O fundamento do direito à desindexação na Lei Geral de Proteção de Dados
sexta-feira, 2 de setembro de 2022
Atualizado às 07:47
Introdução
A LGPD não trouxe previsão expressa do direito à desindexação dentre os direitos assegurados aos titulares de dados nos artigos 17 a 22 da lei, no entanto, não se deve olvidar que este é um rol exemplificativo na medida em que a proteção de dados pessoais é um direito fundamental e integra o rol dos direitos de personalidade. Assim, o próprio art. 5º da CF/88 traz a possibilidade de outros direitos e garantias fundamentais previstos em Tratados Internacionais dos quais o Brasil seja signatário (cláusula geral de reenvio prevista no § 3º). Semelhantemente, o Código Civil menciona alguns direitos de personalidade de forma exemplificativa1 (arts. 11 a 21 do CC/02), pois a tutela privada dos direitos de personalidade impõe uma releitura dos fundamentos do Direito Privado, como alertava Orlando Gomes2.
Neste sentido, Pietro Perlingieri3 afirma que o fundamento da tutela dos direitos de personalidade é único, porém as manifestações da personalidade humana são múltiplas e não se pode identificar todas estas variedades a priori.
1 Conceito e limites do direito à desindexação
Pizzetti Franco4 define o direito à indexação como: "o direito de não ver facilmente encontrada uma notícia que não seja mais atual. O efeito principal da indexação e difusão da notícia por meio das ferramentas de busca é, de fato, colaborar de maneira contínua para a atualidade das informações e criar um perfil da pessoa a que se referem".
Para se compreender o direito à desindexação, deve-se recordar que as ferramentas de busca coletam informações a partir dos parâmetros indicados pelos usuários, classificando-as a partir de algoritmos de relevância da informação, restando claro que estas ferramentas realizam tratamento de dados pessoais. Portanto, surge a questão sobre as hipóteses legais para sustentar esse tratamento de dados.
No art. 7º da LGPD, constatam-se as hipóteses para tratamento de dados pessoais, quais sejam: o consentimento do titular de dados; cumprimento de obrigação legal ou regulatória; pela administração pública, quando necessário à execução de políticas públicas; para a realização de estudos por órgão de pesquisa (garantida a anonimização sempre que possível); para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares; para exercício regular de direito em processo judicial, administrativo ou arbitral; para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiros; para a tutela da saúde; para atender interesses legítimos dos agentes de tratamento ou de terceiros; e para a proteção do crédito, conforme a Lei do Cadastro Positivo (lei 12.414/2011).
O art. 11 da LGPD, por sua vez, estabelece as bases para o tratamento de dados pessoais sensíveis,5 a saber: consentimento; cumprimento de obrigação legal ou regulatória; pela administração pública quando necessário à execução de políticas públicas; para a realização de estudos por órgão de pesquisa (garantida a anonimização sempre que possível); exercício regular de direito; obrigação legal ou regulatória; para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro; - para a tutela da saúde; e para a prevenção à fraude e à segurança do titular de dados. Percebe-se que, embora semelhantes, as hipóteses para o tratamento de dados pessoais sensíveis são mais restritivas, não se admitindo para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares, para atender aos interesses legítimos dos agentes de tratamento de dados e para proteção do crédito.
Desta forma, a indexação somente pode se sustentar se estiver embasada em uma das hipóteses autorizadoras para o tratamento de dados pessoais acima elencadas. Uma das hipóteses é o consentimento. Muito embora não seja esta a única base para o tratamento de dados pessoais, é inegável a relevância desta hipótese legal para que o tratamento de dados seja realizado. Portanto, quando a indexação estiver embasada apenas no consentimento6, a LGPD garante ao titular de dados pessoais o direito de revogar o consentimento (art. 18, inc. IX da lei).
Neste sentido, pode-se afirmar que o direito à desindexação é um direito que decorre do sistema de proteção dos dados pessoais, segundo o qual o titular dos dados pode se opor ao tratamento de dados realizado sem uma base legal que o sustente ou quando o titular de dados se oponha, revogando o consentimento manifestado de forma expressa ou inequívoca.
Quanto aos limites do direito à desindexação, deve-se atentar às circunstâncias legais que autorizam o tratamento de dados pessoais, independentemente do consentimento do titular de dados. Portanto, nestas hipóteses, não caberá o direito à desindexação, pois existe um fundamento legal, que deve ser demonstrado pelo agente de tratamento de dados em função do princípio da responsabilidade e prestação de contas (accountability) nos termos do inc. X do art. 6º da LGPD.
Fundamento legal do direito à desindexação em uma perspectiva civil-constitucional
O direito à desindexação está intimamente ligado à autodeterminação informativa, entendida como o direito subjetivo da pessoa de poder controlar o acesso, o fluxo e o compartilhamento de suas informações pessoais, o direito à proteção de dados deve ser visto como um direito fundamental. Os desafios para a concretude deste direito no contexto das novas tecnologias, cuja capacidade de armazenamento e a perenização da informação são facilmente alcançadas, são muitos. Segundo a opinião de Viktor Mayer-Shönberger7, a "Internet precisa nos permitir esquecer". Porém, destaca o autor, que, no caso González vs. Google Spain, a informação já estava ultrapassada e era irrelevante, portanto, não era necessária a sua preservação. Viktor destaca que não resgatar eventos e notícias descontextualizadas e desatualizadas é fundamental para a evolução do ser humano e o perdão.
