A condenação em honorários sucumbenciais na rejeição do IDPJ: Uma análise da decisão do STJ no REsp 2.072.206/SP
terça-feira, 11 de março de 2025
Atualizado às 08:48
1. Introdução:
O presente artigo possui como objetivo analisar a recente decisão do STJ no Recurso Especial 2.072.206/SP, que estabeleceu a obrigatoriedade do pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais nos casos em que há rejeição do pedido de IDPJ - Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica.
A mudança jurisprudencial, que foi consolidada pela Terceira turma do STJ, representa um afastamento do entendimento anterior de que não cabiam honorários advocatícios sucumbenciais em incidentes processuais, salvo em exceções específicas. O Tribunal, ao reformar esse entendimento, defendeu que a parte que formula o pedido de desconsideração da personalidade jurídica deve arcar com os honorários sucumbenciais quando seu pedido for rejeitado, sob o argumento de que a resistência e julgamento de mérito geram a necessidade de pagamento dos honorários, conforme o princípio da sucumbência.
Este novo posicionamento exige uma análise crítica dos fundamentos utilizados pela Corte, bem como das implicações dessa mudança para a segurança jurídica e a isonomia processual, tópicos que serão analisados no decorrer deste artigo.
2. O que estava em discussão?
A questão central debatida pelo STJ consistia em definir-se, ao negar um pedido de desconsideração da personalidade jurídica, o juiz deve condenar a parte requerente ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais ao advogado da parte chamada ao processo.
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica permite que sócios ou administradores sejam responsabilizados diretamente pelas obrigações da empresa quando há abuso da personalidade jurídica. No entanto, quando o pedido de desconsideração é rejeitado, mantém-se a distinção patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios.
3. A decisão do STJ
Por maioria, a Terceira turma do STJ decidiu que, quando um pedido de desconsideração da personalidade jurídica é rejeitado, a parte que formulou o pedido deve pagar honorários sucumbenciais ao advogado da parte que se defendeu.
Neste sentido, os principais argumentos utilizados pela Corte foram: (i) o incidente de desconsideração da personalidade jurídica possui natureza de demanda incidental, com partes definidas, causa de pedir e pedido específico; (ii) se há resistência e julgamento de mérito deve haver condenação em honorários, conforme o princípio da sucumbência; e (iii) o advogado da parte que se defendeu teve trabalho efetivo no processo, justificando sua remuneração nos termos do art. 85 do CPC.
Desta forma, como trataremos no tópico seguinte, este entendimento contraria precedentes anteriores da própria terceira turma1, que já havia decidido em outras oportunidades que não cabem honorários em IDPJ, independentemente do resultado, sob os argumentos de que: (i) o IDPJ não é um processo autônomo, mas um procedimento dentro de outro processo, sem uma sentença que extingue a ação, mas apenas uma decisão interlocutória, (ii) a desconsideração não afeta o mérito da causa principal, mas apenas decide se os bens dos sócios podem ser atingidos.
4. O precedente do REsp 1.925.959/SP
A decisão se baseou, em parte, no julgamento do REsp 1.925.959/SP, de 15/9/23, de relatoria do saudoso ministro Paulo de Tarso Sanseverino no qual o STJ modificou seu entendimento anterior e passou a admitir a condenação em honorários apenas quando o pedido de desconsideração for rejeitado.
Em resumo, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino justificou seu voto nas seguintes premissas: (i) natureza do IDP: O ministro reconheceu que, embora o IDPJ tenha natureza de incidente, ele possui características de uma demanda autônoma, com partes, causa de pedir e pedidos próprios: (ii) responsabilidade pela litigância: ao indeferir o pedido de desconsideração, a parte que deu causa ao incidente deve arcar com os honorários sucumbenciais, pois foi ela quem provocou a inclusão indevida de outra parte no polo passivo da lide; e (iii) princípio da causalidade: o ministro aplicou o princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa ao incidente deve ser responsabilizada pelos honorários advocatícios, independentemente de o incidente ser autônomo ou incidental.
