COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalhas Edilícias >
  4. Garantias imobiliárias e a resolução 5.197/24 do CMN - Expansão da garantia imobiliária: Todo potencial do imóvel à disposição do proprietário

Garantias imobiliárias e a resolução 5.197/24 do CMN - Expansão da garantia imobiliária: Todo potencial do imóvel à disposição do proprietário

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Atualizado em 29 de janeiro de 2025 11:16

1. Introdução

O crédito é fundamental para o setor imobiliário e a garantia imobiliária, por sua vez, é essencial para concessão do crédito. Entre as garantias mais usuais se destacam a alienação fiduciária e a hipoteca. A alienação fiduciária tem sido utilizada em larga escala ante a segurança jurídica, previsibilidade e agilidade na sua execução, proporcionadas pelo procedimento extrajudicial traçado pela lei 9.514/97.

Assim como a alienação fiduciária, a hipoteca ganhou nova musculatura com a edição da lei 14.711/23, marco legal das garantias. No entanto, uma parcela da lei necessitava de regulamentação específica para extrair o máximo de eficácia das garantias imobiliárias turbinadas pela mudança legislativa. Essa regulamentação veio recentemente com a edição pelo CMN - Conselho Monetário Nacional da resolução 5.197/24.

A resolução do CMN trouxe aspectos essenciais para o uso do imóvel na garantia de mais de uma operação de crédito imobiliário. O texto proporciona maior clareza sobre a sua utilização e os cuidados que devem ser observados na hora de formatar o contrato de garantia.

2. O marco legal das garantias e a resolução do CMN

A lei do marco legal das garantias inovou o ambiente legal das garantias reais estruturadas no Direito brasileiro, direcionando esforços na expansão da capacidade de contratação de financiamento no país, além de ter fortalecido a extrajudicialização das execuções de garantias1.

Entre as alterações promovidas pela lei, destacam-se as regras relativas à alienação fiduciária de bem imóvel, a hipoteca e sua execução extrajudicial, a utilização de várias garantias e a execução extrajudicial conjunta, bem como a criação do agente das garantias e a utilização da ata notarial para verificar o implemento ou descumprimento das condições negociais acertadas pelas partes.

Em síntese, o aperfeiçoamento do sistema das garantias pela lei do marco das garantias propicia condições adequadas para otimizar o aproveitamento dos ativos imobilizados por parte dos devedores e credores.

É o caso da extensão da alienação fiduciária e da hipoteca, bem como alienação fiduciária superveniente.

A extensão da hipoteca e a extensão da alienação fiduciária consistem, basicamente, na utilização da garantia para a contração de novas operações de crédito, em regra, com o mesmo credor2. Com efeito, a garantia outorgada não pode exceder o prazo final de pagamento, bem como o valor garantido constante do título da garantia original. A transferência do crédito garantido pelo imóvel a outra instituição financeira somente pode ser feita se englobar a totalidade dos créditos que foram assegurados pela garantia, de maneira a preservar a unicidade do credor.

Já no caso da alienação fiduciária superveniente, o imóvel que foi alienado fiduciariamente é utilizado como garantia em nova operação de crédito antes que a operação originalmente contratada seja quitada. Não é necessário que a nova operação de crédito seja feita com o credor original. Porém, fica a sua eficácia condicionada à resolução da propriedade fiduciária do imóvel em relação ao primeiro negócio jurídico, mediante o pagamento da dívida e de seus encargos ou, em caso de inadimplemento, após sua satisfação pela realização da garantia3.

As mudanças provocadas pela lei do marco das garantias já são uma realidade desde sua promulgação em outubro de 2023. No entanto, é preciso reconhecer que havia necessidade de sistematizar e dar mais clareza sobre os aspectos regulatórios e cuidados que devem ser observados na hora de formatar o contrato de garantia nessas modalidades de expansão e garantia superveniente. Essa lacuna agora foi preenchida pela resolução 5.197/24 do CMN.

Mas antes de olhar para as novidades proporcionadas pela resolução, cabe um esclarecimento inicial que foi o gancho que justificou a inovação legislativa no marco das garantias, agora regulamentada pelo CMN.

No mercado imobiliário, é natural que o imóvel seja usado apenas para fins de garantir a própria compra estruturada pelo mutuário e pela instituição financeira. No geral, o imóvel servia apenas para garantir o pagamento do financiamento feito pelo comprador que sobre ele recaia.

Esse modelo de negócio imobiliário era uma bala de prata. Eis que resolvia o problema de affordability (financiabilidade) do comprador, ao mesmo tempo que assegurava ao credor fiduciário a recomposição ágil do crédito em caso de inadimplemento mediante a execução extrajudicial da garantia4.

