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A falta que faz um X

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Atualizado às 07:24

O fechamento de uma big-tech de redes sociais no Brasil, como ocorreu com o X (ex-Twitter) no último dia de agosto, pode ter uma série de consequências significativas que vão além de afetar diretamente quase que 10% da população brasileira que usa seus serviços1. A saída do X do Brasil trará consequências econômicas, sociais, científicas e políticas. Vamos iniciar esse tempo comentando um pouco sobre o X para ajudar a montar um contexto sobre a expulsão dos seus serviços no Brasil.

Quem é o X da questão?

A empresa original, Twitter, foi fundada em 2006 por três visionários (Jack Dorsey, Biz Stone, e Evan Williams) sob o conceito de ser uma plataforma de microblog que permitia aos usuários enviar mensagens curtas de até 140 caracteres, conhecidas como tweets. O Twitter rapidamente ganhou popularidade como uma plataforma para comunicação rápida e disseminação de informações em tempo real, especialmente durante eventos ao vivo e notícias de última hora.

Ao longo dos anos, o Twitter enfrentou uma série de desafios relacionados ao crescimento de usuários, rentabilidade e, como sempre, às questões de moderação de conteúdo. Essas mesmas situações continuaram, mesmo depois de outubro de 2022, quando Elon Musk adquiriu o Twitter por aproximadamente US$ 44 bilhões e fechou seu capital. Ainda no mesmo ano, Musk anunciou várias mudanças na plataforma e na sua estrutura organizacional, incluindo alterações de políticas, promovendo demissões de pessoal e lançamentos de novas funcionalidades.

Em 2023, Musk anunciou um rebranding do Twitter para "X," refletindo sua visão de transformar a plataforma num "super app", ou seja, expandir o escopo da plataforma além de sua função original de rede social, incorporando serviços financeiros e outros tipos de funcionalidades integradas, similar ao que é feito por super apps como o WeChat da China.

O X, atualmente, não é uma empresa independente, mas é uma das três empresas coligadas que formam a X Corp., que também nasceu no mesmo ano de 2023. Só para formar um contexto mais amplo, uma das duas outras empresas foi criada com a intenção única de adquirir um empréstimo de US$ 13 bilhões justamente para adquirir o Twitter. Ainda sobre o conglomerado, a X Corp., é uma subsidiária da X Holding Corporation. Ambas as X, são empresas sediadas no estado de Nevada, nos EUA.

Com um escritório no Brasil desde 2012, o X encerrou suas operações no último dia 17 de agosto, citando a ameaça do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de prender a representante legal da empresa no país. Na época, o X local era uma empresa com cerca de 40 funcionários dirigidos Linda Yaccarino, diretora-executiva da big tech. Antes do período de instabilidade da empresa no Brasil, o X empregava 150 funcionários2.

Alguns conjecturam sobre a pouca relevância da plataforma no Brasil relativamente a outros países. No entanto, conforme dados públicos do Statista, de abril deste ano, o Brasil era o sexto país com o maior número de usuários ativos no X, totalizando 21,48 milhões de usuários, ficando atrás do Reino Unido (24.3), Indonésia (24.8), Índia (25.4), Japão (69.2) e Estados Unidos (106.2). Por outro lado, a plataforma sofreu uma queda de 40% na receita um ano após a aquisição de Elon Musk, de acordo com o Wall Street Journal. O último relatório financeiro público da X é referente ao segundo trimestre de 2022, quando a empresa reportou uma receita de US$ 1,18 bilhão e um prejuízo de US$ 270 milhões3.

Voltemos agora para analisar os eventuais impactos da saída desta empresa do Brasil.