No entanto, ponto extremamente importante, e que deverá ser objeto de análise do STJ, é o fato de a decisão não ter abordado a situação inversa - ou seja, quando a desconsideração é aceita e o sócio passa a responder pela dívida.
5. Críticas e inconsistências da decisão
Realizada a exposição do tema com a sua devida contextualização, o presente tópico possui como objetivo realizar uma abordagem crítica sobre esta mudança de entendimento do STJ e seus principais efeitos no mercado, no que tange a incidência de honorários sucumbenciais no indeferimento do IDPJ.
5.1 Impacto no custo de crédito no Brasil
É imprescindível analisarmos esta mudança de paradigma sob o viés econômico, dado que o aumento dos custos com honorários de sucumbência nos processos de IDPJ pode afetar significativamente o custo de crédito no Brasil. Quando a recuperação de valores torna-se mais cara e incerta devido a custos judiciais elevados, credores privados tendem a precificar esse risco adicional nas taxas de juros.
Portanto, este novo entendimento pode resultar em um aumento das taxas de juros para consumidores e empresas, já que o prêmio de risco embutido no custo do crédito reflete as dificuldades e incertezas na recuperação de dívidas. Logo, o aumento das taxas de juros pode afetar diretamente o acesso a financiamentos mais baratos, prejudicando o dinamismo econômico e reduzindo o potencial de investimento de empresas e o consumo das famílias.
5.2 Redução da margem e encarecimento do processo de recuperação de créditos
Ao utilizar o IDPJ para tentar recuperar um crédito, os credores esperam reaver o valor devido acrescido de correções e juros. No entanto, se forem condenados ao pagamento de honorários de sucumbência, uma parte significativa do valor recuperado será destinada ao pagamento desses honorários, reduzindo a margem de recuperação. Logo, se uma empresa tenta recuperar R$ 10 milhões através do IDPJ, mas é condenada a pagar 20% desse valor em honorários, ela terá que desembolsar R$ 2 milhões, reduzindo significativamente o valor líquido recuperado.
Assim sendo, este novo entendimento além de reduzir a margem de recuperação, encarece significativamente o processo de recuperação de crédito, já que os credores (inclusive a Fazenda Pública) precisarão provisionar valores consideráveis para cobrir potenciais condenações, podendo impactar na redução de processos de recuperação de créditos no país.
5.3 Aumento nas ações da Fazenda Pública e impacto fiscal
No âmbito tributário, as ações de IDPJ envolvendo a Fazenda Pública podem resultar em custos significativos com honorários, isto porque, esta utiliza com frequência o instituto de desconsideração de pessoa jurídica para a responsabilização de sócios, administradores ou outras empresas do grupo econômico por dívidas tributárias de pessoas jurídicas que, por si só, não possuem bens suficientes para saldar seus débitos com o fisco.
Desta forma, quando a Fazenda, em processos de IDPJ, perde a ação, ela poderá ser condenada ao pagamento de honorários sucumbenciais. Vale lembrar que, os honorários são calculados com base em um percentual (geralmente até 20%) sobre o valor da causa. Logo, em processos tributários de alto valor, este custo pode ser expressivo, representando, portanto, um gasto adicional que precisa ser coberto pelo orçamento público, impactando diretamente as contas fiscais.
Nesta linha, outro possível efeito da decisão em análise é a possível redução na arrecadação tributária, posto que a possibilidade de condenação em honorários sucumbenciais pode desestimular a Fazenda a ingressar com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, principalmente em casos de menor valor ou com maior grau de incerteza jurídica, resultando em uma menor recuperação de créditos tributários.
5.4 Não observância da isonomia processual
Ponto que merece atenção é a não observância da isonomia processual, que exige que as partes envolvidas em um processo tenham os mesmos direitos, inclusive no que se refere ao pagamento de honorários sucumbenciais. Neste contexto, é importante que, quando o pedido de desconsideração da personalidade jurídica for rejeitado, a parte que se defendeu tenha direito ao pagamento de honorários, mas, ao mesmo tempo, o advogado do credor também deve ser contemplado com o direito a honorários sucumbenciais, conforme o trabalho efetivo desenvolvido ao longo do processo.
