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Responsabilidade civil na atuação do Tribunal de Contas da União

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Atualizado às 09:45

O Tribunal de Contas da União (TCU) é o órgão de controle externo do governo federal, auxiliar do Congresso Nacional na sua competência constitucional de acompanhar a execução orçamentária e financeira do país e que, principalmente a partir do novo desenho institucional traçado na Constituição Federal de 1988, busca contribuir com o aperfeiçoamento da Administração Pública em benefício da sociedade.

Dentro dessas competências delineadas pelo artigo 71 da Constituição, o TCU configura-se como o ente federal responsável pela fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades públicas do país quanto à legalidade, legitimidade e economicidade. Considerando essas missões e parâmetros de controle, a Constituição definiu amplo rol de competências ao Tribunal de Contas, incluindo, por exemplo, a apreciação das contas anuais do presidente da República a partir de parecer prévio (CF 71, I); realizar inspeções e auditorias por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional (CF 71, IV), fiscalizar a aplicação de recursos da União repassados aos outros entes federativos (CF 71, VI) e apurar denúncias e representações sobre irregularidades ou ilegalidades na aplicação de recursos federais (CF 74, §2º).

Porém, para o que é importante para este espaço, há de se ressaltar a competência de julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos (CF 71, II). Para essa missão constitucional, o Tribunal de Contas da União assume sua condição de ente quase judicante para verificar a legalidade, regularidade e economicidade dos atos dos gestores ou responsáveis pela guarda e emprego dos recursos públicos.

Em outras palavras, trata-se da apuração da responsabilidade civil dos gestores públicos e equiparados que tenham causado dano ao Erário Federal.

Para tanto, o Tribunal de Contas da União utiliza procedimento administrativo próprio, a Tomada de Contas Especial. Trata-se de processo administrativo devidamente formalizado, com rito próprio, para apurar a responsabilidade por ocorrência de dano à administração pública federal, com apuração de fatos, quantificação do dano, identificação dos responsáveis e para a obtenção do respectivo ressarcimento (art. 2º, caput, da IN/TCU 71/2012).

Fica claro pela própria definição normativa do TCU, portanto, que a Tomada de Contas Especial é procedimento administrativo que visa a apurar os elementos da Responsabilidade Civil relativa a danos sofridos pelo Erário. Reforçando essa definição, tem-se excerto do Acórdão nº 2367/2015-Plenário, de relator do Min. Benjamin Zymler, que aponta que "No processo de Tomada de Contas Especial os elementos exigidos para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva se referem à existência de conduta culposa ou dolosa do agente, de dano ao erário e de nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Existindo tais pressupostos, há o dever de indenizar".

E aqui é importante ressalvar que se trata de competência de apuração de responsabilidade civil exclusivamente contra a administração pública, já que, em regra, o Tribunal de Contas da União não trata de questões de direito privado. Isso se deve muito a uma visão do TCU como um "guardião" do interesse público. Assim, por exemplo, o próprio Tribunal de Contas reconhece não haver competência para sua atuação em certas representações em licitações quando a correção da ilicitude não resultaria em benefício ao Erário e também em denúncias contra nova interpretação de normativos que restringiu a concessão de gratificações, em que se reconheceu que não haveria dano ao Erário, mas apenas aos interesses privados individuais de cada servidor com o direito restringido.

Igualmente, ressalva-se que não se trata de apuração de responsabilidade civil do Estado, mas sim de jurisdição administrativa sobre gestores públicos e terceiros que guardam relação com a Administração Pública. Assim, trata-se de uma via de mão única, em que não se responsabilizará o Estado. De todo modo, não se pode descuidar que uma atenta atuação dos Tribunais de Contas, por representações e auditorias, vem muito a acrescentar em posterior responsabilização do Estado, a partir de compartilhamento dos resultados obtidos com demais órgãos de controle, como o Ministério Público e as advocacias públicas, ou mesmo com particulares lesados pelo Estado, como foi o que ocorreu, por exemplo, com a Petrobras no caso da Lava Jato1.

A partir da breve exposição da competência constitucional do Tribunal de Contas e de seu procedimento para apuração de responsabilidade civil contra o Estado, passa-se a discorrer sobre determinados temas abordados recentemente pelo Tribunal de Contas da União.

O primeiro é o fato de o Tribunal de Contas da União não reconhecer competência para "tomar contas" pelo mero descumprimento contratual. Assim, a tomada de contas pelo TCU se dá apenas a partir da ocorrência de dano por descumprimento extracontratual. Faz isso por entender que os órgãos da Administração devem possuir estrutura e mecanismos contratuais próprios para responsabilizar contratados pelos danos que incorreram a partir da inobservância de contratos administrativos.

