COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalhas de Vulnerabilidade >
  4. As redes sociais e o overshareting como forma de enfrentamento ao inadimplemento alimentar

As redes sociais e o overshareting como forma de enfrentamento ao inadimplemento alimentar

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Atualizado às 07:44

Ultimamente temos visto com frequência a exibição dos filhos e/ou de situações particulares da vida privada das famílias nas redes sociais, seja sob o pretexto de denúncia, pedido de ajuda ou mesmo em formato de enquete, "jogando" para os amigos virtuais ou seguidores a oportunidade de opinarem sobre que caminho um dos integrantes daquele núcleo familiar deve tomar.

Ocorre que a permissão de acesso à vida privada ou a opção de exposição não atinge apenas aquele que a divulga, mas todo o núcleo, incluindo crianças e adolescentes, afetando a privacidade e intimidade de todos os envolvidos. Podendo causar consequências danosas à vida daqueles integrantes expostos na rede.

O caso mais recente e que vem causando alvoroço nas mídias sociais envolve a atriz Luana Piovani e o surfista Pedro Scooby, pais de 3 (três) filhos: Dom e os gêmeos Bem e Liz.

Importante esclarecer que o presente artigo tem por objetivo instigar a reflexão sobre a exposição excessiva, sob a perspectiva invisibilizada do melhor interesse da criança em casos como esse. Tendo como pano de fundo as normas e princípios regentes do Direito das Famílias e das Sucessões.

Frisa-se que, independente da relação que se estabelece entre os pais os deveres para com os filhos se mantém. Esta Autoridade Parental entendida como um poder-dever, precisa ser exercida por ambos os genitores, não importando o modelo de guarda estabelecido ou da regulamentação da convivência, quiçá o quanto alimentar pago, conforme preceituado pela Constituição Federal de 1988, Código Civil de 2002 e Estatuto da Criança e Adolescente de 1990.

Nesse sentido, Joyceane Bezerra de Menezes e Maria Celina Bodin de Moraes (2015, p. 528) preceituam que

[...] cabe à autoridade parental acompanhar o menor no paulatino processo de construção da personalidade, reconhecendo-lhes as possibilidades de protagonizar sua própria história. Como indivíduos em formação, sua personalidade ainda está em desenvolvimento e seu direito geral de liberdade não é pleno. Gozam de uma liberdade assistida, eventualmente vigiada, que vai se expandindo na proporção do seu amadurecimento.1

Ocorre que divergências quanto a criação e educação dos filhos muitas vezes escancaradas nas redes sociais ganham muito mais visibilidade e alcance quando os genitores são figuras conhecidas, que reúnem milhões de seguidores, ampliando a pulverização das informações potencializada pelos sites e perfis de bisbilhotices, os números de clicks aumentam de forma significativa e a exposição dos filhos também.

Os acontecimentos mais recentes entre aquele par-parental voltam-se inicialmente às questões de comunicação e tomada de decisão acerca do uso de aparelho celular e acesso à internet pelos filhos, bem como o monitoramento deste uso e consumo. Sendo este conflito familiar compartilhado em rede, onde cada um dos genitores detém um ponto de vista e apresentam uma nítida dificuldade de comunicação envolvendo a vida dos filhos.

Prosseguindo com o conflito ainda não superado, Luana Piovani por intermédio de um reels postado no Instagram (02/01/2023) falou sobre vários aspectos da paternidade exercida pelo pai Pedro Scooby, desde pagamento parcial dos alimentos, indicação de irresponsabilidade até possível tentativa de alteração de guarda e residência dos filhos.

Fazendo um contraponto Pedro Sccoby não se quedou silente, optou por se manifestar em sua rede social (03/01/2023) trazendo prints da conversa que teve com a mãe dos seus três primeiros filhos por whatsapp, acerca do pagamento dos alimentos e de novo acordo envolvendo a residência das crianças.

Vale ressaltar em relação a mudança de residência fixa mencionada pelo genitor em seu instagram, onde escreve: "Eu não pedi a guarda das crianças, eu pedi para que eles passassem o ano de 2023 no Brasil, com a possibilidade da mãe estar com eles sempre que quiser [...]". Nota-se que a convivência familiar é elemento cardeal no desenvolvimento dos filhos, principalmente na infância e precisa ser devidamente regulamentada [3]. Não se falando mais no Brasil de convivência/ visitas livres, os dias, os horários e a forma que esta interação se dá tanto de forma física como virtual precisa ser delineada a fim de se evitar o distanciamento parental.

Referidas condutas e comportamentos de ambos veem a refletir a realidade de muitos pais e mães: dificuldade de comunicação, pagamento de pensão alimentícia, sentimento de posse em relação aos filhos e ainda, ausência de consenso no que tange a criação, educação e monitoramento destes, o que faz com que os seguidores se identifiquem com aqueles famosos e passem a achar de forma absolutamente equivocada, que trata-se de um exemplo a ser seguido e replicado, ou ainda, que se faz necessário tomar partido e a partir daí levantar bandeiras. Ocorre que lamentavelmente a bandeira com as posturas adotadas não coadunam com a proteção integral da criança e não visam o seu melhor interesse.