6. A importância da modulação de efeitos da nova jurisprudência
Em face da recente mudança jurisprudencial, é recomendável que o STJ adote a modulação dos efeitos da nova interpretação, de modo a evitar um cenário de insegurança jurídica e garantindo uma maior previsibilidade. Para tanto, seria necessário fixar um termo a quo (data de início) para a aplicação do novo entendimento.
Nesta toada, embora o direito à jurisprudência não seja absoluto, a segurança jurídica exige que decisões processuais não possam retroagir de maneira inesperada. Consequentemente, seria adequado que o STJ modulasse os efeitos da decisão via Recurso Especial Repetitivo ou Incidente de Assunção de Competência, a fim de delimitar a aplicabilidade dessa nova linha jurisprudencial.
Um exemplo claro de modulação de efeitos no STJ pode ser observado no REsp, 1.641.307/SP, em que a Corte estabeleceu um marco temporal para a aplicação de sua decisão sobre a alteração do critério de contagem do prazo para apuração de honorários advocatícios em ações de revisão de cláusulas contratuais, tendo o Tribunal fixado que a nova interpretação valeria apenas para os processos ajuizados após a dará da decisão, evitando que a mudança causasse um impacto retroativo em ações em andamento.
7. Definição de critérios para a base de cálculo dos honorários
Outro ponto que merece atenção dado a mudança do entendimento jurisprudencial é a necessidade de definição de uma base de cálculo clara para os honorários sucumbenciais, especialmente em situações como o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, onde o valor da causa pode ser impreciso ou não refletir adequadamente o valor real em disputa. O STJ, em decisões anteriores, tem adotado diferentes critérios para a base de cálculo dos honorários.2
8. Considerações finais
A recente decisão do STJ no REsp 2.072.206/SP representa uma mudança importante na jurisprudência sobre a incidência de honorários advocatícios sucumbenciais no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, trazendo não só impactos jurídicos mas também econômicos.
No que tange aos impactos jurídicos, entendemos que a aplicação desse novo entendimento deve ser modulada, a fim de evitar efeitos retroativos que possam gerar insegurança jurídica. Além disso, é fundamental que o STJ defina critérios claros para a base de cálculo dos honorários sucumbenciais e garanta a isonomia processual, conferindo o mesmo direito ao pagamento de honorários ao advogado do credor. Somente com tais medidas será possível assegurar uma interpretação justa, equilibrada e coerente com os princípios constitucionais da segurança jurídica e da isonomia.
Por sua vez, a mudança de paradigma sobre a aplicação de honorários de sucumbência não apenas encarecem os processos envolvendo incidentes de desconsideração da personalidade jurídica, mas também impactam o custo de crédito e a saúde fiscal da Fazenda.
1 Há julgados desta Corte, inclusive já na vigência do CPC/15, afirmando a impossibilidade de condenação em honorários advocatícios nos incidentes processuais, ressalvadas situações excepcionais. Nesse sentido: (i) AgInt nos EDcl no REsp 2.017.344/SP, rel. ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta turma, julgado em 20/3/23, DJe de 23/3/23; (ii) AgInt nos EDcl no AREsp 2.193.642/SP, rel. ministra Nancy Andrighi, Terceira turma, julgado em 20/3/23, DJe de 22/3/23; (iii) AgInt no REsp 2.013.164/PR, rel. ministro Moura Ribeiro, Terceira turma, julgado em 9/11/22, DJe de 11/11/22, e (iv) AgInt no REsp 1.933.606/SP, rel. ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira turma, julgado em 21/2/22, DJe de 24/2/22.
2 REsp 1.267.942/SP (2015): A base de cálculo dos honorários sucumbenciais foi fixada com base no "valor da causa", reconhecendo que esse valor, embora não reflete diretamente o valor de mercado da demanda, é o critério inicial mais adequado.
REsp 1.112.031/SP (2011): A Corte definiu que, em litígios envolvendo contratos de adesão, os honorários seriam calculados com base no "valor do crédito discutido" e não no "valor do contrato", buscando refletir o montante efetivamente em disputa.