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Prompt injections e accountability em sistemas de inteligência artificial

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Atualizado em 11 de abril de 2025 11:33

O prompt injection consiste na inserção deliberada de comandos enganosos, capazes de provocar respostas inesperadas ou nocivas de um sistema de inteligência artificial que opera por modelos transformadores (transformer-based models) para gerar conteúdo, geralmente a partir de comandos escritos1. E, embora seu surgimento remonte aos primórdios do processamento de linguagem natural, o incremento da potência computacional e da sofisticação algorítmica intensificou a gravidade desses ataques.

A maleabilidade semântica dos modelos de linguagem, aliada à ambiguidade linguística, potencializa a ocorrência de instruções maliciosas que burlam a programação original do sistema. Uma vez explorada, essa brecha pode resultar em violações de privacidade, divulgação de dados pessoais sensíveis ou mesmo na facilitação de condutas ilícitas.

Imagine que um interlocutor mal-intencionado elabore um enunciado astucioso, repleto de termos fictícios em português, como "Sertávio Argúseo" e "Catalizador Onírico," insinuando-se na conversação sob o disfarce de questionamento técnico-analítico, enquanto, na verdade, tem a intenção de induzir o modelo transformador a ignorar protocolos de segurança rigorosamente estabelecidos. Nessa trama, expressões crípticas aparentemente inócuas serviriam para compor um enredo sedutor, convertido em um sofisticado prompt injection, de modo a quebrar barreiras semânticas e extrair, de maneira clandestina, dados (inclusive pessoais) que deveriam permanecer invioláveis ou preservados em estado anonimizado. A engenhosidade do ataque se revelaria justamente ao mesclar fragmentos de jargão pseudoacadêmico com comandos velados, de forma que cada inflexão, por mais sutil, solapasse gradualmente as defesas internas do sistema (como filtros e hiperparâmetros), potencializando a chance de que sejam reveladas informações ou de que sejam executadas ações em contrariedade às salvaguardas originais de programação2.

Um fator essencial para compreender a relevância do tema é a dificuldade de distinguir, no plano semântico, pedidos genuínos de instruções manipuladoras. A ausência de filtros robustos, capazes de aferir a legitimidade das entradas, torna as aplicações de IA suscetíveis a comportamentos errôneos e estratégias de engenharia social. Em função disso, múltiplas camadas de proteção são recomendadas. A princípio, recomenda-se a implementação de mecanismos de autenticação e criptografia das instruções, reduzindo as oportunidades de adulteração mal-intencionada.

Contudo, tais providências não garantem imunidade irrestrita, sendo crucial o uso de métodos de detecção anômala e validações contextuais. Dessa forma, ainda que determinados excertos ou frases se apresentem de modo cordial e convincente, o sistema se torna capaz de identificar padrões incomuns, romper a cadeia de execução de comandos suspeitos e priorizar a observância das políticas de segurança e privacidade definidas em seu núcleo de controle.

A gravidade dos prompt injections extrapola o âmbito puramente técnico, evidenciando lacunas na governança e na responsabilidade daqueles que concebem, desenvolvem e gerenciam sistemas de IA. Nesse panorama, a ideia de accountability não se circunscreve a uma cobrança jurídica: implica, sobretudo, um compromisso ético e pragmático3, mediante o qual se estabelecem diretrizes claras de transparência, monitoramento constante e protocolos rígidos para a contenção de eventuais manipulações.

Nesse sentido, a urgência do debate se intensifica quando se considera o impacto negativo que um ataque de prompt injection pode acarretar. Seja pelo comprometimento de dados confidenciais, seja pela disseminação de desinformação, o prejuízo atinge tanto o usuário final quanto a credibilidade das instituições responsáveis pelo sistema.

Políticas corporativas robustas de segurança e auditoria independente surgem como respostas imperiosas a esse desafio. Ao delimitar processos de verificação, testes de invasão e manutenção de logs, torna-se possível mitigar riscos e antecipar a vulnerabilidades ocultas.

