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A atuação da Procuradoria Geral do Estado do Amazonas nas políticas públicas em cuidados paliativos

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Atualizado em 26 de julho de 2024 14:47

No dia 14/12/23, o Ministério da Saúde, em reunião da CIT - Comissão Intergestores Tripartite deu seu aval para a criação da Política Nacional de Cuidados Paliativos, que foi lançada em 28/5/24, por meio da portaria GM/MS 3.681/2024.1 A medida deve garantir suporte a pacientes pediátricos e adultos que vivem com doenças graves e/ou incuráveis pelo SUS.

A decisão deve colaborar para o estabelecimento de equipes multidisciplinares que irão implementar a política em todo o país, visando oferecer cuidados paliativos precocemente em casos de doenças ameaçadoras da vida, prevenindo sofrimento físico, psicológico, social e espiritual, estendendo os cuidados à fase de luto.

A proposta dos cuidados paliativos é reduzir a dor e o sofrimento de pacientes com doenças graves em estágios avançados e/ou em terminalidade, incluindo seus familiares. A medicina paliativa é ofertada com suporte multidisciplinar abordando a morte como um processo natural.

De acordo com a OMS, essa abordagem de cuidado é fundamental nos sistemas de saúde. No entanto, somente 14% das pessoas que precisam têm acesso a cuidados paliativos no mundo.2 Já no Brasil a realidade é bem pior: A despeito de um aumento considerável destes serviços de 2018 a 2023 (32,20%), este acréscimo é insuficiente para colocar o país dentre as nações com bom nível de cobertura na área.3

O sudeste conta com o maior número de serviços, totalizando 98. Em seguida, vem a região nordeste com 60 serviços; a região Sul com 40, Distrito Federal com 16, e após, o Norte que possui 7 serviços. Destes 7, apenas 1 é atribuído ao Amazonas, pela FCECON - Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas.4

Diante desta realidade, a criação da Política Nacional de Cuidados Paliativos representa um avanço, pois pretende formar ao todo 1.321 equipes de cuidados paliativos que terão investimento do Ministério da Saúde e cuja execução dependerá da adesão de estados e municípios.5

Em breve restrospecto histórico, noticia-se que os cuidados paliativos remontam à Europa medieval e o termo advêm de pallium, manto usado pelos cavaleiros para proteção contra tempestades ao longo do caminho. De pallium nasceu a palavra paliar, que significa proteger, aliviar. (MCCOUGHLAN, 2004).

O movimento paliativista foi uma resposta ao exacerbado poder conferido à instituição médica, que produzia um fim de vida medicalizado (MENEZES, 2004). Na década de 70, o movimento pelos direitos dos pacientes, iniciado nos EUA, previa a defesa do direito de morrer com dignidade num novo modelo de prática médica que compreendia o processo de morrer não pela perspectiva médica, mas pela perspectiva do paciente (SCHAEFER, 2020).

Hoje a IAHPC - International Association for Hospice & Palliative Care aduz que: Os cuidados paliativos são cuidados holísticos ativos, ofertados a pessoas de todas as idades que se encontram em intenso sofrimento relacionados à sua saúde, proveniente de doença grave, especialmente aquelas que estão no final da vida. O objetivo dos cuidados paliativos é, portanto, melhorar a qualidade de vida dos pacientes, de suas famílias e de seus cuidadores.6

WHPCA - Worldwide Hospice Palliative Care Alliance juntamente com a Organização Mundial de Saúde, por meio de seu Global Atlas of Palliative Care at the End of Life, reconheceu o cuidado paliativo como um direito humano, cujo acesso possibilita alívio do sofrimento em variados contextos patológicos.

No âmbito nacional, após a instituição de vários programas de assistência à dor e de diretrizes para organização dos cuidados paliativos no âmbito do SUS, 7-8-9 o Ministério da Saúde, como acima citado, lançou a Política Nacional de Cuidados Paliativos - portaria GM/MS 3.681/24.

