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Responsabilidade civil e governança nos grupos societários

terça-feira, 18 de abril de 2023

Atualizado às 11:39

No livro recém-lançado pela Editora Foco e intitulado "Governança nos Grupos Societários: Inovações", o problema dos grupos de sociedades é tratado sob a perspectiva de uma específica estratégia regulatória: a que distingue os grupos segundo dois tipos, os grupos de direito e os grupos de fato. Embora outras estratégias da regulação sobre os grupos de sociedades sejam abordadas e problematizadas no curso da obra. 

Como o leitor perceberá, não se parte da defesa da subjetivação ou da personificação dos grupos de sociedades, mas da sua compreensão por intermédio de um referencial teórico que possibilita, em um primeiro estágio, a identificação da empresa do grupo (a empresa grupal) e, em um segundo estágio, a elaboração de análises, de críticas e de propostas para os problemas apresentados na regulação dos grupos de sociedades. 

A forma de compreensão dos grupos de sociedades encontra, numa primeira fase do desenvolvimento da pesquisa, suporte teórico nos modos de governança (empresa, mercado e híbrido) e à sua aplicação à organização grupal. Aqui, o conceito de hierarquia é trabalhado para a identificação da empresa que possui as suas fronteiras para além dos contornos da sociedade (a empresa grupal ou a empresa plurissocietária). Na regulação dos grupos de fato - mais presentes na realidade brasileira -, a estrutura orgânica da sociedade controladora, na visão dos autores, serve de estrutura ad hoc para a empresa grupal. Há uma marca coaseneana nessa abordagem.    

Essa abordagem, mais identificada com a chamada Teoria dos Custos de Transação, é sucedida por uma análise dos conflitos de interesses presentes na sociedade isolada e naquelas grupadas. O potencial das teorias agencialistas (especializadas nos conflitos de interesses) é explorado. Gêneros de conflitos de agência são apresentados. É feito estudo acerca dos desenvolvimentos do agencialismo (com suporte em Jensen e Meckling) e, ao mesmo tempo, uma crítica da sua aplicação no plano normativo. 

Identificados o potencial gerador de conflitos de interesses na estrutura societária e nas relações grupais, os autores avançam sobre a teoria do direito fiduciário. Se nos dois primeiros estágios, há forte influência de teorias econômicas, nessa terceira fase, busca-se por uma teoria jurídica. Avanços são propostos. Esse capítulo inicia-se com uma provocação sintetizada em duas perguntas: E quando os mecanismos de governança ex ante falham? E quando os interesses presentes no conjunto de contratos (nexus contratual) não são suficientes para resolver os conflitos de agência? 

Ao fim e ao cabo do capítulo, o que se apresenta é o esforço, nos dias de hoje já ancorado em decisões judiciais estrangeiras, de compreender que a controladora possui deveres fiduciários para com os stakes das controladas. Jennifer Arlen, ao analisar três decisões recentes do Tribunal de Delaware, nos EUA, (Marchand v Barnhill; Teamsters Local 443 v Chou; e In re Boeing Company Derivative Litigation), propõe que: 

Unlike other fiduciary duties, which are imposed to benefit the firm and its shareholders, directors should have duties to detect and terminate misconduct even when the firm profits from it. Thus, these duties should be used to create-rather than eliminate-an agency cost, by giving directors a personal incentive to implement measures likely to deter misconduct even when likely to reduce corporate profits.1 

Depois de aplicada as três fases na análise da governança dos grupos societários - o método trifásico estruturado em outro texto, Governança Corporativa: a crise financeira e os seus efeitos (equívocos e possibilidades), publicado pela Editora Processo -, uma disfunção é especificamente estudada: é o que a literatura mais especializada denomina de "grupo de fato qualificado". O leitor, então, é apresentado à Teoria do Ilícito. Nos grupos de fato qualificados será necessário identificar tutelas adequadas que resguardem os direitos dos minoritários, pois o fato jurídico da tomada do controle se caracteriza por uma submissão econômica de uma sociedade, imposta à margem do direito. Uma alternativa viável é a de se estender ao minoritário a potestade de se retirar da sociedade mediante o pagamento de suas ações ou cotas, tal como se dá diante da formação de um grupo de direito. 

Todavia, caso o minoritário decida prosseguir na sociedade, a tutela inibitória do ilícito pode conferir a ele ferramentas de contenção da atividade antijurídica, pela via de meios de coerção direta capazes de efetivamente proteger o seu direito à preservação substancial do direcionamento empresarial autônomo. Há coerção direta quando o direito é efetivamente tutelado independentemente da vontade do demandado, ou seja, quando puder ser dispensada a sua vontade. O direito será realizado em virtude da atuação de um auxiliar do juiz ou de um terceiro. Aqui cogitamos de uma intervenção judicial para o cumprimento de uma tutela específica. O magistrado nomeará administrador provisório para atuar no seio da sociedade controlada, à semelhança do que ocorre no Direito anglo-americano quando se pensa nas figuras do master ou administrator ou ainda do receiver. 

Todo o conteúdo é elaborado em duas partes (contendo os capítulos respectivos) que tratam o problema sob duas perspectivas: a primeira é estrutural e procedimental e analisa a forma como o comando hierárquico, típico do modo de governança da empresa, se manifesta no interno dos grupos. A hipótese de que é necessária a internalização dos interesses das sociedades controladas pela forma e pelo conteúdo da sociedade controladora é construída ao longo do texto, sendo justificada nos vários conteúdos tratados, desde os fundamentos do modelo contratualista que defendemos até a análise do conteúdo da dogmática jurídica. Nessa primeira parte, é proposta como solução a abertura da estrutura orgânica da controladora para acomodar interesses dos minoritários das controladas. 

Esse esquema metódico gravita em torno da nossa proposta sobre a relação entre empresa, sociedade e governança. O conteúdo da empresa é a hierarquia, a sua forma é o nexus (ou conjunto) de contratos. A sociedade, por sua vez, é um sistema de governança dos variados interesses presentes na empresa. Esses interesses serão internalizados pela forma jurídica com maior ou menor intensidade, a depender da abordagem escolhida (shareholder versus stakeholder). A sua forma, por outro lado, é a de um conjunto de contratos (em sentido econômico, compreendendo também os atos unilaterais de vontade). 

A segunda parte é profilática porque identifica o problema, o grupo de fato qualificado, categoriza-o como ilícito e elabora soluções para serem mobilizadas antes mesmo da ocorrência de um eventual dano. Nessa parte, há um aprofundamento dos estudos sobre as possíveis estratégias regulatórias dos grupos de sociedades, é feita uma verticalização nos estudos da que é adotada pelo Brasil, o que nos possibilita entender mais claramente o problema que se manifesta nos chamados grupos de fato qualificados. 

Esse percurso conduz à teoria do ilícito e a modulação de propostas para tratar a ilicitude dos grupos de fato qualificados. É o momento da utilização da tutela inibitória no contexto dos grupos societários. Essa hipótese também é construída e justificada ao longo do texto, desde os espaços dedicados aos fundamentos teóricos até aqueles outros destinados à aferição de sua viabilidade diante da dogmática jurídica. 

A maneira como o tema é trabalhado, as influências teóricas utilizadas, os problemas formulados, assim como as soluções encontradas justificam o título do livro "Governança dos Grupos Societários: Inovações". 

 

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1 ARLEN, Jennifer. How Directors' Oversight Duties and Liability under Caremark Are Evolving. Disponível aqui. Acesso em: 04.03.2023.