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Harmonizando a liberdade de informação e o direito à privacidade: abordagens para esse conflito

quinta-feira, 6 de julho de 2023

Atualizado às 08:52

INTRODUÇÃO

Por serem os direitos fundamentais do homem relativos, e não absolutos como, a princípio, se poderia pensar, o seu exercício, consequentemente, não é ilimitado e, nesse norte, muitas são as situações nas quais um pretenso exercer de um direito legítimo e assegurado pela Constituição Federal acaba por se mostrar abusivo e demasiado ofensivo a um direito de terceiro.

O notável aprimoramento dos veículos de comunicação de massa, fruto da tecnologia e da sociedade globalizada, se, por um lado, proporciona um maior volume de informações a serem noticiadas, e de forma muito mais veloz e dinâmica, não raro viabiliza a utilização desse aparato tecnológico para operar uma completa e total devassidão da vida íntima e da privacidade das pessoas.

O quadro apresentado se torna mais facilmente perceptível quando se considera, por exemplo, a facilidade com que se pode atualmente "produzir" informação, dispondo-se tão somente de uma câmera na mão (presente hoje em qualquer celular) e da internet para sua posterior divulgação. Nesse cenário, como mesmo sugere o diretor Alfred Hitchcock em sua película "Janela Indiscreta", qualquer fato pode se transformar em informação, ainda que o conteúdo desta esteja muito distante do que se pode chamar de informação.

Convém esclarecer que não é pretensão deste texto estimular qualquer revolta contra a tecnologia ou o progresso científico existente, especificamente no tocante aos veículos de notícias. O notável aperfeiçoamento tecnológico alcançado não somente pelos meios de informação, mas também pela ciência como um todo, em hipótese alguma, pode ser taxado de forma maniqueísta, como benéfico ou maléfico à sociedade, uma vez que isso depende também da maneira como são utilizados pelas pessoas, ou seja, do emprego que lhes é dado.

Se o Direito visa tutelar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de toda e qualquer pessoa igualmente se porta quanto à liberdade de comunicação, garantindo a sua livre expressão, no que se mostrou cuidadoso o constituinte, naturalmente tendo em consideração o passado recente e autoritário do Brasil, fortemente marcado pela opressão e pela censura de natureza política, ideológica, artística e intelectual.

Sendo ambas as normas em questão de caráter principiológico, o que permite avaliações flexíveis em seus espectros de incidência, estabelece-se uma incerteza acerca de qual seria o melhor método para solucionar esse conflito entre normas constitucionais, no caso, a liberdade de informar e de se informado, que constituem interesse público e coletivo, e o direito individual à intimidade. Em resumo, a questão impõe saber qual dos direitos em jogo deverá prevalecer sobre o outro, qual obterá êxito no caso concreto.

O tema da liberdade de informação e direitos da personalidade é bastante polêmico, porque é muito frequente que haja colisão entre eles, por exemplo: quando um jornal publica uma reportagem que faz com que alguém se sinta afetado em sua honra ou quando uma emissora de televisão faz algum programa que invade a privacidade de alguém ou, ainda, atualmente, com as questões envolvendo as redes sociais, onde uma pessoa se manifesta e acaba compartilhando fotos ou informações, ou até mesmo falando mal de alguém, o que gera, por consequência, indignações de quem as recebe.

Todas essas situações têm gerado processos judiciais numerosos no Brasil e que acabam, desse modo, sendo submetidos ao Poder Judiciário, que no fundo, não sabe muito bem como lidar com esses problemas diante da falta de uma orientação específica mais expressa do ordenamento, isso porque, não só os direitos da personalidade são tratados como expressão da dignidade humana e, portanto, tutelados pela Constituição Federal, mas também a liberdade de informação é protegida no artigo 5º da Constituição Federal, de modo que haveria uma colisão de direitos protegidos constitucionalmente.

Por outro lado, partindo de um enfoque sociológico-jurídico abre-se caminho para solução desse conflito. Considerando-se que a imposição de limites à liberdade de informação jornalística converge com a definição de que os direitos fundamentais não são absolutos, é necessário, por conseguinte, que o exercício desses direitos se processe de forma harmoniosa e equilibrada, não se excluindo, portanto, a possibilidade de supressão de determinada norma constitucional.

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

De início é relevante acrescentar breve explicação sobre as características dos direitos fundamentais. Não é decisivo, em face da Constituição, afirmar que os direitos são declaratórios e as garantias assecuratórias, porque as garantias em certa medida são declaradas e, às vezes, se declaram os direitos usando forma assecuratória (MIRANDA, 1990, p. 88-89).