Consequências econômicas

  • Perda de Empregos: Essa é a consequência mais óbvia. Os funcionários locais do X já perderam seus empregos, no entanto, como a empresa também tinha como fonte de rendimento a propaganda, diversos postos indiretos dos produtores de conteúdo de marketing digital também perderam uma fonte de recurso.
  • Impacto em Negócios Locais: Muitas pequenas e médias empresas que dependem de plataformas de redes sociais para marketing e vendas diretas podem enfrentar desafios de encontrar seus clientes potenciais em novas redes sociais. A saída do X reduz o alcance de mercado destas empresas e afeta potencialmente suas receitas.
  • Investimentos Estrangeiros: Pode haver uma redução no investimento estrangeiro direto, à medida que outras empresas de tecnologia reconsiderarem suas operações e investimentos futuros no país, temendo condições regulatórias, instabilidade jurídica ou sujeição às políticas semelhantes do STF. 

Consequências sociais e acadêmicas

  • Alteração na Dinâmica de Comunicação: Os usuários que dependiam desta rede social para manter conexões pessoais e profissionais precisam migrar para outras plataformas, o que pode alterar a dinâmica social. Três dias após o fechamento do X, seu concorrente mais próximo, a BlueSky, atraiu mais de 2 milhões de novos usuários4. Só por curiosidade, o próprio STF já abriu um perfil nesta plataforma que ainda não tem um representante legal no país, como exigido ao X5.
  • Impacto na Informação e Mídia: Esta rede social recentemente se tornou uma fonte crítica de notícias e informações para muitos usuários. Seu fechamento afeta o acesso à informação e a pluralidade das fontes.
  • Acadêmica: Entre as redes sociais, o atual X e o seu antecessor Twitter, eram as únicas fontes abertas de informação em redes sociais usadas por pesquisadores em todo o mundo. Particularmente, eu iniciei minhas pesquisas sobre um tema de Análise de Opinião/Sentimentos usando o Twitter em 2014. Os interessados em saber mais sobre o uso desta plataforma para a pesquisa podem utilizar o link nesta referência bibliográfica6. 

Consequências políticas 

  • Regulação e Censura: O fechamento do X é uma consequência clara de desentendimentos sobre políticas de regulação das mídias sociais, e também sobre censura e políticas de privacidade. A consequência é a intensificação de debates sobre temas anteriormente consagrados na sociedade e no arcabouço legal, tais como a liberdade de expressão e controle governamental sobre serviços privados. Um dos motores do desentendimento partiu de Alexandre de Moraes na inclusão de Elon Musk como investigado no inquérito das milícias digitais (INQ 4874). Como se não bastasse, o ministro instaurou um inquérito para investigar as ações de Musk em relação a crimes de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime.
  • Impacto em Campanhas e Mobilização: Partidos políticos e ativistas de todos os espectros políticos e ideológicos sempre usaram as plataformas sociais para mobilizar e engajar cidadãos nos seus temas de campanhas. A descontinuidade da ferramenta de divulgação irá dificultar a replicação desses esforços em outras plataformas.
  • Alinhamento político: A partir deste bloqueio o Brasil passa a fazer parte de um pequeno número de países que já usaram do mesmo expediente de exclusão digital, ou seja, figura ao lado da China que baniu também o Facebook, o Flickr e o Hotmail em 2009; o Iran que também baniu o X em 2009; a Rússia que em 2022 restringiu o acesso ao X, Facebook e Instagram; a Korea do Norte que em 2016 excluiu o então Twitter, o Facebook, YouTube e vários outros serviços web; o Turcomenistão que em 2018 bloqueou aplicativos de mídias sociais como X, WhatsApp e Facebook, além de sites de notícias estrangeiras e de oposição; Mianmar que após um golpe de estado em 2021 baniu o Instagram e o X; além do Uzbequistão que também pertence ao seleto grupo.

Consequências tecnológicas

Surgimento de Alternativas: O que se espera é que os usuários continuarão pautando seus serviços, informações e opiniões eventualmente em novos espaços digitais que impulsionarão o crescimento de plataformas sociais locais, regionais ou internacionais que preencham o vácuo deixado, incentivando e estimulando o desenvolvimento de novas tecnologias.