Por sua vez, a transparência sobre as limitações e funcionalidades dos modelos de IA é fundamental para alinhar expectativas e promover a colaboração. No entanto, exibir pormenores do sistema sem cautela pode municiar criminosos com subsídios para explorar falhas ainda não sanadas da própria estrutura de código do modelo. Logo, o caminho ideal envolve a conjugação de transparência seletiva e auditorias confiáveis, executadas por instâncias isentas e com acesso às informações essenciais. Esse modelo de governança reforça a accountability, pois incentiva a prestação de contas sem sacrificar a proteção dos detalhes técnicos sensíveis4.

Não se pode negar, à luz desta premissa, que a formação contínua dos desenvolvedores e programadores desponta como um pilar decisivo na prevenção de prompt injections, uma vez que o domínio de práticas de secure coding, o entendimento das sutilezas da linguagem natural e o conhecimento de protocolos de segurança devem compor a base curricular dos profissionais responsáveis pelos conjuntos de treinamento e de testes do modelo.

Paralelamente, a postura ética no desenvolvimento de algoritmos que farão a varredura dos prompts para filtrar tentativas maliciosas constitui elemento inegociável do processo, pois a complexidade técnica e linguística dos modelos revela o caráter multidisciplinar do problema. Abordagens que reúnem ciência da computação, análise semântica, psicologia do comportamento e estudos de segurança contribuem para estratégias de defesa mais holísticas, sobretudo no que tange à identificação de instruções enganosas.

Nesse cenário, a pesquisa acadêmica tem papel central: ao investigar padrões de linguagem e metodologias de auditoria, as universidades fornecem insumos valiosos que realimentam o setor industrial, contribuindo para uma evolução conjunta dos padrões de segurança. Não obstante, o dinamismo das técnicas de prompt injection exige um compromisso perene com a atualização de protocolos e ferramentas de proteção. Soluções que hoje se mostram eficazes podem tornar-se obsoletas em um curto intervalo de tempo, exigindo a adoção de metodologias adaptativas, pois não se pode ignorar o papel que exercem os próprios usuários, que, mesmo sem intenção maliciosa, podem subverter modelos de IA ao testar limites do sistema. O esclarecimento acerca dos riscos e o fornecimento de instruções de uso claras ajudam a minimizar a incidência de problemas inadvertidos.

Para além disso, a criação de selos de conformidade, certificados e normativas setoriais tende a conferir maior segurança aos usuários, que passariam a reconhecer de imediato quais soluções de IA oferecem garantias adicionais contra prompt injections. Com isso, os benefícios de se adotar posturas rigorosas de accountability transcendem a mera defesa cibernética, influenciando positivamente a reputação das organizações. Investidores e consumidores valorizam empresas que prezam pela confiabilidade de seus sistemas, estimulando um ambiente de concorrência pautado pela excelência5.

Diferentemente de um anseio meramente punitivo, a responsabilização visa fomentar a cultura de prevenção e correção de falhas, permitindo que aprendizados sejam incorporados à estrutura de desenvolvimento e manutenção de sistemas. Trata-se de converter incidentes em oportunidades de refinamento contínuo para que a mentalidade que entrelaça governança e accountability afaste a noção de que segurança é apenas um custo adicional. Pelo contrário, vislumbra-se a segurança como um componente estratégico, capaz de salvaguardar a sustentabilidade do negócio e honrar princípios éticos inegociáveis.

Abordagens como Explainable AI e a adoção de modelos híbridos, em que regras explícitas complementam técnicas estatísticas, podem coibir instruções pérfidas ao conferir maior clareza ao raciocínio computacional6. Esses mecanismos, contudo, exigem cautela para não se tornarem gargalos de performance ou alvos de ataques mais sofisticados. Outrossim, a introdução de metodologias de relatório e análise forense de incidentes realimenta a resiliência dos sistemas, criando um ciclo virtuoso de identificação de vulnerabilidades, correção rápida e compartilhamento de aprendizados, cada vez mais essenciais em meio ao avanço constante das ameaças digitais.