Por outro lado, questão conflituosa, que muita controvérsia gerou, é a que se refere à relação conceitual que se nota entre a intimidade e a privacidade. Questiona-se continuamente se os institutos realmente possuem o mesmo significado, se constituem, afinal, o mesmo instituto, sendo, no entanto, denominados por meio de expressões distintas.

O direito à intimidade é constante e equivocadamente entendido como sinônimo do direito à privacidade. Conforme os dizeres do professor José Afonso da Silva (2006, p. 206), a privacidade é uma terminologia natural do direito anglo-americano (the right to privacy), enquanto intimidade, por sua vez, é o termo de predileção pelos povos latinos.

Ao afirmar e reiterar a imprecisão da terminologia, o citado autor prefere utilizar-se da expressão direito à privacidade, como em um sentido amplo e genérico, de modo a abranger todas essas manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade, relacionadas pela Constituição Federal. Para ele, privacidade consiste no "conjunto de informações acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições sem a isso poder ser legalmente sujeito" (SILVA, 2006, p. 206).

De acordo com Luiz Alberto Davi Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2004, p. 56), "a vida social do indivíduo divide-se em duas esferas distintas: a pública e a privada". Entende- se por privacidade os relacionamentos sociais resguardados, que o indivíduo mantém oculto ao público em geral, dentre eles, por exemplo, a vida em família. Em outras palavras, consideram- se as relações confidenciais como conteúdo dessa esfera privada.

Entretanto, os referidos autores pontuam que pelo fato da privacidade envolver relações interpessoais que se desenvolvem entre pais e filhos, irmãos, namorados, criam-se possibilidades de violação de direitos entre estas pessoas que convivem em conjunto. Nesse cenário, ganha importância e consideração o conceito de intimidade. Torna-se compreensível, portanto, a diferenciação entre intimidade e privacidade operada pela Constituição Federal (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2004, p. 56).

Em síntese, a conclusão que se pode extrair da interpretação do dispositivo constitucional é que a vida social dos indivíduos, na verdade, não se limita a somente duas esferas, pública e privada, haja vista que, nesta última, opera-se uma subdivisão da qual resultam a intimidade e a privacidade propriamente dita. O que se quer dizer é que a constatação de um campo próprio à intimidade importa a subdivisão da esfera atinente à privacidade.

Por sua vez, René Ariel Dotti (1980, p. 69) entende a intimidade como "a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais", definição interessante e não muito distante do que propugna Adriano de Cupis (1969, p. 115), que declara ser a intimidade (riservatezza) "o modo de ser da pessoa que consiste na exclusão do conhecimento de outrem de quanto se refira à pessoa mesma".

Incontestável, no entanto, que essa necessidade de interpretação mais restrita não evita a proteção constitucional contra agressões desarrazoadas, desproporcionais e sem qualquer relação com a atividade profissional.

LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA 

Quando se defende a superação daquele antigo conceito de liberdade de imprensa, o que se quer dizer é que a liberdade de informação jornalística, consagrada na Contituição Federal, não mais se limita tão somente à publicação de veículo impresso. A informação jornalística engloba, ressalta-se, qualquer forma de propagação de notícias, comentários e opiniões por qualquer veículo de divulgação social.

Essa liberdade configura não somente um direito fundamental do dono de empresa ou do jornalista de realizar essa atividade, mas também, e acima de tudo, um dever de informar ao público os acontecimentos e ideias de forma objetiva, condizente com a verdade e imparcial, sem modificar a verdade dos fatos ou destituí-los de seu sentido original.

Como argumenta Celso Ribeiro Bastos (2000, p. 45), cabe à imprensa "a função de investigar, noticiar, denunciar e fiscalizar, desempenhando um papel de suma importância para o regime democrático; é da carta de princípios da Inter American Press Association a seguinte frase: "sem liberdade de imprensa não há democracia.".

José Afonso da Silva (2006, p. 247) entende com razão que a imprensa, de um modo geral, constitui um poderoso instrumento de formação da opinião pública, mormente com o desenvolvimento de satélites e outras tecnologias capazes de transmitir notícias, ideias, informações e doutrinas, e que, justamente em virtude desses fatores, deve-se considerar a ideia de que a imprensa exercita uma função social.

Essa função social, por assim dizer, consiste no ato de expor às autoridades públicas o pensamento e a vontade do povo e de também compor defesa contra excessos de poder, oferecendo para tanto um robusto controle sobre a atividade político-administrativa. Considerada primeira e primária, a liberdade de expressão, da qual decorre a liberdade de informação jornalística, consiste no direito de livre divulgação do pensamento, de não ser impedido de se exprimir. A liberdade de expressão do pensamento, tomada, assim, como direito da personalidade, é de relevância para a concretização do princípio da dignidade humana.