Também o Conselho Federal de Medicina, por meio da resolução 1.805/06, já consagrou a filosofia dos cuidados paliativo ressaltando que devem ser ministrados para o conforto físico, psíquico, social e espiritual do paciente.10

Diante das perspectivas postas, e descendo ao contexto institucional surgem as Procuradorias dos Estados qualificadas na Constituição Federal como essenciais à justiça e que têm por finalidade a defesa judicial e extrajudicial e a consultoria jurídica dos entes federados (art. 132).11 Passam, a partir daí, a integrar o sistema de democratização com dever de garantir a constitucionalidade e legalidade dos atos praticados pelo governo estadual.

Essa atribuição constitucional é de extrema relevância, pois é exercida em situações concretas através da emissão de pareceres, propositura de ações judiciais, prestação de assessoria e consultoria jurídica, advocacia preventiva, entre outras, influindo diretamente na visão que construirá as ações estatais. 

A lei 1.639/83 - lei orgânica da Procuradoria do Estado do Amazonas, em seu art. 2º, apresenta as suas competências, revelando que a Procuradoria Geral do Estado do Amazonas possui três principais funções: Judicial, de consultoria e de assessoramento, que juntas permitem a sua atuação na execução de medidas administrativas e judiciais para efetivação de políticas públicas, com destaque aqui, para àquelas voltadas aos cuidados paliativos.

A implantação de homecare para pessoas com doenças crônicas, a ação judicial proposta para regularizar o fornecimento de medicamento (letrozol) e participação na Câmara de Resolução Extrajudicial de Litígios de Saúde são exemplos desta atuação significativa e decisiva da PGE/AM.

O Governo Federal criou, em nível nacional, o programa "Melhor em casa", destinado a regular a atenção domiciliar pelo SUS, no ano de 2011. O programa é desenvolvido em nível municipal e estadual, a depender do grau de complexidade do paciente e o tipo de atenção que necessite.

Conforme divulgação do Ministério da Saúde, a AD - atenção domiciliar é modalidade de atenção à saúde, sendo substitutiva ou complementar a internação hospitalar, caracterizada por um conjunto de ações de promoção à saúde, prevenção e tratamento de doenças e reabilitação prestadas em domicílio.

Seguindo o legado da atenção domiciliar americana, o programa brasileiro busca reduzir a demanda por atendimento hospitalar e o período de permanência de usuários internados, aliado à humanização da atenção à saúde, ampliação da autonomia dos usuários e melhor aproveitamento de recursos financeiros e estrutura hospitalares.

A defesa do modelo de atenção domiciliar vem sendo realizada pela Procuradoria do Estado do Amazonas, uma vez que a judicialização da saúde, por vezes, desvirtua o programa. Decisões judiciais que determinam o ingresso de pacientes no programa sem que tenham sido avaliados pela equipe multidisciplinar, acabam por determinar a má-prestação do serviço.12

Assim, a PGE atua na defesa do erário para a manutenção correta da política pública, impedindo desvirtuamento causado pela judicialização e/ou por interesses estranhos à prestação do serviço. Além da atuação segura, com medidas processuais adequadas, a PGE também realiza a defesa do programa de atenção domiciliar por meio de oferecimento de seminários sobre saúde pública, para sensibilizar magistrados e operadores da lei a seguirem diretrizes legais do SUS.

Desde 2019, por determinação do Judiciário local, o serviço de atenção domiciliar integral é fornecido à paciente menor de idade que foi representado pelo Ministério Público Estadual em ação judicial com esse pedido. Em razão dessa decisão, o Estado foi obrigado a licitar e contratar empresa especializada para a prestação desse serviço de atendimento.

Após a contratação, a prestação do serviço de home care não ocorreu de forma pacífica, tendo surgido atritos entre a equipe multidisciplinar e a responsável pelo paciente, levando a empresa a abandonar a assistência, causando prejuízo direto e real a quem não tem como sobreviver sem a prestação do serviço de cuidado paliativo.

A Procuradoria Geral do Estado do Amazonas, acionada pela Secretaria de Saúde, ingressou com tutela de urgência em caráter antecedente para determinar à empresa a proibição de paralisar os serviços decorrentes do contrato, assim como cumprir todas as cláusulas ali encartadas, por se tratar de direito à saúde e risco de morte do paciente.

