A questão dos animais e a convenção condominial: Uma história sem fim?
quinta-feira, 25 de março de 2021
Atualizado às 08:33
Referente à presente questão, existem três situações que envolvem o tema sobre os animais em que as ocorrências pertinentes à convenção condominial determinam a posição proibitiva, permissiva ou silente, como será visto a seguir.
É neste sentido que são apontadas três situações que envolvem polêmicas pertinentes às normas condominiais e a posse ou guarda de animais nas dependências do condomínio: 1) convenção que proíbe a estada de animais; 2) convenção que omite as condições da posse ou guarda de animais dentro do condomínio; 3) convenção que permite a posse ou a guarda de animais nas áreas condominiais.
Em regra, a omissão e a permissão quanto à posse ou a guarda de animais dentro do ambiente condominial, não expressas em convenção, traduz-se em liberdade, observando a exceção ao se tratar de animais que perturbem ou sejam incompatíveis com o bem-estar e a boa convivência entre os condôminos.
Conforme se verifica na doutrina e na jurisprudência, é possível que haja vedação de animais em áreas comuns ou ainda dentro da unidade autônoma. Todavia, a questão vai além e deve ser debatida quanto ao nível de sossego, insalubridade e periculosidade (artigo 1.336, IV, Código Civil), bem como da livre disposição quanto à sua unidade autônoma (artigo 1.335, IV).
Sendo assim, deve-se ponderar que a vedação de animais sem fundamentação na legislação civil é abusiva por não ser a mais justa. Toma-se como exemplo o caso de um portador de deficiência visual ter necessidade em adquirir um cão Labrador, bem como um aquário com um peixe Beta, segundo consta na Apelação Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Ação cominatória - Condomínio - Criação de animal em apartamento - Ausência de prova da perturbação ao sossego, saúde e segurança dos demais condôminos - Proibição contida em norma interna - Inaplicabilidade. O condomínio pode estabelecer regras limitativas do direito de vizinhança, conforme autoriza a Lei 4.591/1964. A regra interna do Condomínio que proíbe a criação de animais deve ser interpretada teleologicamente, apenas se aplicando quando restar demonstrado que está ocorrendo perturbação ao sossego, saúde e segurança dos demais moradores. - Inexistindo provas de que tais danos estão ocorrendo, permite-se a criação dos animais, não se justificando a aplicação de qualquer penalidade por esse motivo (Tribunal de Justiça de Minas Gerais - Processo TJ/MG 2.0000.00.488929-4/000(1) - Rel. Des. Heloísa Combat - j. 09.03.2006).
Neste sentido, foi apresentado por esse colunista e aprovado o Enunciado 566 do Conselho da Justiça Federal, da VI Jornada de Direito Civil, que dispõe: "A cláusula convencional que restringe a permanência de animais em unidades autônomas residenciais deve ser valorada à luz dos parâmetros legais de sossego, insalubridade e periculosidade." A referência legislativa consta do Código Civil, artigo 1.335, I, e lei 4.591/64, artigo 19.
Cabe, neste momento, fazer uma observação para os casos de animais domésticos. Apesar de alguns condomínios determinarem as regras para os animais domésticos, a lei não proíbe que os condôminos os tenham.
Outra questão está relacionada ao evento causado por animal em condomínio, como segue:
INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE PELO FATO DA COISA. Ferimento no abdômen e região genital de funcionário de condomínio causados por ataque de cão da raça pitbulL Responsabilidade objetiva dos donos do animal Proprietários que descumpriram o dever de guarda e vigilância de seu animal feroz. Evento danoso causado por culpa exclusiva dos donos do animal Sentença que condenou no pagamento das despesas médicas e ressarcimento dos custos causados ao condomínio pela falta do funcionário. Recurso desprovido. (TJSP; APL 994.05.110189-8; Ac. 4374942; Santos; Quarta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Teixeira Leite; Julg. 11/03/2010; DJESP 12/04/2010 ).