A liberdade de expressão, sob essa nova dimensão, adquire um caráter duplo: sendo uma vertente relacionada à esfera individual, pessoal, como a liberdade de exprimir seu ponto de vista; e outra, fundada nas relações sociais, no interesse público. Nesse exato ponto, conciliam-se a liberdade de expressão e a liberdade de informação jornalística.

Considerando-se que a imposição de limites à liberdade de informação jornalística converge com a definição de que os direitos fundamentais não são absolutos, é necessário, que o exercício desses direitos se processe de forma harmoniosa e equilibrada, não se excluindo, portanto, a possibilidade de supressão de determinada norma constitucional, quando instaurado conflito entre normas constitucionais, em detrimento de outra.

Observa Anderson Schreiber (2012, p. 247) que ao adotar a técnica da ponderação, que confia ao Poder Judiciário a seleção de interesses a serem protegidos, outros instrumentos podem ser utilizados para desencorajar "demandas frívolas" no sistema jurídico: o desenvolvimento de formas não monetárias de reparação desempenha um papel importante, amenizando a contradição da responsabilidade civil contemporânea, que reconhece o dano extrapatrimonial, mas oferece apenas uma solução monetária; recursos como retratações públicas e outras formas de reparação não pecuniária são necessários e muitas vezes mais eficazes na reparação de danos morais; repressão à litigância de má-fé e a rejeição do caráter punitivo das reparações são mecanismos adicionais para desencorajar demandas com motivações mercenárias.

É preciso investigar, desse modo, quais as potencialidades que o ordenamento jurídico brasileiro apresenta para solucionar esses conflitos.

COLISÃO ENTRE NORMAS CONSTITUCIONAIS

Essa situação de conflito que não raro se estabelece entre normas é decorrência direta da própria carga valorativa inserida na Constituição Federal, que, por sua vez, incorporou os diversos interesses das diversas classes componentes de tal sociedade pluralista. Ocorre, que esses direitos, posto representarem as vontades políticas de classes antagônicas, acabam por não se harmonizarem em inúmeros momentos. Dessa pluralidade de concepções surge um duradouro estado de tensão entre normas constitucionais.

Existem na Constituição Federal normas de caráter principiológico, em outras palavras, normas-princípios ou simplesmente princípios, com maior teor de abstração e com finalidade destacada dentro do sistema, e que podem, com assustadora frequência, colidir com outras normas, ou princípios, de idêntica natureza. É a situação que ocorre entre a liberdade de expressão ou do direito à informação e o direito à intimidade, tema deste texto.

Considerando-se a elaboração clássica de Hans Kelsen (1991, p. 18), tem-se o ordenamento jurídico como um sistema hierarquizado de normas, que possuem diferentes valores entre si, e no qual se escalonam, formando um todo, um conjunto harmônico. Essas normas são funcionalmente interdependentes umas das outras, de modo que para que uma norma seja classificada como válida e aceita é imprescindível que sua validade seja solidamente alicerçada em norma superior.

Em razão do modo hierarquizado como se escalonam as normas, e considerando-se que estas são princípios jurídicos, conclui-se, pela existência de hierarquia entre princípios. Este caráter hierárquico se demonstra com muita facilidade quando se consideram princípios constitucionais e princípios infraconstitucionais. Naturalmente, não há que se duvidar da superioridade hierárquica daqueles em face destes últimos. Reitera-se, portanto, que os princípios constitucionais constituem o fundamento de validade dos princípios infraconstitucionais (BARROSO, 1998, p. 141).

Entretanto, a questão não é de todo simples e se complica demasiadamente em se tratando de conflitos entre princípios constitucionais, ou seja, de igual nível hierárquico. Não é crível nem razoável afirmar, utilizando-se de um critério axiológico, por exemplo, pela existência de hierarquia entre princípios constitucionais.

Todavia, desconsiderando-se o critério axiológico em benefício de uma outra ótica jurídica, não há que se falar na existência de hierarquia entre princípios constitucionais. Todas as normas constitucionais possuem idêntico valor, motivo pelo qual não há, como assevera Canotilho (1998, p. 47), normas constitucionais meramente formais, tão pouco hierarquia de supra ou infra ordenação dentro do texto constitucional.

