No Direito Ambiental sempre vale a norma mais restritiva?
quinta-feira, 11 de maio de 2023
Atualizado às 07:45
Não. A resposta é simples e direta. E sequer deveria causar tanta repercussão e desdobramentos.
"O direito ambiental é apaixonante, mas ainda é direito". Essa afirmação, que parece óbvia, é o começo do artigo "O Direito Ambiental como Matéria de Paixões: A suspensão da Resolução CONAMA 500 pelo STF e o princípio da legalidade", na obra intitulada "Princípio da Legalidade no Direito Ambiental"1.
Algo absurdo, mesmo sendo absurdo, deve ser esclarecido, sob pena de as pessoas começarem a acreditar que aquilo é correto. No direito Ambiental brasileiro há muita criatividade na criação e/ou interpretação de princípios ou pseudo princípios. E o "princípio"(!) da prevalência da norma ambiental mais restritiva é um claro exemplo disso.
Assim como em qualquer outro ramo do direito regulado pela regra de competência legislativa trazida no art. 24, da Constituição Federal, não é a norma "mais restritiva" que vale. O que vale é a norma geral editada pela União. Se houver alguma lacuna, a norma que a suplementou. Inclusive, na maioria dos casos, se houver uma norma mais restritiva que a outra, essa será inconstitucional. Vejamos.
O art. 24 da Constituição Federal é claríssimo ao dizer que compete à União editar normas gerais sobre inúmeros assuntos, e para o que nos interessa, sobre "florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição"2. O mesmo artigo ainda explica que os Estados podem suplementar a legislação federal. E se formos ao art. 30 da nossa Carta Magna, veremos que aos municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local, sem jamais contrariar os comandos federais e estaduais. E que bom que isso é assim. Que bom que "a regra é clara".
Imaginemos o caos que seria se cada município pudesse, por exemplo, legislar sobre a conservação, proteção, regeneração e utilização do Bioma Mata Atlântica ou mesmo dos outros biomas? Lembremos que esses biomas, segundo a própria Constituição, são patrimônio nacional e não de um ou outro município ou mesmo Estado da Federação. Daí a importância de serem regulamentados por uma norma geral, como é a Lei 11.428/06 (Lei da Mata Atlântica) ou, na falta desta, por uma norma estadual (competência supletiva), como é o caso da Lei do Cerrado (lei Estadual 13.550/09) no Estado de São Paulo. Se algum município tiver disposições que contrariem essas normas, sendo mais ou menos restritivas, padecerão do vício de ilegalidade e inconstitucionalidade e poderão gerar prejuízos à sociedade.
Por isso que a regra constitucional de competência está correta e deve ser respeitada. Cabe à União editar lei geral e não cabe a nenhum outro ente criar normas que contrariem essa regra geral. Sejam essas normas mais ou menos restritivas, em todos os casos serão inconstitucionais. Não desconhecemos correntes doutrinárias e até mesmo decisões judiciais que no pretenso afã de fazer a defesa(!) do meio ambiente, apressam-se em afirmar que uma norma mais restritiva deve sempre prevalecer. Isso é desrespeitar a Constituição Federal. Simples assim.
Não se desconhece também, que muitos autores alegam que se existirem duas normas tratando do mesmo assunto (defesa do meio ambiente), a prevalência da mais restritiva se daria em função e em respeito ao disposto no art. 225 da nossa Carta Magna (capítulo do Meio Ambiente). Nada mais equivocado. Se as normas estão válidas, significa que respeitam o dispositivo constitucional que trata do Meio Ambiente. Até porque se fosse uma norma que ferisse os preceitos ambientais e fosse contrária ao disposto no art. 225, seria declarada inconstitucional. Assim, é correto afirmar que a partir do momento que essa norma respeita o "direito material ambiental", a regra de competência trazida pelo art. 24 deverá sempre ser respeitada.
Quem interpreta a Constituição Federal de forma não sistêmica, parece esquecer, propositalmente, que preservação e uso sustentável ocorrem quando há segurança jurídica e não desrespeito à Carta Magna do país. Lembremos que ao poder Judiciário é devido verificar a correta aplicação das normas. Qualquer coisa diferente disso é ativismo judicial que não constrói um país justo ou um desenvolvimento sustentável.
Assim, ainda que tratando de direito do consumidor, merece aplausos a recentíssima decisão do Órgão especial do TJSP, em que, com brilhantismo, colocou uma pá de cal na pretensa discussão sobre a prevalência de normas mais restritivas:
"Não é o fato de a lei municipal ser pior ou melhor, mais ou menos restritiva do que as normas federais ou estaduais vigentes que torna o Município competente para legislar sobre o tema. A competência legislativa exige uma análise prévia à do teor das disposições impugnada, porque, afinal, a entidade política incompetente não pode editar leis válidas, por mais que sejam bem-intencionadas, quaisquer que seja o seu teor"3.
Dessa forma, fica claro que o que torna uma lei válida e constitucional, não é ser mais ou menos restritiva, ser pior ou melhor que outra norma, mas sim o respeito à regra constitucional de competência legislativa. Doutrina ou decisões demagógicas ou apaixonadas não trarão proteção ambiental ou desenvolvimento sustentável. Trarão, por outro lado, cenários de ilegalidade e insegurança jurídica. Assim, ainda que o direito ambiental (assim como todas as questões que envolvem meio ambiente) seja apaixonante, é necessário que seja tratado como um ramo do direito e que tanto a atividade legislativa, quanto as decisões judiciais e os doutrinadores, devem respeito, acima de tudo, às normas constitucionais.
Transformar as questões ambientais em um terreno pantanoso e incerto é ruim para todo o sistema. Outros ramos do direito como o imobiliário, urbanístico, infraestrutura e o desenvolvimento sustentável como um todo precisam entender e compreender as questões ambientais. Que as normas que tratam o assunto sejam rígidas, exigentes, mas que sua interpretação seja clara e de acordo com a Constituição.
Assim, podemos concluir que nas questões ambientais não é a lei mais ou menos restritiva que vale, mas sim aquela feita com respeito à Constituição Federal.
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1 SAES, Marcos André Bruxel e COSTA, Mateus Stallivieri. Obra coletiva, organizada por Vanusa Murta Agrelli e Bruno Campos Silva, Editora Paixão.
2 Art. 225, inciso VI.
3 ADI 2188592-33.2019.8.26.0000, Rel. Des. Damião Cogan.