipais estabelecem normas para edificações, zoneamento e parcelamento do solo.

Frequentemente associadas a empreendimentos imobiliários, tais restrições nem sempre estão regulamentadas, permitindo que empreendedores imponham restrições particulares. Com o tempo, as normas urbanísticas precisam se adaptar às novas realidades.

Este artigo explora as características das restrições existentes, os requisitos para sua validade e a necessidade de adequações conforme as mudanças urbanas.

Restrições urbanísticas legais

As restrições urbanísticas legais são definidas pelos entes federativos para regular o parcelamento, uso e ocupação do solo urbano. Principalmente, cabem aos municípios o ordenamento territorial, a execução da política urbana e a garantia da função social da propriedade, conforme os arts. 30, VIII, e 182, caput e § 2º, da CF/88.

Essas restrições, de ordem pública, determinam limites de áreas, tamanhos, coeficientes de aproveitamento e usos permitidos. Exemplos incluem normas de parcelamento e zoneamento urbano, que restringem atividades comerciais em áreas residenciais, impõem recuos mínimos, alturas máximas para edificações e exigências para aprovação de condomínios de lotes.

Além disso, há restrições previstas no Código Civil, como desapropriação (art. 1.228, § 3º), direito de vizinhança (arts. 1.277 e 1.313), tombamento, servidões, passagem forçada e limitações ambientais (Código Florestal - lei 12.641/12, lei estadual de mananciais). O estatuto da terra (lei 4.504/64) também regula a propriedade rural.

As restrições urbanísticas legais são imposições realizadas para satisfazer o princípio urbano de cuidar da maior parte da população e preservar o interesse da coletividade sobre o predomínio da menor parte populacional.

Restrições urbanísticas convencionais

As restrições urbanísticas convencionais são um tema debatido e ainda controverso no direito urbanístico. Segundo Hely Lopes Meireles (1975, p. 480), "essas restrições convencionais são supletivas das normas legais e atuam nos seus claros enquanto o legislador não estabelece normas urbanísticas que irão tomar o seu lugar".

Geralmente aplicadas em loteamentos, essas restrições permitem que empreendedores imponham diretrizes urbanísticas supletivas à legislação vigente, conforme o art. 26, VII, da lei 6.766/79. No entanto, para serem válidas, devem constar no contrato padrão de promessa de compra e venda, conforme os arts. 18 e 26 da mesma lei.

A validade das restrições convencionais exige sua formalização em contrato, aprovação pelo ente municipal e averbação no Cartório de Registro de Imóveis, garantindo publicidade e respeito ao Princípio da Concentração dos Atos na Matrícula. Ainda assim, é essencial verificar se tais restrições não contrariam a legislação urbanística vigente ou se apenas refletem interesses particulares em detrimento do coletivo.

Outro aspecto relevante é a temporalidade dessas restrições, pois a dinâmica urbana impõe mudanças constantes. A adequação às novas realidades fáticas, à legislação municipal e aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal deve ser analisada para evitar a perpetuação de regras obsoletas.

Diante disso, as restrições convencionais devem ser interpretadas com cautela, garantindo que cumpram sua função sem desrespeitar a legislação ou os interesses coletivos.

Jurisprudência das restrições urbanísticas

Os tribunais, especialmente o TJ/SP, têm consolidado o entendimento de que as restrições convencionais de loteamento não podem se sobrepor à legislação municipal, que prevalece mesmo quando o ato restritivo é reconhecido como válido. Esse posicionamento é evidenciado nos julgados 0028555-18.2010.8.26.0506, 2172228-15.2021.8.26.0000 e 1046169-07.2019.8.26.0602.

O STJ também reforça que as restrições convencionais são apenas supletivas às normas legais e, portanto, não podem prevalecer sobre as leis urbanísticas municipais, que são normas de ordem pública. O Plano Urbanístico, de interesse geral e dinâmico, não pode ser limitado por restrições particulares que impeçam a adequação do ordenamento urbano às realidades locais. Esse entendimento foi firmado no recurso especial 289.093/SP, entre outros.

Ao longo do tempo, o STJ tem consolidado essa linha de raciocínio em precedentes como o REsp 226.858/RJ, REsp 289.093/SP e REsp 1.774.818/SP. O TJ/SC também possui entendimento firmado sobre a questão, conforme o julgado 5047048-55.2022.8.24.0000.

Apesar dessas decisões, não há um entendimento unificado sobre o tema nos tribunais brasileiros. Há divergências entre julgados que defendem: (i) a prevalência das restrições convencionais mais rígidas em relação à legislação vigente; (ii) a supremacia da lei sobre tais restrições; e (iii) a necessidade de requisitos específicos para a validade das restrições convencionais, entre outros posicionamentos.

Conclusão

As restrições urbanísticas são e continuarão sendo essenciais para a política urbana. No entanto, é fundamental garantir a legalidade das restrições urbanísticas convencionais impostas por particulares.

Embora essas restrições possam suprir lacunas nas legislações municipais, sua aplicação deve ser razoável, sem visar apenas interesses particulares ou econômicos. Além disso, é imprescindível o cumprimento dos requisitos mínimos exigidos, incluindo a formalização no ato de aprovação do empreendimento, nos contratos de promessa de compra e venda, no registro no Cartório de Imóveis, nas matrículas dos imóveis e em demais documentos necessários para sua publicidade.

Diante das constantes transformações sociais, é essencial avaliar a eficácia prática dessas restrições, que podem perder validade com a entrada em vigor de novas leis suplementares.

Por fim, o tema demanda maior aprofundamento e a consolidação de um entendimento pacificado nos tribunais, dada sua relevância para o ordenamento urbano e o desenvolvimento social.

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