O método bifásico como critério de quantificação dos danos morais e estéticos decorrentes da atividade médica na jurisprudência do TJ/PR
quinta-feira, 1 de setembro de 2022
Atualizado às 07:34
A produção de danos decorrentes da atividade médica não se estende apenas no plano material, podendo incidir na esfera psíquica do paciente, tendo em vista a dor-sensação produzida por intervenções que podem ser, de algum modo, dolorosas e traumáticas. O prejuízo corporal se compõe de elementos variáveis, indenizáveis separadamente, conforme a invalidez seja parcial ou total, permanente ou temporária. Também o próprio estado patológico do doente, que se pretendia aliviar ou curar, pode resultar agravado ou crônico. Nesse cenário, dentre os maiores desafios postos ao julgador, estará a quantificação dos danos morais e estéticos em virtude dos padecimentos experimentados pela vítima diante da ocorrência da culpa profissional.
O dano estético, assim como o dano moral, representa uma ofensa a um direito de personalidade. Todavia, Teresa Ancona Lopes ensina que o dano moral constitui o "acervo da consciência", voltado para dentro do sujeito, incorpora-se ao psiquismo, afeta os seus sentimentos. Já o dano estético está voltado para fora, correspondendo ao "patrimônio da aparência", isto é, ele é a lesão à beleza física, à harmonia das formas externas do sujeito.1 A fixação do quantum indenizatório dos danos extrapatrimoniais sempre foi objeto de acendrados debates doutrinários e jurisprudenciais. Em busca de uma solução, alguns países - como Reino Unido e Itália - adotam diferentes sistemas de tabelamento de danos.2
Na tentativa de objetivar a quantificação das indenizações por danos morais, no julgamento do REsp 959.780/ES (3ª Turma, j. 23.08.2011) e do REsp 1.473.393/SP (4ª Turma, j. 04.10.2016),3 o STJ passou a adotar o denominado "critério bifásico", consubstanciado na seguinte fórmula: na primeira fase, "arbitra-se o valor básico ou inicial da indenização, considerando-se o interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos)." A justificativa é assegurar uma justiça comutativa, que é uma razoável igualdade de tratamento para casos semelhantes, assim como que situações distintas sejam tratadas desigualmente na medida em que se diferenciam. Já na segunda fase "procede-se à fixação definitiva da indenização, ajustando-se o seu montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias. Partindo-se, assim, da indenização básica, eleva-se ou reduz-se esse valor de acordo com as circunstâncias culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes) até se alcançar o montante definitivo." Nessa etapa, procede-se a um arbitramento efetivamente equitativo, que respeita as peculiaridades do caso.
Pensando em experiências alienígenas e na orientação contida na primeira fase do método bifásico, há a ferramenta desenvolvida pela Comissão de Inovação do TJRS (Inovajus) e Escola Superior da Magistratura da AJURIS, em parceria com a PUCRS - chamada "Tabela de Parâmetros do Dano Moral" -, utilizada desde 2020 pelos Juízes e Desembargadores gaúchos que, ao digitarem os termos de busca desejados na tabela, chegam rapidamente a uma lista com casos semelhantes, indicando-se os valores máximo, mínimo, mediano e a média, com algumas referências às peculiaridades dos casos selecionados. Explica Eugênio Facchini Netto que, "assim, o julgador pode comparar as peculiaridades do caso que está analisando com as peculiaridades dos casos já julgados e constatar os valores já usados para casos semelhantes."4
Nas demandas judiciais sobre responsabilidade civil médica, é notória a relevância do método bifásico de quantificação dos danos morais para minimizar eventual arbitrariedade de critérios unicamente subjetivos do julgador, além de afastar a tarifação do dano, trazendo um ponto de equilíbrio entre a garantia de uniformidade das decisões judiciais e o respeito às peculiaridades de cada caso concreto. Essa metodologia, contudo, ainda encontra certa resistência e desafios na sua correta aplicação pelos tribunais estaduais. Ademais, é necessária a análise de viabilidade da extensão desse critério pretoriano para a quantificação do dano estético.
Diante disso, estas breves reflexões têm o objetivo de demonstrar a maneira pela qual o Tribunal de Justiça do Paraná - mais especificamente, a 8ª, 9ª e 10ª Câmaras Cíveis, especializadas em responsabilidade civil - aplicam o método bifásico e estabelecem valores indenizatórios compensatórios, em casos envolvendo danos moral e estético decorrentes da atividade médica.