Diante disso, a maturidade na gestão de riscos emerge como pré-requisito para o sucesso da inovação. Se as empresas desejam ocupar posições de vanguarda na indústria de IA, devem assumir que a robustez contra prompt injections não é um luxo, mas um imperativo moral e mercadológico. Por isso, o desafio maior consiste em equilibrar a liberdade de criação com a rigidez dos controles de segurança. Uma cultura corporativa que incentive a experimentação, porém sustente mecanismos rigorosos de auditoria, tende a alcançar melhores resultados, tanto em termos de inovação quanto de proteção.

Em última instância, a consolidação de uma IA confiável repousa sobre a atuação colaborativa de equipes multidisciplinares, governos e entidades de certificação, unidas pela convicção de que a tecnologia deve servir ao bem comum. Nesse arcabouço, o combate aos prompt injections se coloca como dever incontornável. Conclui-se, pois, que a problemática dos prompt injections transcende o mero aspecto técnico, refletindo desdobramentos éticos, jurídicos e organizacionais. A accountability, concebida como princípio basilar de governança e transparência, figura como baluarte imprescindível, norteando o desenvolvimento de modelos de IA que sejam, ao mesmo tempo, avançados e seguros.

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1 LIU, Yi; DENG, Gelei; LI, Yuekang; WANG, Kailong; WANG, Zihao; WANG, Xiaofeng; ZHANG, Tianwei; LIU, Yepang; WANG, Haoyu; ZHENG, Yan; LIU, Yang. Prompt Injection Attack Against LLM-Integrated Applications. arXiv preprint arXiv:2306.05499, 2024. Disponível aqui. Acesso em: 10 abr. 2025.?

2 ROSSI, Sippo; MICHEL, Alisia Marianne; MUKKAMALA, Raghava Rao; THATCHER, Jason Bennett. An Early Categorization of Prompt Injection Attacks on Large Language Models. arXiv preprint arXiv:2402.00898, 2024. Disponível aqui. Acesso em: 10 abr. 2025.?

3 NISSENBAUM, Helen. Accountability in a computerized society. Science and Engineering Ethics, [S.l], v. 2, n. 3, p. 25-42, 1996. p. 25.

4 WALDMAN, Ali Ezra. Algorithmic legitimacy. In: BARFIELD, Woodrow (ed.). The Cambridge Handbook of the Law of Algorithms. Cambridge: Cambridge University Press, 2021. p. 119.

5 FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura. Accountability e devida diligência como vetores da governança corporativa nos mercados ricos em dados. Revista Semestral de Direito Empresarial, Rio de Janeiro, v. 26, p. 183-211, 2020.

6 Com efeito: "Considerando a expansão do uso da inteligência artificial, mais especificamente do machine learning, em sistemas críticos de diversas áreas como, por exemplo, diagnósticos médicos, concessão de crédito, apoio a decisão jurídica, sistemas militares, controle aéreo, dentre outras, torna-se fundamental que as decisões sugeridas (ou tomadas) por estes sistemas possam ser validadas (ou auditadas) por seres humanos, tornando-se necessária a implementação de modelos computacionais capazes de abrir a caixa preta, expondo, em linguagem natural ou visualmente, os fundamentos que justificam a decisão tomada pela aplicação". CAMARGO, Gustavo Xavier de. Decisões judiciais computacionalmente fundamentadas: uma abordagem a partir do conceito de Explainable Artificial Intelligence. In: FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; LONGHI, João Victor Rozatti; GUGLIARA, Rodrigo (coord.). Proteção de dados pessoais na sociedade da informação: entre dados e danos. Indaiatuba: Foco, 2021. p. 422.