Cumpre destacar este o direito à desindexação é próprio ao sistema de informação, pois implica na coleta, seleção e organização de dados pessoais a partir dos parâmetros de busca definidos por algoritmos. Neste sentido, Jonathan Zittrain8 entende que, na verdade, o direito que se pretende é que a sua vida não seja apresentada por uma máquina sem que haja revisão, e de maneira tão trivial, basta digitar uma palavra de busca e um clique. Segundo o autor, este direito é legítimo. E a solução mais eficaz está na arquitetura da rede, disseminando ferramentas tecnológicas que subordinam a acessibilidade de determinado dado a um lapso temporal.
Portanto, o direito à desindexação tem fundamento na própria Constituição Federal, art. 1o, inc. III (dignidade da pessoa humana), além do art. 12 do Código Civil quanto à tutela privada dos direitos de personalidade. A própria Constituição Federal, §1º do art. 2209, estipula fatores que relativizam a liberdade de informação e de expressão como a proteção dos direitos da personalidade, pois cediço que nenhum direito é absoluto.
Por isso, um site de ferramenta de busca e indexação na Internet pode ser obrigado a estabelecer ferramentas de filtros para que determinado conteúdo não seja mais indexado conforme um determinado parâmetro de busca, sem, contudo, removê-la do provedor de conteúdo, da fonte primária, o que caracterizaria o direito à desindexação.
Por ser o principal prejudicado, o titular do exercício do direito à desindexação, como um direito de personalidade, é a própria pessoa, detentora de suas informações pessoais veiculadas, processadas e transmitidas. Em contrapartida, excepcionalmente, a pretensão poderá ser exercida por seus sucessores nos termos do parágrafo único do art. 12 do Código Civil brasileiro, que confere tal legitimidade para a tutela dos direitos da personalidade.
Conclusão: o fundamento do direito à desindexação na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
Além disso, o fundamento legal para o direito à desindexação depende da hipótese em questão. Se o tratamento tiver sido realizado com base nas hipóteses legais para tal atividade, exceto o consentimento, a LGPD possibilita o direito à desindexação por meio da oposição facultada aos titulares de dados nos termos do art. 18, § 2o: "O titular pode opor-se a tratamento realizado com fundamento em uma das hipóteses de dispensa de consentimento, em caso de descumprimento ao disposto nesta Lei". A parte final deste dispositivo legal ("em caso de descumprimento ao dispositivo da Lei") foi acrescentada na discussão do texto da lei no Congresso Nacional. Desta forma, o legislador deixa clara a possibilidade de se opor ao tratamento de dados pessoais, que pode ser à indexação, quando o agente de tratamento de dados não demonstrar nenhuma hipótese legal para o tratamento de dados pessoais, fato que demonstraria um descumprimento à LGPD.
O outro fundamento legal para o direito à desindexação é a possibilidade de revogação do consentimento pelo titular de dados pessoais prevista no inc. IX do art. 18 da LGPD. Em outras palavras, quando a indexação estiver fundamentada no consentimento expresso ou inequívoco do titular, este poderá exercer o direito à desindexação revogando o consentimento.10
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1 De acordo com Gustavo Tepedino: "Deverá o interprete romper com a ótica tipificadora seguida pelo Código Civil, ampliando a tutela da pessoa não apenas no sentido de admitir um aumento das hipóteses de ressarcimento, mas, de maneira muito ampla, no intuito de promover a tutela da personalidade mesmo fora do rol de direitos subjetivos previstos pelo legislador codificador". TEPEDINO, Gustavo. Cidadania e os direitos da personalidade. In: Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe. Aracaju, n. 3, 2002, p.4.
2 Introdução ao Direito Civil. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 150.
3 Manuale di Diritto Civile. 6. ed. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2007. p. 149.
4 Le Autorità Garanti per la Protezione dei Dati Personali e la Sentenza della Corte di Giustizia sul Caso Google Spain: è Tempo di Far Cadere il "Velo di Maya". In: Il Diritto dell'informazione e dell'informatica, 2014, fasc. 4-5, Giuffrè, pp. 805 - 829. p. 808: "[...] il diritto a non vedere facilmente trovata una notizia non più attuale. L'effetto principale della indicizzazione e diffusione delle notizie attraverso il motore di ricerca è infatti quello di concorrere in modo contino a riattualizzare tutte le informazioni, facendole diventare tutte elementi del profilo in atto della persona a cui si riferiscono."
5 Dados pessoais sensíveis são definidos no inc. II do art. 5º da LGPD, a saber: "dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural".
6 Que pode ser expresso ou inequívoco conforme estabelece o inc. XII do art. 5º da LGPD e o caput do art. 8º da LGPD. Cf. LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. Consentimento inequívoco versus expresso: o que muda com a LGPD? In: Revista do Advogado, ano XXXIX, n. 144, pp. 60 - 66. São Paulo: AASP, 2019.
7 Entrevista pulicada no Estadao.com.br, Cultura Digital, em 08/06/2014.
8 Opinion In New York Times. Disponível em aqui, Don't Force Google to 'Forget', acesso em 15 de mar. 2021.
9 Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
10 Para o estudo mais aprofundado sobre o tema, vide: LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. O direito à desindexação em uma perspectiva civil-constitucional. In: SARLET, Gabrielle Bezerra Sales; TRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth; MELGARÉ, Plínio. Proteção de Dados: temas controvertidos. Indaiatuba: Foco, 2021.