Os aspectos jurídicos envolvendo o compartilhamento da vida familiar

Para se ter noção do alcance é necessário pontuar que o vídeo postado por Luana Piovani já teve mais de 5,7 milhões de visualizações, 659 mil curtidas e 2.239 comentários. Naquela oportunidade através do reels declarou: "[...] porém se ele entrar aqui ele acaba conseguindo tirar as crianças por esse papo que estamos tendo aqui na internet, por eu expor os meus filhos. [...]".

Da própria declaração da mãe verifica-se que ela reconhece, tanto que verbaliza que está expondo a vida dos filhos e que pode vir a ser prejudicada por esta conduta.

Fazendo uso da mais nova expressão utilizada nas redes, não "querendo passar pano" para ninguém, cumpre ponderar que o genitor também não poupou os filhos e incorreu no mesmo comportamento, ou seja, ambos submeteram os filhos à potencialidade das redes de eternizar todas aquelas informações. Informações estas que estão diretamente ligadas à vida e intimidade dos filhos menores de idade.

A doutrina nomeia estes atos de compartilhamento excessivo da vida dos filhos, seja por fotos, vídeos, informações, dados etc, como oversharenting. Fenômeno este que cresce a cada dia na sociedade da informação, onde compartilhar é sinônimo de viver e ser.

Pode-se entender que o oversharenting como uma conduta excessiva em rede, prejudicial aos filhos que tem como autor os próprios pais. Atentando-se que o que deve ser observado não é apenas a quantidade ou alcance, mas sim o conteúdo do que é compartilhado em rede e suas potencialidades danosas de ordem material ou moral às crianças e adolescentes, que precisam ter seus direitos respeitados, quais sejam, o direito à imagem, à privacidade e ao respeito2.

Afinal, os pais não possuem um poder irrestrito e ilimitado em relação aos filhos, a autoridade parental é limitada pelo princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Logo, Luana Piovani e Pedro Sccoby deveriam ter maior cautela e respeito à vida privada dos filhos ao compartilhar informações acerca das divergências e conflitos familiares que os assolam.

É preciso compreender que nem tudo precisa e deve ser compartilhado nas redes, ainda mais quando se relaciona a vida dos filhos menores de idade. É difícil compreender as novas nuances da autoridade parental nesta era digital, por isso a cautela e prudência devem ser as palavras de ordem para ações dos genitores na internet. Afinal, não há como prever o alcance e o impacto que estes compartilhamentos podem vir a causar no desenvolvimento da personalidade dos filhos.

O dever alimentar e as medidas judiciais cabíveis para regulamentação, execução e revisão dos valores

Por trás de toda a exposição praticada por ambos os genitores há a questão que se apresenta como pano de fundo ou talvez a verdadeira mola propulsora para o uso do tribunal da internet; trata-se da ausência de consenso quanto à verba alimentar.

Não raro acordos verbais são realizados e seu descumprimento gera revolta e impotência frente a impossibilidade de execução do devedor. Isto porque só é possível a execução após consubstanciado um título, no caso, a sentença.

Da mesma forma, desentendimentos afloram a partir da ação de revisão de alimentos, seja porque a oferta é considerada diminuta ou insuficiente para a manutenção dos mesmos padrões de vida, seja porque a redução da possibilidade alegada não é compatível com a realidade ou com a vida divulgada em redes sociais; não à toa a teoria da aparência vem sendo cada vez mais utilizada e aceita pelos tribunais em casos que versam sobre alimentos.

Fato é que ambos os genitores deverão contribuir na proporção de seus recursos para a manutenção dos filhos, portanto, o dever alimentar é de ambos, na medida das suas possibilidades.

Ocorre que a não regulamentação da verba alimentar seja através de acordos com a devida homologação judicial ou da promoção de Ação de Alimentos costumam causar ruídos, falhas de comunicação e tensionar ainda mais as relações familiares já prejudicadas.

E ainda, importante elucidar que quando judicializadas, as demandas que versam sobre alimentos filiação e guarda tramitam em segredo de justiça, na forma do art. 189, II do Código de Processo Civil, tendo o legislador se preocupado em conferir privacidade há questões familiares tão íntimas e sensíveis, por vezes verdadeiras mazelas de um determinado núcleo familiar.

De forma conclusiva entende-se que, agindo aquele que expõe a vida e os processos na internet em total contramão com a intenção legislativa, na verdade extrapola seu direito de liberdade de expressão, na medida em que invade a esfera da privacidade e intimidade dos filhos atuando em verdadeiro abuso da autoridade parental. Em nome dos filhos compartilham como se fossem alcançar um bem maior mas o que causam é verdadeiro prejuízo, cometem ato ilícito quando da exposição e constrangimento que provocam.

Seja qual for a motivação que levou à exposição na internet, esta não parece a opção mais adequada e nem a ser seguida visto que não confere proteção aos vulneráveis.O Direito detém ferramentas eficazes para o tratamento desses conflitos, seja em relação a guarda, convivência, residência e alimentos. Expor a milhões de pessoas a vida de crianças e adolescentes nunca deve ser o melhor caminho a se tomar. A proteção das crianças e adolescentes deve se sobrepor aos interesses particulares e muitas vezes vingativos de seus genitores.