E diante da atuação segura e precisa da Procuradoria do Estado, o Judiciário local concedeu a tutela de urgência nos autos do processo 0440046-72.2023.8.04.0001, determinando à contratada a proibição de paralisar o serviço, bem como o fiel cumprimento de todas as suas cláusulas, sob pena de multa diária de R$35.000,00.

Na seara dos contratos em sede de cuidados paliativos, tem-se que o Estado, por meio de sua Fundação Pública de atenção oncológica, adquire insumos para tratamentos em hormonioterapia de pacientes com câncer metastático. Um destes insumos é o medicamento Letrozol, previsto na RENAME - Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, para uso em cuidado paliativo.

Em 2024, a Procuradoria do Estado, em atuação judicial, garantiu o estoque da Fundação CECON, que se encontrava zerado diante da inadimplência do contratado em fornecer o material adquirido (letrozol). Houve a determinação de que a empresa contratada entregasse o medicamento em 10 (dez) dias, sob pena de multa diária de R$50.000,00.13

A atuação da Procuradoria, como dito anteriormente, também visa à diminuição do tempo de espera ao paciente que necessita de cuidados paliativos, evitando a judicialização que tanto atrapalha a realização das políticas públicas previamente estabelecidas no SUS.

Nesse aspecto, em 2023, foi instalada, mediante termo de cooperação entre a Defensoria Pública, a Procuradoria Geral do Estado do Amazonas e o TJ/AM, a Câmara de Resolução Extrajudicial de Litígios de Saúde, que se destina a solucionar questões relativas à fornecimento obrigatório de medicamentos e procedimentos padronizados no SUS em fase pré-processual.

Assim, as medicações em cuidados paliativos, que estejam listadas na RENAME, com estoque escasso no Estado, podem ser fornecidas ao paciente sem que o mesmo precise levar a questão ao judiciário. A Câmara conta com a participação de representante da Secretaria de Saúde, da Procuradoria do Estado e do Judiciário, permitindo um encaminhamento mais célere para a dispensação do medicamento.

As medidas acima relatadas demonstram a relevante missão da Procuradoria do Estado do Amazonas na promoção da dignidade humana como valor fundamental de nosso estado democrático, atuando de forma pronta nas políticas públicas em cuidados palitiavos, de observância e defesa obrigatória por parte do Estado brasileiro.

__________

1 Ministério da Saúde. Disponível aqui. Acesso em: 06 jun.2024

2 Disponível aqui. Acesso em: 05 mai.2024

3 Disponível aqui. Acesso em: 05 abr.2024

4 Atlas dos cuidados paliativos no Brasil [livro eletrônico] / Úrsula Bueno do Prado Guirro... [et al.]. 1. ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos, 2023.

5 Disponível aqui. Acesso em: 04 mai.2024

6 IAHPC - INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR HOSPICE & PALLIATIVE CARE. Palliative Care definition. Tradução por Cristiane Terz, Danielle Soler, Fernando Kawai, Helloisa Brogiatto, João Batista Garcia, Luciana Messa e Morgana Matos. Hospicecare, 2018. Disponível em: Acesso em: 15 jun.2024.

7 Ministério da Saúde. Disponível aqui. Acesso em: 04 mar.2024

8 Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização - PNH. Disponível aqui. Acesso em: 05 jun.2024

9 Ministério da Saúde. Disponível aqui. Acesso em: 05 mai.2024

10 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n. 1.805/2006. Disponível aqui. Acesso em: 12 mai.2024

11 Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito  Federal,  organizados  em  carreira,  na  qual  o  ingresso dependerá de  concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

12 Somente no primeiro semestre de 2024, a PGE/AM defendeu o estado em cinco ações judiciais com pedidos relacionados a home care ou ingresso no programa "Melhor em casa" sem a observância dos requisitos estabelecidos na Portaria do Ministério da Saúde. Vide ações de conhecimento n. 067156-86.2023.8.04.0001, 0401242-98.2024.8.04.0001, 0600055-43.2024.8.04.2500, 0600750-90.2024.8.04.4700, 0583494-06.2023.8.04.0001, todas em curso no primeiro grau da Justiça Comum do Amazonas.

13 Vide Processo n. 0480358-56.2024.8.04.0001, em curso na Justiça Comum amazonense.