COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalhas de Responsabilidade Civil >
  4. A regulamentação da publicidade das bebidas alcoólicas e a proteção do adolescente no Instagram e Facebook

A regulamentação da publicidade das bebidas alcoólicas e a proteção do adolescente no Instagram e Facebook

terça-feira, 26 de maio de 2020

Atualizado às 09:36

Texto de autoria de Roberta Densa

A arte tem nos ajudado a sobreviver durante o isolamento social. Nos refugiamos nos livros, na música, na poesia, no cinema e, certamente, não fossem os artistas, a vida teria ficado ainda mais difícil. Muitas foram as apresentações ao vivo (lives) em redes sociais de artistas, músicos, comediantes, tours virtuais em zoológicos, museus entre outras.

Para que o artista tenha a merecida remuneração, alguns anunciantes patrocinaram as apresentações em redes sociais, aproveitando o espaço para estampar marcas e produtos durante as apresentações. Trata-se da técnica publicitária denominada "product placement", em que o fornecedor introduz a marca em conteúdos de entretenimento como shows, filmes, séries e jogos.

É a estratégia utilizada, por exemplo, em todas as gravações do filme 007, em que o protagonista utiliza automóvel de determinada montadora e a marca é associada a astúcia do personagem. A essa altura o leitor já deve ter se recordado da marca do automóvel e é exatamente essa a reação esperada pelo anunciante: ser lembrado, ficar na mente do consumidor.

A técnica não é regulamentada expressamente pelo Código de Defesa do Consumidor, apenas proibindo a publicidade que não pode ser identificada imediatamente pelo consumidor como tal (art. 36 do CDC). Nesse caso, basta que o consumidor possa, ao assistir ao filme, identificar a publicidade da marca do automóvel.

Portanto, não se pode falar em proibição de colocação de marcas durante as apresentações artísticas em redes sociais, desde que haja o expresso cumprimento da regra estampada no art. 36 do CDC.

A questão que se coloca diz respeito à publicidade de bebidas alcoólicas em apresentações de artistas veiculadas pelo Instagram. Vimos ao menos duas dessas apresentações em que os artistas consumiram algumas doses de bebidas1, e, em uma delas, o cantor pareceu ter dificuldade de fazer a apresentação por estar, aparentemente, embriagado2.

Dito isso, pergunta-se: poderia haver publicidade em rede social de bebidas alcoólicas? É permitido o "product placement" em apresentações no Instagram ou Facebook? Pode o artista sugerir o consumo das bebidas nesses espaços?

Em primeiro lugar, é necessário observar que o Instagram e o Facebook tem classificação indicativa para 13 anos de idade, razão pela qual muitos dos seus usuários são adolescentes e estão na fase em que há maior preocupação dos pais em relação ao uso de bebidas alcoólicas, cigarros e outras substâncias (lícitas, mas proibidas para essa faixa etária).

Assim, por evidente, não podem referidas redes sociais simplesmente aderir aos apelos de mídia dos fornecedores das referidas substâncias, devendo seguir, em território nacional, as regras impostas aos demais meios de comunicação.

A publicidade de bebidas alcoólicas sofre restrições pela lei 9.294/19963 e pelo Código de Ética Publicitário do CONAR. Dentre as principais restrições impostas pela Lei 9.294/1996, ressaltamos as que têm por objetivo a proteção da criança e do adolescente, quais sejam: i) a publicidade de bebidas alcoólicas nas emissoras de rádio e televisão somente poderá ocorrer entre as 21 (vinte e uma) horas e as 6 (seis) horas (art. 4o)4; ii) a publicidade não poderá associar o produto ao esporte olímpico ou de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou ideias de maior êxito ou sexualidade das pessoas (art. 4o, § 1o); iii) os rótulos das embalagens de bebidas alcoólicas conterão advertência nos seguintes termos: "Evite o Consumo Excessivo de Álcool" (art. 4o, § 1o); iv) é vedada a utilização de trajes esportivos, relativamente a esportes olímpicos, para veicular a propaganda dos produtos (art. 6o).

Em relação ao patrocínio, a lei expressamente prevê, em seu artigo 5º, que "para eventos alheios à programação normal ou rotineira das emissoras de rádio e televisão, poderão ser feitas em qualquer horário, desde que identificadas apenas com a marca ou slogan do produto, sem recomendação do seu consumo".

Veja que a lei federal admite a inserção da marca nas apresentações (product placiment), sem recomendação do seu consumo, e determina expressamente horário de veiculação em rede televisiva. Ora, por óbvio, em 1996 não havia mídias sociais e não poderia ser possível inserir tal previsão para publicidade em meio digital. De todo o modo, parece claro que a publicidade deveria também seguir as mesmas lógicas de restrições, especialmente por se tratar de mídia com forte apelo entre os adolescentes.

