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A notável contribuição feminina à proteção de dados

sexta-feira, 10 de março de 2023

Atualizado às 07:57

A ciência do Direito tem se desenvolvido substancialmente a partir da relevante contribuição feminina em diversas áreas. O mesmo pode ser observado no desenrolar dos sistemas de proteção de dados pessoais no Brasil e em outros países: a notável contribuição feminina à matéria. Portanto, a coluna Migalhas de Proteção de Dados desta semana dedica uma merecida homenagem a todas as mulheres a partir da análise de algumas representantes que tiveram um papel importante à disciplina em torno da proteção de dados.

Para além de um direito à proteção de dados pessoais, Ann Cavoukian, que foi Information e Privacy Commissioner de Ontário, Canadá, realçou sete princípios fundamentais para a construção de uma salvaguarda da privacidade e proteção dos dados pessoais, desde a concepção dos projetos:

(i) "Proactive not reactive, preventive not remedial" - deve-se antever os riscos, a fim de preveni-los;

(ii) "Privacy as the default setting" - privacidade incorporada como padrão;

(iii) "Privacy embedded by design" - privacidade incorporada ao design;

(iv) "Full functionality - positive-sum, not zero-sum" - funcionalidade completa do produto ou serviço com a configuração de privacidade padrão, ou seja, não se deve dispor integralmente as funcionalidades apenas para aqueles que alterarem a política de privacidade;

(v) "End-to-end security - full lifecycle protection" - proteção durante todo o ciclo de vida;

(vi)  "Visibility and transparency - keep it open" - visibilidade e transparência;

(vii) "Respect for user privacy - keep it user-centric" - respeito pela privacidade do titular.1

Já tivemos oportunidade de destacar a distinção entre o direito à privacidade e o direito à proteção de dados.2 Sobre tal distinção, Giusella Finocchiaro3 destaca que determinado dado pessoal, ainda que não seja privado, é objeto de tutela pela legislação sobre proteção de dados pessoais. Portanto, conclui que a definição de dado pessoal não faz referência direta nem indireta à privacidade.

Todavia tais direitos se tangenciam em diversas situações como a possibilidade de o titular de dados exercer o direito à oposição do seu tratamento de dados pessoais como uma forma de assegurar seu direito à privacidade. Este direito é estudado incansavelmente no Direito e passou por muitas transformações dado o desenvolvimento dos meios de comunicação.

Neste sentido, Helen Nissenbaum4 desenvolveu uma análise muito interessante sobre como se interpretar a "privacidade" diante de distintos contextos. Desta forma, para a construção do que se entende por privacidade, deve-se levar em consideração as expectativas de cada pessoa nos mais distintos contextos. Realmente, com a exposição exagerada viabilizada pelas redes sociais, por exemplo, seria impraticável compreender a privacidade apenas como o "direito de ser deixado só".

Ademais, a economia informacional apresentou muitos desafios ao enforcement das leis de proteção de dados, o que está sendo ainda mais difícil diante das tecnologias com base em Inteligência Artificial. Por isso, Shoshana Zuboff5 afirma que os gigantes do capitalismo de vigilância devem intensificar a competição para continuar lucrando no contexto dos novos mercados tendo em vista o comportamento futuro diante das novas tecnologias. Isto porque mesmo os processos mais sofisticados de conversão de comportamentos em lucro dependem da habilidade de prever o futuro com precisão, dependendo da matéria-prima disponível, que são as informações pessoais.

Na América Latina, a representação feminina na construção científica da proteção de dados pessoais também é evidente. Esta disciplina se conecta intimamente com o Direito do Consumidor, assim, a doutrina consumerista, aqui representada por Claudia Lima Marques6 servirá de base para o desenvolvimento da proteção de dados no Brasil.

A jurista brasileira destaca a vulnerabilidade digital dos consumidores, com ênfase no comércio eletrônico, publicidade digital e na utilização indevida de dados para a oferta de crédito, que pode levar os consumidores ao superendividamento. De fato, a proteção de dados foi levada a efeito no Projeto de Lei que tramitou desde 2012 e que se transformou na lei 14.871/2021 (Lei do Superendividamento). 

A própria Autoridade Nacional de Proteção de Dados - ANPD conta com a participação de duas mulheres combatentes no Conselho Diretor, Dra. Nairane Farias Rabelo Leitão e Dra. Miriam Wimmer. Esta atuação firme e profícua demonstra que o protagonismo feminino em matéria de proteção de dados pessoais foi fundamental para a construção do sólido sistema que hoje serve à construção deste direito e garantia fundamental.

O Conselho Nacional de Proteção de Dados e Privacidade da ANPD é composto por importantes Conselheiras cuja atuação nas mais diversas frentes, seja no setor público seja no setor privado, confirmam uma vez mais o protagonismo feminino na área.

São membros titulares do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais: Michele Nogueira Lima; Laura Schertel Ferreira Mendes; Natasha Torres Gil Nunes; Ana Paula Martins Bialer; Annette Martinelli de Mattos Pereira; Patrícia Peck Garrido Pinheiro e Débora Sirotheau Siqueira Rodrigues.

Portanto, na coluna Migalhas de Proteção de Dados desta semana, em que se comemorou o Dia da Mulher no dia 08 de março, não podíamos deixar de prestar merecidas homenagens a estas cientistas, juristas, doutrinadoras, advogadas, diretoras e conselheiras. Claro que deveríamos mencionar nominalmente cada uma que tem atuado brilhantemente na área, mas como são muitas, esta coluna ficaria demasiadamente longa. E se quiséssemos mencionar todas as mulheres importantes para a proteção de dados, correríamos o risco de pecar deixando de mencionar algumas delas.

Em suma, este texto pretende demonstrar o protagonismo feminino em matéria de proteção de dados pessoais ao destacar a atuação de algumas doutrinadoras da área, estendendo tal homenagem a todas as mulheres.

__________

1 CAVOUKIAN, Ann. Privacy by Design. The 7 Foundational Principles. Toronto: Information and Privacy Commissioner of Ontario, 2011, pp. 01-02. Disponível aqui. Acesso em: 07 mar. 2023.

2 LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. Políticas de proteção de dados e privacidade e o mito do consentimento. In: Migalhas de Proteção de Dados, sexta-feira, 15 de janeiro de 2021, disponível aqui. Acesso em: 07 mar. 2023.

3 FINOCCHIARO, Giusella. Privacy e protezione dei dati personali: disciplina e strumenti operativi. Bologna: Zanichelli, 2012. p. 36 - 37.

4 NISSENBAUM, Helen. Privacy in Context. Technology, Policy, and the Integrity of Social Life. Stanford, EUA: Stanford University Press, 2010, passim.

5 ZUBOFF, Shoshana. The Age of Surveillance Capitalism: the fight for a human future at the new frontier of power. Nova York: Public Affairs, 2019. p. 198.

6 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.