Ocorre que o imóvel dado em garantia ficava engessado até a quitação do financiamento. Esse cenário mudou com a lei do marco das garantias e mais recentemente ganhou a regulamentação necessária pelo CMN para dar fôlego ao crédito imobiliário por meio de um mesmo imóvel.

3. A regulamentação do CMN sobre uso de imóvel como garantia em múltiplas operações de crédito

O CMN introduziu alterações importantes nas regras das operações de crédito imobiliário por meio da resolução 5.197/24, a fim de que um mesmo imóvel sirva de garantia para mais de uma operação financeira. Como já destacado, a regulamentação feita pelo CMN foi impulsionada pela lei 14.711/23, notadamente no que diz respeito à hipoteca e à alienação fiduciária. A resolução entra em vigor a partir de 1/7/25.

O objetivo foi trazer mais efetividade e ampliar o uso dessas modalidades de garantia em operações de crédito.

A resolução trata especificamente das hipóteses de hipoteca sucessiva, da extensão da hipoteca, extensão da alienação fiduciária, bem como da propriedade fiduciária superveniente. Ela dispõe sobre as condições que essas estruturas contratuais devem observar, para que fiquem aderentes às melhores práticas regulatórias, inclusive para preservar a higidez do SFN - Sistema Financeiro Nacional, como se vê da própria exposição de motivos da resolução.

Foram disciplinadas tanto as operações com finalidade imobiliária determinada - financiamento para aquisição, produção e construção de imóveis - como também as operações de crédito que não possuem destinação específica para a aplicação dos recursos, como é o caso dos empréstimos de pessoas naturais garantidos por imóveis residenciais.

A esse respeito, a resolução do CMN estabelece as condições para que as operações de crédito sejam estruturadas. Esse é o caso da limitação do prazo da garantia, que deve ser igual ou inferior ao prazo remanescente da operação de crédito original, considerada a data da nova operação. Ela também trata do teto do valor da garantia, ou seja, a soma do valor nominal da nova operação e dos saldos devedores das operações garantidas não poderão ser superiores ao valor garantido constante do título original.

4. Principais mudanças

Para compreender as atualizações e mudanças feitas, é necessário entender os conceitos tratados pela resolução, inclusive os ajustes adotados nas terminologias da resolução 4.676/18, que foram modificados por essa resolução do CMN5.

As operações de crédito imobiliário - terminologia adotada pela resolução - contemplam não apenas as situações relativas às operações de financiamento imobiliário, mas, igualmente, tratam das operações de empréstimo contratadas por pessoas naturais que tenham imóveis como a única garantia ou como sendo a garantia de maior valor.

O financiamento imobiliário, por sua vez, compreende as operações de crédito imobiliário composto pelas operações destinadas à aquisição, à produção, à reforma e à ampliação de imóveis residenciais e não residenciais, bem como as operações destinadas à aquisição de materiais para a construção, ampliação e reforma de imóveis residenciais ou não residenciais.

A conceituação destes tipos de operações que estão submetidas à resolução é importante para compreender o espaço de atuação dessas alterações. Vamos, agora, a elas:

4.1. Compartilhamento de garantias: Com o marco legal das garantias, passou a ser permitido utilizar um único imóvel como garantia em várias operações de crédito imobiliário. A previsão para esta faculdade está na lei e, igualmente, na resolução, que traz as condições necessárias que devem ser observadas nesta estrutura negocial para produção regular de efeitos. Por exemplo, o estabelecimento de que o somatório dos valores das operações respeite o limite de crédito aplicável à operação predominante, assim como observe o prazo nela estabelecido na data da contratação.

Esse é um dos aspectos que representa o maior avanço regulatório quando considerada a lei do marco das garantias e a resolução 5.197/24 do CMN. Isso se dá porque a compreensão então predominante - a de que o imóvel serve apenas à uma única garantia - não mais se sustenta, seja porque a lei faculta a sua contratação para mais de uma operação, seja porque existe regulamentação específica dando os contornos deste negócio de garantia.

Além disso, o compartilhamento de garantias permite que o mesmo imóvel possa servir ao financiamento imobiliário e, ao mesmo tempo, aos empréstimos tomados pela pessoa física sem destinação específica, valendo-se do imóvel para garantia da operação.

Essa permissão reforça a posição dos devedores que conseguem alavancar sua posição financeira a partir do ativo que está sob sua propriedade, sem ignorar os compromissos anteriormente assumidos.