Então, o Superior Tribunal de Justiça já determinou que, ainda que seja estabelecida a proibição em convenção condominial, os animais domésticos devem ser admitidos, desde que haja respeito à determinação legal no que concerne ao sossego, à segurança e à saúde dos demais condôminos, condição que, em ocorrendo violação, deverá ser rechaçada e passível de multa.
A justificativa pelo enunciado supramencionado trata do assunto da seguinte forma:
A proibição prevista na convenção de condomínio à presença de animais em unidades autônomas residenciais deve ser analisada de acordo com os níveis de sossego, saúde e segurança do condomínio, bem como com as especificidades do caso concreto, como por exemplo, a utilização terapêutica de animais de maior porte. Evita-se, assim, a vedação abusiva na convenção.
Com este norte, no que diz respeito à presença de animais domésticos em condomínios, entende-se que, anteriormente, dependia da posição determinada pela convenção condominial, ou seja, da proibição, da permissão ou da omissão.
Atualmente, porém, a jurisprudência entende que os animais domésticos devem ser permitidos, ainda que a convenção condominial proíba, observando que esta é uma cláusula considerada ilegal e inconstitucional, haja vista afrontar o princípio da propriedade protegida pelo artigo 5º, XXV, da Constituição Federal e artigo 1.228 do Código Civil.Como bem acrescenta a doutrina:
(...) Se a convenção veda apenas a permanência de animais causadores de incômodos aos demais moradores, a norma condominial não apresenta, de plano, nenhuma ilegalidade. Se a convenção proíbe a criação e a guarda de animais de quaisquer espécies, a restrição pode se revelar desarrazoada, haja vista determinados animais não apresentarem risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio. (...)
Os acórdãos e as lições expostas tornam a convenção letra morta, em prol de uma interpretação mais condizente com os valores coletivos e sociais (funcionalização social). (...)
Na doutrina consolidada tem-se entendido de forma semelhante. Tanto isso é verdade que, na VI Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado n. 566, de autoria do Professor Cesar Calo Peghini (...). A justificativa do enunciado doutrinário menciona as "especificidades do caso concreto, como por exemplo, a utilização terapêutica de animais de maior porte. Evita-se, assim, a vedação abusiva na convenção"1.
Corroborando esta mesma posição doutrinária, assevera-se que:
Outra discussão relevante nesse campo diz respeito à possibilidade de regimento interno vedar completamente a criação ou guarda de animais domésticos nas unidades autônomas. O STJ já decidiu, acertadamente, que tais restrições se estabelecidas de modo genérico, afiguram-se desarrazoadas, devendo-se sempre considerar o risco à segurança e à tranquilidade dos demais moradores como critério legitimador de eventuais proibições regimentais. Essa interpretação se harmoniza com a já apontada tendência contemporânea de se atribuir um regime diferenciado aos animais, especialmente aqueles objetos de afeição humana, contribuindo para a realização dos interesses existenciais da própria pessoa natural.2
Em suma, a questão dos animais no ambiente condominial é uma história sem fim? Nos parece que não, pois nota-se que a jurisprudência e a doutrina seguem a mesma perspectiva no que diz respeito à permissão da permanência de animal nas dependências condominiais, desde que respeitados os direitos dos coproprietários em ter preservado o sossego, a saúde e a segurança. Sendo assim, ainda que na prática a questão ainda verifique muitos debates, a questão nos parece já delineada tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina.
Referências
SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil: contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
*Cesar Peghini é advogado especializado em atividade Condominial. Doutor em Direito Civil pela PUC/SP. Mestre em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito FADISP. Especialista em Direito do Consumidor na experiência do Tribunal de Justiça da União Européia e na Jurisprudência Espanhola, pela Universidade de Castilla-La Mancha, Toledo/ES. Especialista em Direito Civil pela Instituição Toledo de Ensino ITE. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito - EPD. Graduado em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU. Professor Titular permanente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu (mestrado) da Faculdade Escola Paulista de Direito - EPD. Professor dos Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola Paulista de Direito - EPD; Professor convidado no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Professor visitante em cursos de pós-graduação lato sensu.
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1 TARTUCE, 2020. Op. cit., p. 1526 e 1527.
2 SCHREIBER, 2020. Op. cit., p. 1109.