No mesmo sentido, o CONAR estabelece uma série de regras e princípios, deixando bem esclarecido que, por se tratar de produto de consumo restrito e impróprio para determinados públicos e situações, a publicidade deverá ser estruturada de maneira socialmente responsável, sem se afastar da finalidade precípua de difundir marca e características, vedados, por texto ou imagem, direta ou indiretamente, inclusive slogan, o apelo imperativo de consumo e a oferta exagerada de unidades do produto em qualquer peça de comunicação.

Em relação à proteção de crianças e adolescentes, a publicidade não poderá ter esse público como alvo e, diante deste princípio, os anunciantes e suas agências adotarão cuidados especiais na elaboração de suas estratégias mercadológicas e na estruturação de suas mensagens publicitárias, observando as seguintes regras: i) "crianças e adolescentes não figurarão, de qualquer forma, em anúncios; qualquer pessoa que neles apareça deverá ser e parecer maior de 25 anos de idade; ii) as mensagens serão exclusivamente destinadas a público adulto, não sendo justificável qualquer transigência em relação a este princípio.

Assim, o conteúdo dos anúncios deixará claro tratar-se de produto de consumo impróprio para menores; não empregará linguagem, expressões, recursos gráficos e audiovisuais reconhecidamente pertencentes ao universo infanto-juvenil, tais como animais "humanizados", bonecos ou animações que possam despertar a curiosidade ou a atenção de menores nem contribuir para que eles adotem valores morais ou hábitos incompatíveis com a menoridade; iii) o planejamento de mídia levará em consideração este princípio, devendo, portanto, refletir as restrições e os cuidados técnica e eticamente adequados. Assim, o anúncio somente será inserido em programação, publicação ou web-site dirigidos predominantemente a maiores de idade. Diante de eventual dificuldade para aferição do público predominante, adotar-se-á programação que melhor atenda ao propósito de proteger crianças e adolescentes; iv) os websites pertencentes a marcas de produtos que se enquadrem na categoria aqui tratada deverão conter dispositivo de acesso seletivo, de modo a evitar a navegação por menores".

Há, ainda, outros princípios e regras que devem ser observados, que, de alguma forma, também tocam a defesa e a proteção da criança e do adolescente. 1) Princípio do consumo com responsabilidade social: a publicidade não deverá induzir, de qualquer forma, ao consumo exagerado ou irresponsável. 2) Cláusula de advertência: Todo anúncio, qualquer que seja o meio empregado para sua veiculação, conterá "cláusula de advertência", incluindo, nas embalagens e nos rótulos, a reiteração de que a venda e o consumo do produto são indicados apenas para maiores de 18 anos (exemplo: beba com moderação). 3) Mídia exterior e congêneres: por alcançarem todas as faixas etárias, sem possibilidade técnica de segmentação, as mensagens veiculadas em Mídia Exterior e congêneres, limitar-se-ão à exibição do produto, sua marca e/ou slogan, sem apelo de consumo, mantida a necessidade de inclusão da "cláusula de advertência". Vale notar que, em alguns casos, a frase de advertência pode ser dispensada.

Assim sendo, é possível afirmar que a publicidade em meio digital das bebidas alcoólicas deve obedecer todas as regras ora mencionadas, demonstrando o caráter de ilegalidade das "lives" especialmente por deixar de observar o princípio da responsabilidade social. Ainda que a inserção das marcas sejam permitidas durante a programação (product placement), mesmo que desacompanhadas da advertência, jamais poderia haver a sugestão de consumo por parte dos apresentadores.

O desrespeito a esses preceitos coloca em maior vulnerabilidade os adolescentes expostos ao conteúdo publicitário, considerando que os aplicativos tem classificação indicativa de 13 (treze) anos, podendo ser discutida, em ação coletiva a possiblidade de compensação por dano moral coletivo.

*Roberta Densa é doutora em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP e Professora de Direito do Consumidor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

__________

Esta coluna é exclusivamente produzida pelos associados do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil).

__________

1 Gusttavo Lima leva apenas advertência do Conar por bebidas alcoólicas em lives.

2 Bruno bêbado, Marrone bravo? Os melhores momentos da live de Buno e Marrone.

3 É preciso esclarecer que, para os fins dessa lei, devemos considerar bebidas alcoólicas somente aquelas que contêm teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac, por essa razão, a publicidade de cerveja e outras bebidas consideradas de baixo teor alcoólico não está sujeita às restrições da lei. Por outro lado, a regulamentação do CONAR é restritiva para todas as bebidas alcoólicas, independentemente do teor alcoólico.

4 A restrição quanto ao horário de veiculação da publicidade está, de certa maneira, em consonância com a Portaria no 1.189/2018 do Ministério da Justiça, que trata do horário de veiculação de programas e sua classificação indicativa. O legislador entendeu que crianças e adolescentes não podem ser os destinatários da publicidade e restringiu o horário de sua veiculação para o horário noturno. As demais restrições são igualmente pertinentes para crianças, adolescentes e também a adultos. A publicidade contendo associação de bebidas alcoólicas a qualquer atividade esportiva deve ser considerada abusiva pois, subliminarmente, quer que o consumidor acredite que o uso do álcool é saudável assim como a atividade esportiva.