4.2. Flexibilidade negocial: A autonomia privada não é prejudicada pela contratação de uma garantia adicional sobre o imóvel. Isto é, as condições específicas de remuneração, atualização e amortização das novas operações de crédito podem ser ajustadas independentemente das condições da operação original6.

Essa flexibilidade no arranjo da contratação da nova garantia reforça a mensagem da lei do marco das garantias de fortalecer o uso consciente e sustentável do ativo imóvel não apenas para uma única finalidade, ao passo que assegura a autonomia privada na estruturação do contrato de garantia.

É certo que existem limites que devem ser observados pelos devedores e credores. Esses limites servem justamente para preservar a posição dos credores e devedores originais, com a finalidade de tornar o mercado de crédito mais eficiente, mas sem negligenciar a segurança jurídica.

Assim, os limites impostos não engessam as operações de crédito adotadas por um mesmo imóvel. Ao contrário, as orientações firmadas pela resolução 5.197/24 fomentam a oferta e melhoram as condições de crédito, reduzindo a subtilização das garantias. Esse movimento contribui para própria liquidez do mercado7.

As limitações que devem ser observadas estão descritas no art. 6º, §2º, ss. c/c art. 22-B, I e II e, ainda, art. 22-C da resolução do CMN.

4.3. Garantias securitárias opcionais: Quando da contratação de empréstimos, as instituições financeiras podem exigir seguros para cobrir os riscos como morte, invalidez permanente e danos ao imóvel, garantindo maior proteção ao mutuário e à sua família.

A resolução passou a prever que as instituições financeiras e os mutuários contratem uma garantia para servir aos seguros firmados pelas partes. Esta não é uma regra impositiva, mas uma faculdade que estará à disposição dos devedores e seguradoras.

De acordo com a exposição de motivos, o seguro garantirá a quitação do saldo devedor perante as instituições financiadoras. Embora a sua contratação seja facultativa, ela propicia segurança econômica e jurídica para os mutuários e às instituições financiadoras. Isso porque ela permitirá o aproveitamento da garantia de maneira eficaz na contratação de empréstimos quando for compartilhada com o financiamento habitacional. O mutuário terá a liberdade de escolher a apólice de seguro, não estando vinculado àquela indicada pela instituição financeira.

5. Aspectos positivos da regulamentação do CMN

Os aperfeiçoamentos no sistema de garantias pela lei do marco das garantias somada à resolução do CMN permitem a ampliação do crédito imobiliário e sua otimização no uso de imóveis como ativos financeiros, dando liquidez ao mercado sem deixar de lado a segurança jurídica.

Nesse sentido, a possibilidade de utilizar o mesmo imóvel para servir de garantia em múltiplas operações abre um leque de oportunidades para os mutuários e para o mercado financeiro, no geral, promovendo benefícios em diferentes vertentes: (a) ampliação do crédito; (b) aumento do volume das operações de crédito garantidas; (c) maior capacidade de alavancagem aos mutuários e empresas, tornando o mercado mais competitivo, além (d) de personalizar as soluções de crédito aos diferentes perfis de consumidores, injetando liquidez no mercado e, por fim, contribuir para uma (e) taxa de juros mais competitivas entre os credores na formalização das operações de crédito dado o lastro obtido a partir garantia.

De forma objetiva, os aspectos positivos podem ser capturados nos itens abaixo:

  1. Acesso ampliado ao crédito: As medidas facilitam a obtenção de novos financiamentos utilizando um mesmo ativo imobiliário. Isso é especialmente útil para pessoas físicas, uma vez que não há mais restrição apenas às operações de crédito imobiliário direcionados ao financiamento habitacional. Ou seja, pode-se valer da garantia fiduciária ou hipotecária sobre o mesmo imóvel para assegurar obrigações decorrentes de empréstimos de pessoa física, descolados do financiamento imobiliário;
  2. Otimização do uso de ativos imobiliários: Permite explorar todo o potencial financeiro de um imóvel, maximizando seu valor como garantia, que até a edição da lei 14.711/23 estava subutilizado. Afinal, essas medidas impulsionam o uso do imóvel para uma alavancagem financeira, sem esquecer da segurança jurídica e da previsibilidade essenciais no cenário de concessão de crédito;
  3. Maior flexibilidade nas condições financeiras: Cada operação de crédito pode ter características próprias, possibilitando o mutuário e o credor adaptar condições específicas para cada operação que não precisam ser idênticas ou formalizadas apenas com o mesmo credor fiduciário ou hipotecário. Essa maleabilidade destrava importantes frentes no mercado, atendendo melhor as suas necessidades. Os avanços do marco das garantias, sistematizados pela resolução do CMN, consubstanciam incentivos diretos aos mutuários para explorarem o patrimônio de maneira estratégica, usando-os como alavanca para novos investimentos ou aquisições. Sob a ótica das instituições financeiras, as alternativas são positivas, já que propiciam eficiência e sustentabilidade ao mercado pelo uso da garantia real.

