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A Fraude à Execução na MP 1.085/21: a busca por uma maior segurança jurídica?

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Atualizado em 26 de janeiro de 2022 13:44

Acredito, de verdade, que um dos (se não for o maior) maiores objetivos do Direito na modernidade seja a busca por uma maior segurança jurídica (e por quê não falarmos de mais previsibilidade?) no que diz respeito ao poder decisório do Juiz. O autor argentino Ricardo Luis Lorenzetti, por sua vez, ao tratar da decisão judicial, propõe, justamente, a busca por certa estabilidade nas decisões que façam o sistema previsível1.

Daniel Kahneman, Oliver Sibony e Cass Sunstein, em sua obra chamada de Ruído (ou, para aqueles que prefiram, Noise), já denunciam o mesmo problema da disparidade de julgamentos em casos semelhantes. Em determinado momento, afirmam o seguinte: "A resposta não deveria depender do juiz específico a quem o caso foi designado, do clima no dia do julgamento ou da vitória de um time de futebol no dia anterior"2.

Ou seja, esse é um problema que extrapola o campo do Direito, chegando a prejudicar a economia, saúde e as relações pessoais.

Para fins de situar o leitor, no presente artigo, o enfoque será nas relações civis, deixando um pouco de lado as execuções fiscais e trabalhistas.

O CPC/2015, em diversos momentos, tentou salientar essa preocupação, como na elaboração dos artigos 489, §1º e 926. No primeiro, o legislador buscou trazer à baila o mínimo necessário para que qualquer decisão judicial seja considerada fundamentada, enquanto no segundo tratou de criar uma obrigação aos Tribunais de uniformizarem a sua jurisprudência, afim de evitar que sejam proferidas decisões divergentes sobre a mesma situação fática.

Um dos atributos do direito de propriedade é o poder de disposição assegurado ao titular do domínio. Mas o patrimônio do devedor é a garantia geral dos seus credores; e, por isso, a disponibilidade só pode ser exercida até onde não lese a segurança dos credores. A fraude, por sua vez, frustra a atuação da justiça e, por isso, é repelida imediatamente. Não há necessidade de nenhuma ação para anular ou desconstituir o ato de disposição fraudulenta. A lei o considera simplesmente ineficaz perante o exequente, e o juiz reconhece de plano a inoponibilidade do negócio, nos próprios autos3.

Por isso, o negócio jurídico, que frauda à execução, diversamente do que ocorre na fraude a credores, gera pleno efeito entre alienante e adquirente. Apenas não pode ser oposto ao exequente. Nesse sentido, o art. 792, §1º, do CPC é expresso em asseverar que "a alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente".

A recente MP 1.085/21 veio, em diversos pontos, tentar solucionar (ou, no mínimo, melhorar) alguns pontos ainda nebulosos para aqueles que atuem diretamente no Direito Imobiliário. Porém, um dos temais que mais chama atenção aos olhos do leitor é o da fraude à execução.

O art. 792 do CPC, por sua vez, já tentou trazer maior segurança jurídica. Explica-se: o referido dispositivo legal faz a diferenciação entre bens passíveis de registro (incisos I, II e III) e de bens não sujeitos à registro (§2º). Quando estamos diante de bens passíveis de registro, parece que o legislador foi claro ao tratar da necessidade da averbação na matrícula, em casos de imóveis. Quando não for passível de registro, caberá ao terceiro adquirente fazer a prova de que adotou as cautelas necessárias (a famosa due dilligence), como certidões pertinentes obtidas no domicílio do vendedor e no local onde encontra-se o bem.

Dito de outro modo, parece que o legislador, inclusive, estabeleceu os locais em que deve o adquirente terceiro fazer a sua due dilligence. Mas será que estamos perto do fim das auditorias imobiliárias? Oliver Vitale e Daniele Gazel já se posicionaram sobre essa temática, no sentido de que ainda são importantes e válidas, especialmente pela falta de segurança jurídica que, ainda, prospera4.

A Medida Provisória, por sua vez, modificou o art. 54 da Lei n. 13.097/15, da seguinte forma: i) o inciso II, que prevê averbação, na matrícula do imóvel, da constrição judicial de que a execução foi admitida pelo Juízo (e não apenas ajuizada); ii) o inciso IV fez menção ao art. 792, inciso IV do CPC; iii) §2º, em que ficou delimitada a documentação a ser exigida dos adquirentes de imóveis, quais sejam a comprovação do pagamento do ITBI (quando for o caso), as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais. Fica dispensada a necessidade de apresentação de certidões forenses.

A pergunta que fica: será que tais requisitos serão suficientes para os casos que virão? O questionamento parece válido, se levarmos em consideração a Súmula 375 do STJ e julgamentos recentes, como o REsp 1863952/SP, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi5.

A impressão que fica é que os casos envolvendo a temática da fraude à execução ainda sofrerão com um alto grau de discricionariedade, pois, a MP parece ter perdido a oportunidade de reforçar, ainda mais, os critérios trazidos pelo art. 792 do CPC que, ao que parece, apresenta os critérios mais definidos e claros.

______________

1 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 157.

2 KAHNEMAN, Daniel. Ruído: Uma falha no julgamento humano. 1 ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2021, p. 19.

3 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - vol. III. 50 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 322.

4 VITALE, Olivar; GAZEL, Daniele. Auditorias imobiliárias estão perto do fim?

5 REsp 1863952/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/10/2021, DJe 29/11/2021