Diante da inexistência de hierarquia entre normas constitucionais, surge a dúvida acerca de qual seria o melhor método para solucionar a situação de colisão entre normas constitucionais, no caso deste texto, a liberdade de comunicação ou de imprensa e o direito individual à intimidade.

Possível citar, a princípio, prática normalmente exercida, qual seja, a interpretação valorativa de ambas as normas em colisão, procedendo-se, na sequência, à escolha daquela que, no caso concreto, seria a de maior relevância e significação.

Para o deslinde da questão, algumas soluções foram elaboradas pela doutrina estrangeira, entre elas a concordância prática e a dimensão de peso ou importância, e que vêm sendo frequentemente utilizadas pelos Tribunais. Em ambas as soluções propostas figura o princípio da proporcionalidade como "meta-princípio" ou "princípio dos princípios", o qual visa resguardar a integridade dos princípios constitucionais em questão.

A doutrina, que tem predileção pela concordância prática em detrimento da dimensão de peso e importância, sugere seja aplicada primeiramente a concordância prática, e, em seguida, não se obtendo os resultados esperados com a medida, experimenta-se a dimensão de peso e importância como solução para o confronto das normas constitucionais em questão, sacrificando-se, o mínimo possível, o princípio de "menor peso".

Consequência lógica do princípio da unidade constitucional, o princípio da concordância prática ou da harmonização é uma hábil e eficiente ferramenta a ser utilizada em se tratando de colisão de direitos fundamentais. Antes de se adentrar no contexto do princípio da harmonização, contudo, importa breve, mas contundente definição do princípio da Unidade Constitucional.

De forma resumida, o princípio da unidade constitucional disciplina que o Direito Constitucional seja interpretado de uma forma tal que se possa afastar contradições (antinomias e antagonismos) entre suas normas, e principalmente entre seus princípios jurídico-políticos. O princípio da Unidade obriga o intérprete a compreender a Constituição em sua totalidade, procurando atenuar as constantes tensões entre as normas constitucionais. Por esse motivo é que se diz que as normas constitucionais devem ser consideradas como preceitos num sistema unitário, e não como normas isoladas e dispersas (BARROSO, 1998, p. 147).

Realizada a observação necessária acerca do princípio da Unidade Constitucional, dá-se prosseguimento ao trabalho com o estudo do princípio da concordância prática ou da harmonização. Com base nesse princípio, concebido por Konrad Hesse (1992, p. 49-50), deve- se buscar a harmonização dos direitos fundamentais, quando em confronto, por intermédio de um juízo de ponderação mediante o qual sejam preservados e concretizados os direitos constitucionais em jogo.

A concordância prática, em outras palavras, pode ser compreendida como um princípio tendente a solucionar uma situação de colisão entre normas de hierarquia constitucional mediante a otimização desses direitos fundamentais em confronto. Isto importa dizer que a concordância prática procura equilibrar da forma mais sustentável possível as normas colidentes.

Não se trata, porém, de um procedimento que visa estabelecer uma prevalência absoluta de uma norma sobre outra. Procura-se, na verdade, tornar compatíveis as normas, ainda que, no caso concreto, seja preciso a redução de uma das normas em detrimento da outra.

O princípio da harmonização ou da concordância prática constitui, assim, uma alternativa para o magistrado para que, frente a uma ocasião na qual duas normas constitucionais estejam em rota de colisão, adote uma posição que possibilite a realização de ambos os direitos em questão sem, no entanto, negá-los.

A concordância prática foi utilizada em um caso muito polêmico ocorrido na Alemanha, no qual um homem foi preso por ter sido acusado de crimes de grande repercussão social. Este homem, ciente que a imprensa tencionava divulgar amplamente a matéria, ingressou com uma ação em juízo pretendendo obstar a imprensa, alegando que a publicação ampla do caso iria ferir o seu direito à intimidade, de modo que, após tornado público o fato, não poderia jamais ter uma vida normal, caso fosse inocentado das acusações.

Em uma situação de colisão entre o direito à intimidade e a liberdade de expressão, a Justiça Alemã, utilizando-se da concordância prática, decidiu que os veículos de notícias poderiam sim divulgar o fato, posto ser de interesse nacional, no entanto, não poderiam mencionar o nome completo do acusado tão pouco publicar foto de seu rosto, conciliando os dois princípios em jogo.

O segundo instrumento que pode ser utilizado, na hipótese de a concordância prática não proporcionar os efeitos esperados, é o princípio da dimensão de peso e importância (dimension of weights), que foi idealizado por Ronald Dworkin (2002, p. 45).