6. Conclusão

Uma vez que o acesso ao crédito é facilitado, a medida tem o potencial de aquecer diversos setores da economia, especialmente o mercado imobiliário e de construção civil.

A possibilidade de utilizar um imóvel para múltiplas operações é um avanço na inclusão financeira, permitindo que pessoas com menor capacidade de adquirir novos bens possam acessar crédito através de um único ativo imóvel, que estava congelado - usualmente chamado de dead capital - até a quitação do financiamento.

Como benefício direto, democratiza-se o acesso à novas fontes de financiamento mediante a estruturação de garantias sobre um mesmo imóvel.

Por conseguinte, a regulamentação moderniza o sistema de garantias, promovendo um uso mais racional e dinâmico dos imóveis como verdadeiros ativos financeiros. Com isso, cria-se um ambiente favorável para a inovação nos produtos de crédito, o crescimento econômico e o fortalecimento da segurança nas operações de crédito através da garantia imobiliária.


1 A esse respeito, cf.: SILVA, Fábio Rocha Pinto e. A lei 14.711 e o direito comparado. In: O novo Marco das garantias: aspectos práticos e teóricos da Lei 14.711/23. [coord.] Bernardo Chezzi e Martha El Debs. São Paulo: Juspodvm, 2024. p. 32.

2 Também se observa na doutrina a expressão recarregamento ou refil da Alienação fiduciária e da hipoteca. Fábio Rocha Pinto e Silva bem ilustra a situação: "recarregamento ou extensão da garantia real - tanto na hipoteca quanto na alienação fiduciária, o projeto permite que o banco devolva ao mutuário o valor já quitado, voltando a dívida ao valor original. Essa devolução funciona como um refil de refrigerante: quanto mais a dívida original é paga, mais espaço sobra para tomar nova dívida, enchendo novamente o copo, até o limite original. Não são alterados os juros e o prazo final de pagamento" (SILVA, Fábio Rocha Pinto e. PL 4.188/21: o caminho para a reforma das garantias e a falsa polêmica. Acesso em 10/1/25).

3 Melhim Chalhub explica essa modalidade de negócio fiduciário: "a contratação e o registro da alienação fiduciária da propriedade superveniente independem de anuência do credor titular da propriedade fiduciária anteriormente registrada, pois a eficácia da nova garantia é subordinada à extinção daquela que já se encontrava registrada, com a consequente averbação do seu cancelamento" (CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária da propriedade superveniente. In: O novo Marco das garantias: aspectos práticos e teóricos da lei 14.711/23. [coord.] Bernardo Chezzi e Martha El Debs. São Paulo: Juspodvm, 2024. p. 144).

4 Segundo o Banco Central do Brasil, em 2018 mais de 90% dos financiamentos de imóveis do mercado imobiliário se deram por meio de alienação fiduciária, o que mostra a sua relevância econômica e social. Disponível aqui. Acesso em 8/1/25.

5 É o caso por exemplo da cota de financiamento por cota de crédito, assim como a substituição da expressão agente financeiro, por outra expressão mais compatível com cada tipo de operação; além dessas modificações, há a revogação dos dispositivos que tratavam do compartilhamento da alienação fiduciária, originalmente previstas na MP 992 de 2020.

6 Art. 22-B. A contratação de novas operações de crédito garantidas pela extensão da alienação fiduciária ou da hipoteca deve atender às seguintes condições:
I - prazos iguais ou inferiores ao prazo remanescente da operação de crédito original na data da contratação da nova operação; e
II - soma do valor nominal da nova operação e dos saldos devedores das operações já garantidas menor ou igual ao valor garantido constante do título da garantia original, observado também o disposto no art. 6º, § 2º.
Parágrafo único. É facultada, nas novas operações de crédito imobiliário de que trata o caput, a pactuação de condições de remuneração, atualização monetária e amortização distintas daquelas pactuadas na operação de crédito original. (NR)
Art. 22-C. Nas novas operações de crédito garantidas pela alienação fiduciária da propriedade superveniente, é facultada a pactuação de prazo e de condições de remuneração, atualização monetária e amortização distintos daqueles pactuados na operação de crédito original.

7 Essa aliás foi a justificativa adotada no PL 4.188 que deu origem a lei do marco das garantias.