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Ação de Adjudicação Compulsória Inversa e a responsabilidade pelo pagamento do IPTU

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Atualizado em 11 de maio de 2022 14:01

O presente autor, em outros textos publicados nesta coluna, já trouxe aos leitores alguns conceitos da teoria chamada de Análise Econômica do Direito. No presente texto, é possível dizer que a decisão mais adiante indicada poderá, em maior ou menor grau, gerar incentivos.

Por mais que o modelo teórico de compreensão da escolha humana adotado pela AED ainda seja o tradicional, ou seja, o da escolha mais racional, segundo o qual as pessoas são agentes racionais que buscam a maximização de sua utilidade (bem-estar ou riqueza), na prática, pode-se aplicar o modelo da racionalidade limitada1. Dessa forma, a partir da capacidade humana de obter e processar informações, será possível tomar decisões efetivamente maximizadoras da sua utilidade.

A partir dessa premissa, entende-se que, com o recente julgamento da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (que será mais adiante indicado), a forma de atuação por parte dos Municípios poderá ser alterada, especialmente no que se refere às cobranças de IPTU.

Dessa forma, é suma importância tratar de temática muito relevante para a prática do Direito Imobiliário, qual seja, da Ação de Adjudicação Compulsória Inversa.

É inegável que adquirir e vender um imóvel é um processo complexo e repleto de obrigações atribuídas a ambas as partes (compradora e vendedora). A mais importante delas, certamente, é a de pagamento do peço estipulado (respeitando as condições estipuladas) por parte do comprador.

O vendedor, por sua vez, também possui obrigação fundamental: a de entregar o bem imóvel ao respectivo adquirente após a quitação do valor pactuado entre as partes.

Em outras palavras, uma vez adimplido integralmente o valor do imóvel pactuado, surge a obrigação do vendedor de outorgar a escritura definitiva de compra e venda, instrumento hábil para ser levado ao registro para fins de efetivar a transferência do domínio do imóvel ao comprador, nos termos do art. 1.245 do Código Civil.

Havendo recusa do vendedor em realizar a outorga da escritura, o comprador poderá requerer, em juízo, que seja suprida a manifestação de vontade por meio da ação de adjudicação compulsória, conforme previsto no art. 1.418 do Código Civil. A sentença da ação de adjudicação compulsória, ao transitar em julgado, valerá como título aquisitivo para fins de registro e transferência da propriedade.

Porém, em algumas situações, o comprador (através do instrumento de promessa de compra e venda, por exemplo) se abstém ou cria obstáculos para a transmissão do bem para o seu nome. Os motivos para esse comportamento são os mais variados. No entanto, pode-se dizer que os principais seriam, justamente, o não pagamento dos impostos diretamente relacionados à aquisição do imóvel, como o ITBI (a ser pago no momento da transmissão), e o IPTU.

Os autores Eduardo R. Vasconcelos de Moraes e Fernando Flamini Cordeiro já trataram desse assunto no dia 12/12/20192. O referido texto serviu como inspiração para que, neste, fosse possível dar um passo adiante.

No último dia 24/03/2022, a Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, julgou recurso de apelação interposto pelo Município de Porto Alegre em desfavor de sentença proferida nos autos de ação de adjudicação compulsória inversa que visava o seguinte: i) a procedência da ação com a expedição de mandado judicial ao Cartório de Registro de Imóveis competente para transferência da propriedade do bem objeto da referida ação; e ii) que fosse aplicado o efeito ex tunc aos efeitos da transferência de propriedade. Ou seja, que retroagissem à data da venda do imóvel realizada em 2008 e que fossem declarados inexistentes os débitos de IPTU junto ao Município de Porto Alegre desde o referido ano de 2008. Consequentemente, tais débitos de IPTU seriam redirecionados única e exclusivamente aos réus/promitentes compradores:

APELAÇÃO CÍVEL. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA INVERSA. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO DE IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO EM NOME DA PARTE PROMITENTE VENDEDORA. PEDIDO ACOLHIDO. CADASTRO JUNTO À SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA, COM A INDICAÇÃO DO POSSUIDOR E PROMITENTE COMPRADOR COMO CONTRIBUINTE PRIMÁRIO EM RELAÇÃO AO IPTU. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA HIERARQUIA DOS CONTRIBUINTES. SENTENÇA CONFIRMADA. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível, Nº 50001524520208216001, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em: 24-03-2022)

Ao analisar o recurso, a Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul identificou que o que estava sendo discutido na referida ação judicial, não se tratava de transferir ao Município a responsabilidade contratual existente entre terceiros do pagamento do IPTU (assumida em relações privadas das quais não fez parte) mas, sim, de reconhecer o equívoco do Município no direcionamento da cobrança de IPTU à parte autora/promitente vendedora.

Isso porque, como bem esclarecido no acórdão, dispunha, o Município, nos cadastros da Secretaria da Fazenda Municipal, a indicação do contribuinte primário em relação ao IPTU do imóvel objeto da lide. Dito de outro modo, os nomes dos réus/promitentes compradores já constavam nos cadastros da Secretaria da Fazenda Municipal.

Dessa forma, foram julgados procedentes os pedidos da parte autora, no que diz respeito à expedição de mandado judicial ao Cartório de Registro de Imóveis competente para transferência da propriedade do bem objeto da referida ação e no que se refere à aplicação de efeito ex tunc aos efeitos da transferência de propriedade, especialmente no que se refere à isenção da cobrança do IPTU por parte da parte demandante/promitente vendedora.

Portanto, o que se pretende no presente artigo é trazer ao leitor um passo adiante do que foi trazido pelos autores Eduardo R. Vasconcelos de Moraes e Fernando Flamini Cordeiro, em 2019. Através de tal posicionamento jurisprudencial trazido e debatido no presente artigo, pode-se vislumbrar uma possível mudança de comportamento por parte dos Municípios. Ou seja, a expectativa é de que, agora, mantenham sempre atualizados seus cadastros de contribuintes, afim de ser necessário e devido o redirecionamento das cobranças aos promitentes compradores e não, simplesmente, ao proprietário, nos termos do art. 34 do CTN.

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1 PORTO, Antônio Maristello; GAROUPA, Nuno. Curso de análise econômica do direito. São Paulo: Atlas, 2020, p. 134.

 

2 Disponível aqui.