As tecnologias de informação e comunicação social (TICS) abriram não só um novo mundo de comunicação dando voz a todos os cidadãos, como também passou a fornecer recursos aos pequenos empreendedores e assim facilitar sua projeção no mundo virtual. É também notável que essas mesmas TICS criaram e promoveram um espaço de difusão e expressão de ideias de grupos anteriormente dispersos geograficamente. Nós, usuários das redes sociais, criamos um universo virtual e paralelo de opções sem fazermos oposição ao mundo analógico anterior. Nos apossamos da liberdade de expressão e nos regulamos internamente pelos recursos de criação e movimentação entre os diversos grupos de discussão que nos acolhe na web. Criamos um espelho digital das interações sociais físicas que transcende barreiras geopolíticas e nos aproxima pelos interesses comuns. Já são quase 30 anos da internet comercial no Brasil. Nesse tempo formamos uma geração inteira, jovem e brilhante, criada nos moldes da livre expressão. Não há luz no fim do túnel para iniciativas que rompam essa nova realidade, com esse novo mundo.

Para entender melhor esse drama: uma timeline parcial do X no Brasil

  • Nov./2022 Equipes de moderação do Twitter são reduzidas e, depois, terceirizadas
  • Dez./2022 Elon Musk suspende perfis de jornalistas que publicam localização em tempo real de pessoas, inclusive do seu jato particular
  • Jan./2023 Twitter começa a ser denunciado por ocorrências do 8 de janeiro
  • Abr./2023 Depois de ataques em escolas públicas, a justiça exige maior controle no conteúdo das mensagens postadas
  • Abr./2023 Dia 24, nasce o X
  • Abr./2023 Surgem notícias que o X cumpre pedidos de remoção e de moderação de perfis específicos
  • Mai./2023 Linda Yaccarino é a nova CEO da empresa
  • 03 de Abr./2024 Começam os Twitter Files Brasil
  • 06 de Abr./2024 Musk compartilha os Twitter Files Brasil. Avisa que divulgará todos os pedidos de informação feitos por Alexandre de Moraes e removerá todas as restrições impostas à perfis do X feitas por ordem judicial
  • 07 de Abr./2024 Moraes inclui Elon Musk no inquérito das milícias digitais
  • 03 de Mai./2024 X para de exibir anúncios políticos no Brasil. Segue a decisão da Google
  • Jul./2024 X começa a treinar IAs com os dados dos usuários
  • 18 de Ago./2024 X recebe mandado de intimação e anuncia o fim da operação no Brasil
  • 28 de Ago./2024 STF intima X a apresentar representante legal no Brasil em até 24h
  • 30 de Ago./2024 Moraes determina o bloqueio do X por operadoras, redes de telefonia e lojas de aplicativos
  • 31 de Ago./2024 X é bloqueado no Brasil.

Não tenho conclusão. Talvez o desfecho fosse outro se tivéssemos seguido os trâmites usuais vistos num estado democrático de direito: denúncia, investigação, inquérito, acusação, audiência, julgamento, veredito, sentença, apelação execução da sentença. Cada etapa cumprida pela instância competente assegurando os direitos das partes. 

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1 X perde usuários no Brasil e seu bloqueio deve esvaziar ainda mais o portfólio de anunciantes. Valor Econômico. Disponível aqui. Último acesso em 3 de setembro de 2024.

2 Na gestão de Elon Musk, relevância da X no Brasil é posta em xeque. InfoMoney. Disponível aqui. Último acesso em 3 de setembro de 2024.

3 X's Tumultuous First Year Under Elon Musk, in Charts. Wall Street Jornal. Disponível aqui. Último acesso em 3 de setembro de 2024.

4 Com queda do X, BlueSky conquista mais de 2 milhões de novos usuários. Metrópoles. Disponível aqui. Último acesso em 3 de setembro de 2024.

5 Why Brazil's Supreme Court blocked X and what it means for the platform. Economic Times. Disponível aqui. Último acesso em 3 de setembro de 2024.

6 Exemplo de aplicações do Twitter no âmbito acadêmico. Link para teste aqui. Último acesso em 3 de setembro de 2024.