Mas, daí, advém uma questão acessória: qual seria o "parâmetro de controle" adequado para se apurar essa responsabilidade civil extracontratual? O Tribunal de Contas somente poderia responsabilizar os gestores públicos e equiparados por danos causados em infringência à lei ou também por descumprimento de normas infralegais? É o Tribunal de Contas competente para apurar responsabilidade civil extracontratual a partir de violação de princípios da Administração Pública, ainda que não haja um descumprimento direto de norma legal? Ainda, seria cabível a responsabilização daquele que deixou de seguir recomendações e boas práticas acolhidas pelo Tribunal como parâmetro de controle? Essas são algumas questões que permanecem sem resposta firma da jurisprudência do TCU, por exemplo.

Também há interesse em verificar como o Tribunal de Contas da União trata de questões relativas aos elementos da Responsabilidade Civil.

Aqui, quanto a culpa do agente, houve recente alteração legal que impacta a atividade do TCU em matéria de tomadas de contas especiais. Trata-se da inclusão do artigo 28 na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que determina pressupostos à responsabilidade pessoal dos agentes públicos2. Diz o mencionado artigo 28 que "O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas sem caso de dolo ou erro grosseiro".

Daí vem a dúvida: o que constituiria o erro grosseiro? Seria o erro grosseiro equivalente à culpa grave? Para equacionar essa e outras questões é que se publicou o Decreto nº 9.830/2019, regulamentador da "nova" LINDB. Lá, é expresso que "Considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia". Ou seja, a culpa que possibilita a responsabilidade civil dos gestores públicos ou equiparados é uma culpa qualificada, grave e inescusável, distinguindo-se dos parâmetros comuns de responsabilização amparados pelo Código Civil.

Todavia, a esse requisito de responsabilização do erro grosseiro, da culpa grave e inescusável, se contrapõem posicionamentos do Tribunal de Contas da União de culpa presumida, que se aproxima até de responsabilidade objetiva. Trata-se, por exemplo, do dever de prestar contas, cuja inobservância leva a, além do ressarcimento referente às contas não prestadas, à inelegibilidade do gestor que faltou com o dever. Também, em sentido similar, o fato de dispositivo ainda vigente do decreto-lei 200/67 dispor que, quanto à prestação de contas, o ônus da prova cabe ao gestor público, e não ao ente que apura a responsabilidade civil. Exemplificativamente, tem-se o Acórdão 2750/2020-Plenário, de relatoria do Min. Benjamin Zymler, o qual dispôs que "A culpa dos gestores por atos irregulares que causem prejuízo ao erário é legalmente presumida, ainda que não se configure ação ou omissão dolosa, admitida prova em contrário, a cargo do gestor".

Quanto ao nexo de causalidade, é importante indicar recente posicionamento do Plenário do TCU quanto à definição da teoria da causalidade adotada. Apesar de, em algumas circunstância, o Tribunal entender pela aplicação da teoria da causalidade adequada, parece ter prosperado a adoção da teoria do dano direto e imediato (teoria da interrupção do nexo causal), segundo qual "nos casos em que o dano decorre de um conjunto de causas, não se podendo apontar uma única causa para a sua ocorrência, deve-se, para estabelecer o nexo causal, verificar se a conduta possui relação direta e imediata com o dano bem como se ela foi decisiva e necessária para sua ocorrência" (Acórdão nº 9671/2020-2ª Câmara, bastante representativo da discussão).

Por fim, apresenta-se duas questões de interesse referentes ao dano, especificamente quanto à certeza dele. A primeira é a possibilidade normativa de o Tribunal de Contas, quando quantificar o dano, fazê-lo por verificação ou por estimativa (IN TCU nº 71/2012, art. 8º). A quantificação por verificação é aquela que se realiza quando é possível quantificar com exatidão o real valor devido. Por sua vez, a quantificação por estimativa é aquela que, por meios confiáveis, apura-se quantia que seguramente não excederia o real valor devido. A quantificação por estimativa é ponto controverso, até pela dificuldade em se comprovar que o valor apurado não excederia o real valor devido, e que vem sendo utilizado como metodologia de cálculo de dano em casos de cartel, principalmente nas apurações derivadas a Lava Jato3.

A segunda questão trata de discussão prontamente afastada pelo Plenário do TCU sobre a possibilidade de reparação de "dano moral da Administração Pública". Aqui, o Tribunal entendeu que não seria competente para tal apuração e que, igualmente, não teria os instrumentos adequados para a apuração desse eventual dano moral.

Encerrada a exposição, aproveita-se para indicar que o abordado acima trata-se muito mais de um mapeamento de pontos de interesse e de interseção no estudo da Responsabilidade Civil e da atividade dos Tribunais de Contas o que um estudo sobre cada uma dessas questões. Por se tratar de campo amplo, fica o convite para o seu desbravamento.

*Gilberto M. Calasans Gomes é mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Especialista pela FESMPDFT. Bacharel em Direito pela UnB. Sócio de Piquet, Magaldi e Guedes Advogados.

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2 Alteração na LINDB e seus reflexos sobre a responsabilidade dos agentes públicos.

3 TCU inova e muda metodologia de cálculo de dano em casos de cartel.