A 8ª Câmara Cível do TJPR, no julgamento da Apelação Cível n º 0017082-44.2015.8.16.0019,5 manteve a condenação de médico por negligência diante do esquecimento de uma compressa cirúrgica no interior do estômago da paciente que se estendia até o duodeno, quando da realização de uma gastroplastia, o que lhe teria causado dores e desconforto até a retirada, ocorrida aproximadamente três anos depois. Contudo, reduziu-se a indenização por danos morais fixada em R$ 70.000,00 (setenta mil reais). Adotando-se o método bifásico, na primeira fase, identificou-se que os bens jurídicos violados são a saúde e a integridade física da paciente, diante do esquecimento da compressa cirúrgica em seu abdômen, causando-lhe dores por mais de um ano. Tendo isso em mente, nesta fase, extraiu-se um grupo de casos da jurisprudência do TJPR que, em situações análogas relacionadas à responsabilidade civil por erro médico, com o esquecimento de compressa ou gaze cirúrgica e sem sequelas permanentes, o patamar médio da indenização por danos morais varia entre R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).6
Estabelecida esta premissa, restou na segunda fase da quantificação avaliar se as circunstâncias peculiares do caso, cumprindo apreciar a extensão do dano (art. 944, CC), o grau de culpa dos envolvidos e as condições econômicas, sociais e pessoais das partes. O STJ apresenta algumas diretrizes (critérios) no arbitramento dessas verbas indenizatórias por dano moral na segunda fase, tendo como norte a fixação em quantum sintonizado com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade: 1) a gravidade do fato em si e suas consequências para a vítima (dimensão e tempo de duração do dano) - além da eventual participação culposa do ofendido (culpa concorrente); 2) a ponderação sobre as condições pessoais e econômicas das partes, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido e, ainda, de modo que sirva para desestimular a conduta do ofensor.7 3) deve-se levar em consideração o caráter pedagógico e sancionatório da indenização - e, nesse sentido, avaliar a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente.8
Esses critérios foram observados pelo TJPR na análise do caso acima relatado. Inicialmente, considerou-se que, da data da cirurgia até a retirada do corpo estranho passaram-se aproximadamente três anos, além de que a paciente se queixava de fortes dores abdominais por cerca de um ano. Ainda, levou-se em conta que a paciente foi diagnosticada com disfunção do esfíncter de oddi - que em nada se relacionava com o corpo estranho -, uma vez que naquele momento apresentou dores de característica biliar, sendo então marcada cirurgia para a desobstrução. Portanto, não foi necessária a realização de cirurgia exclusiva para a retirada do corpo estranho, cujo achado, inclusive, foi surpresa para os médicos que realizavam o procedimento.
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1 LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 44.
2 Sobre o tema, remeta-se a FACCIO, Lucas Girardello. A quantificação do dano moral. O uso de tabelas no direito italiano e sua viabilidade no direito brasileiro. Porto Alegre: Editora Fi, 2020.
3 É sabido que os precedentes das Turmas da Seção de Direito Privado do STJ, em razão da dificuldade de se sistematizar parâmetros objetivos, vêm determinando a aplicação do critério bifásico para "garantir o arbitramento equitativo da quantia indenizatória, valorados o interesse jurídico lesado e as circunstâncias do caso, minimizando eventual arbitrariedade ao se adotar critérios unicamente subjetivos do julgador, além de afastar eventual tarifação do dano". (STJ, AgInt no AREsp n. 1.799.380/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 26.04.2022)
4 FACCHINI NETO, Eugênio. O uso da tecnologia para o arbitramento de danos morais: a recente inovação gaúcha. Consultor Jurídico, 16/2/2020. Acesso em 30 de agosto de 2022.
5 TJPR, 8ª Câmara Cível, AC n. 0017082-44.2015.8.16.0019, rel. Des. Clayton Maranhão, j. 28.03.2019.
6 TJPR, 8ª Câmara Cível, AC n. 1582929-3, rel. Des. Luiz Cezar Nicolau, j. 18.05.2017; TJPR, 8ª Câmara Cível, AC n. 1364036-1, rel. Des. Marcos S. Galliano Daros, j. 05.11.2015; TJPR, 8ª Câmara Cível, AC n. 1527935-3, rel. Des. Gilberto Ferreira, j. 01.09.2016.
7 Nesse sentido, cf.: STJ, AgInt no AREsp n. 1.931.192/MS, rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. 14.03.2022.
8 Nesse sentido, cf.: STJ, REsp 1677957/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. 24.04.2018.