Segundo o professor da Universidade de Oxford, as regras jurídicas são aplicadas por completo ou não são de modo absoluto, aplicadas (dimensão do tudo ou nada). Dworkin (2002, p. 45-50) ressalta ainda que os princípios dispõem de uma característica que não é própria das regras jurídicas, qual seja a dimensão de peso ou importância. Nesse compasso, quando do combate entre vários princípios, cabe ao intérprete considerar o peso e a importância de cada um dos que estiverem em jogo para saber qual deles prevalecerá.

Demonstrando a seriedade do estabelecimento da ponderação, Luís Roberto Barroso (2009, p. 334) compara a subsunção - incidência direta da norma - a um quadro geométrico com três cores distintas e bem nítidas. A ponderação, por outro lado, usando essa metáfora, será uma pintura moderna, "com inúmeras cores sobrepostas, algumas se destacando mais do que as outras, mas formando uma unidade estética". Contudo, o ministro faz um alerta bem-humorado: "a ponderação malfeita pode ser tão ruim quanto algumas peças de arte moderna."

Assim, a legitimidade da interpretação, informada pelo princípio da proporcionalidade, será preservada na medida em que se realize a harmonização. A especificidade, conteúdo e alcance próprios de cada princípio não demandam o sacrifício unilateral de um princípio em relação aos outros, antes reclamam a harmonização dos mesmos, de modo a obter-se a máxima efetividade de todos eles.

Em face de conflito entre normas constitucionais, não se fala em antinomia. Deve-se procurar a conciliação, a harmonização entre eles, objetivando-se uma situação final de equilíbrio entre as normas colidentes. É o que se chama de concordância prática, teoria formulada por Konrad Hesse (1992, p. 49-50).

Por outro lado, não se obtendo os efeitos esperados, o conflito há de ser resolvido com o prevalecimento de um princípio sobre o outro, técnicas de Dworkin (2002, p. 45) e Alexy (2008, p. 96), considerando-se o peso e a importância de cada um no caso concreto. Corrobora, Anderson Schreiber (2012, p. 162), em não havendo regra de prevalência, ou não sendo possível sua aplicação ou adequação, caberá ao Poder Judiciário o mister de ponderar os interesses conflitantes e diante da situação concreta e à luz do ordenamento jurídico definir a relação de prevalência daqueles interesses. Portanto, em ambos os casos, o princípio da proporcionalidade deve figurar como meta, como princípio norteador na resolução do conflito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A complexidade de preservar na seara privada assuntos e ações de trato íntimo se revela cada vez mais uma árdua tarefa para aqueles que detêm visibilidade ou dimensão pública. A essa dificuldade alia-se o direito a liberdade de informação. Por outro lado, tem-se a vida privada, a intimidade e a imagem das pessoas, sejam elas públicas ou não, cumprindo alguns dos direitos basilares do princípio da dignidade humana.

O direito individual à intimidade e a liberdade de imprensa ou de informação jornalística, quando confrontados, revelam a dificuldade do operador do direito em encontrar possibilidades em limitar este em detrimento daquele.

Essa limitação só se manifesta como viável em virtude da relatividade dos direitos fundamentais. Reitera-se, portanto, que muitas serão as hipóteses de confronto nas quais se estabelecerá a imperiosidade de relativizar direito ou alguns direitos que compõe o rol constante do artigo 5º da Constituição Federal.

Para isso, o importante são desenvolver parâmetros para se ter uma segurança jurídica, de modo que é evidente que sempre haverá colisão entre direitos de igual hierarquia, sobretudo, no confronto entre privacidade e informação, situações que sempre nos convida a uma colisão entre direitos fundamentais.

A contribuição deste estudo foi apresentar saídas para esse conflito por intermédio de parâmetros: a harmonização, objetivando-se uma situação de equilíbrio entre as normas colidentes (concordância prática) e a técnica de ponderação.

Desse modo, colabora-se para o diálogo entre judiciário e academia, no sentindo de construir critérios que propiciem seguridade, uniformidade e igualdade no tratamento dessas questões. Porque casos concretos paralelos com tratamento diferente não só ferem a segurança jurídica, mas, sobretudo, a isonomia, a ideia da necessidade de ser dado tratamento igual a pessoa substancialmente em situações iguais.

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ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

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CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998.

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*Daniel Marinho Corrêa é Associado titular do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil - IBERC, professor universitário, servidor do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, mediador judicial. Doutorando e Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Extensão em "Justice", curso de estudo oferecido pela HarvardX, iniciativa on-line da Harvard University. Bacharel em Direito pela UEL, pós-graduado em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná e especialista em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio. Autor de obras jurídicas e colaborador em projetos de pesquisa da UEL.