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Meios não pecuniários de reparação dos danos extrapatrimoniais - Reparação integral e os limites do sistema judicial convencional

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Atualizado às 11:53

O dinheiro não é necessário para comprar uma única necessidade da alma.

(Thoreau - Walden ou A vida nos bosques (1854))

A análise da doutrina e da jurisprudência sobre a reparação integral do dano extrapatrimonial bem demonstra como é difícil considerar a reparação para além de um montante pecuniário. No Direito brasileiro, vigora a ideia de impossibilidade de reparar integralmente o dano moral e a resposta mais comum, em se tratando de reparação de danos extrapatrimoniais, é a pecuniária, em que pese todas as críticas acerca de uma mercantilização de prejuízos de natureza existencial. Em estudo realizado há alguns anos sobre os critérios quantitativos do dano extrapatrimonial, adotados na jurisprudência do STJ, realizado por Couto e Salgado e orientado por Maria Celina Bodin de Moraes, com base em julgados dos anos de 2008 a 2011, concluiu-se que os critérios utilizados para este fim são a extensão do dano, a culpabilidade do ofensor, eventual culpa concorrente, a capacidade econômica do ofensor, as condições pessoais da vítima, a função de punição como desestímulo a repetição da ofensa e a razoabilidade. No entanto, a leitura atenta das decisões demonstram que raramente são motivadas e, por vezes, "fixam as indenizações por danos morais de acordo com precedentes jurisprudenciais, considerando apenas o interesse jurídico atingido, aproximando-se, dessa forma, de um tabelamento jurisprudencial" 1. A linha de raciocínio para a reparação do dano extrapatrimonial liga-se, assim, a questão pecuniária de tal forma que as soluções para ressarcir tais danos finda por sempre reconduzir a um raciocínio que envolve dinheiro. As possibilidades que vêm sendo oferecidas têm mais relação em definir o quanto deve ser pago as vítimas, do que qual meio é o mais apropriado para uma reparação.

Schreiber afirma que "o espírito de mercado captura o dano moral também nas mais elevadas instâncias de nosso poder judiciário"2, referindo-se a uma tabela publicada no site do STJ que estabelecia valores de referência para indenização por danos extrapatrimoniais conforme o tipo de evento decorrente da lesão. A tabela foi muito criticada, fazendo com que, logo em seguida, o STJ se justificasse referindo que consistia em mera matéria jornalística para facilitar a compreensão dos leitores sobre a jurisprudência da Corte. A crítica de Schreiber à tabela decorre do afastamento da análise dos casos de forma pessoal e singular. No entanto, em recente alteração da legislação trabalhista, novamente surgiu uma tabela que foi objeto de ADIn - Ação Direta de Constitucionalidade (6050-DF) em razão dos arts. 223-A e 223-G, §§ 1º e 2º, da CLT. A ANMATRA - Associação Nacional dos Juízes do Trabalho ajuizou a demanda por entender que os dispositivos legais limitavam o exercício da jurisdição, a ação foi julgada parcialmente procedente considerando os critérios orientativos e garantindo a possibilidade de exame do caso concreto pelos magistrados.

Outra forma de superar a dificuldade de estabelecer um valor para o prejuízo de natureza extrapatrimonial se dá pelo chamado método bifásico. Conforme Sanseverino:

"Na primeira fase, arbitra-se o valor básico ou inicial da indenização, considerando-se o interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos). Assegura-se, com isso, uma exigência da justiça comutativa que é uma razoável igualdade de tratamento para casos semelhantes, assim como que situações distintas sejam tratadas desigualmente na medida em que se diferenciam. Na segunda fase, procede-se à fixação definitiva da indenização, ajustando-se o seu montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias. Partindo-se, assim, da indenização básica, eleva-se ou reduz-se esse valor de acordo com as circunstâncias particulares do caso (gravidade do fato em si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes) até se alcançar o montante definitivo. Procede-se, assim, a um arbitramento efetivamente eqüitativo, que respeita as peculiaridades do caso."3

Como se pode observar na descrição do método bifásico, para o autor a reparação integral do dano tem foco numa reparação satisfatória também em termos monetários, buscando um uma avaliação equitativa entre casos semelhantes e que considere peculiaridades do caso concreto.

O sistema judicial tradicional, ou seja, por meio do processo instaurado que aguarda a decisão do juízo, tem trazido soluções, porém de forma tímida em termos de reparação extrapatrimonial por meios não pecuniários. Na verdade, mesmo na forma mais utilizada de ressarcimento, por meio pecuniário, há um dilema quanto a valores e a decisão permanece na avaliação do juízo, um terceiro que resolve a questão sob sua perspectiva, que não, necessariamente, será a mesma da vítima e talvez também inadequada na visão do réu. No entanto, cabe destacar que a Corte Internacional de Direito Humanos, que trata de graves lesões extrapatrimoniais, tem demonstrado que é possível utilizar mecanismos de reparação não monetárias. Como exemplo, citamos o caso Ximenes vs Brasil. Ximenes foi um deficiente mental que foi a óbito depois de três dias de internação num centro psiquiátrico em decorrência de maus-tratos. Dentre outras medidas não pecuniárias, destacamos que foi estabelecido que o Brasil mantivesse um programa de capacitação de profissionais para o trato de pessoas portadoras de deficiência mental, segundo padrões internacionais sobre a matéria e que o Centro de Atendimento Psicosocial de Sobral, onde ocorreram os fatos, passasse a chamar-se Damião Ximenes Lopes4.

Nesse sentido, o Judiciário brasileiro apresenta uma possibilidade que pode ser adequada à reparação do dano extrapatrimonial, que não em todos, mas talvez em determinados casos, o sistema denominado Justiça Multiportas. Segundo Navarro5, o Sistema Multiportas teria como característica:

Essa corresponsabilização pela pacificação social é que dá os contornos da Justiça Multiportas, na medida em que afeta pessoas naturais e jurídicas, entes públicos e privados, permite o uso de meio  físico e virtual, bem como o emprego da autocomposição ou heterocomposição, e de diferentes métodos de resolução de conflitos, como negociação, conciliação, mediação, arbitragem, processo judicial, entre vários outros que o ordenamento jurídico venha incorporar. 

Esse sistema, segundo a autora, "tem um foco predominante e muito evidente: alcançar o ideal constitucional de pacificação de conflitos". Destaca a autora, ainda "o caráter humanizador desses mecanismos adequados de solução de controvérsias, que se preocupa não só com o conflito em si, mas também com os sentimentos das pessoas e o resgate dos relacionamentos e da credibilidade dos entes envolvidos." Grifei.

Certamente haverá limites de matérias que possam ser objeto de conciliação, bem como situações em que a intervenção estatal seja imperativa pelo impacto do dano, mas o fato de as partes serem ouvidas e pacificadas pode promover uma maior satisfação da vítima e conscientização do autor dos prejuízos. A solução para reparação de danos extrapatrimoniais está em construção, assim possível que a ideia de reparação não pecuniária por meio do Sistema Multiportas seja colocada como opção ao sistema judicial convencional.

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1 SILVA, Isaura Salgado. COUTO, Igor Costa. Os critérios quantitativos do dano moral segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Disponível aqui. Acesso em 06/03/2025.

2 SCHREIBER, Anderson. Direito civil e constituição. São Paulo: Atlas, 2013, p. 208.

3 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral: indenização no código civil. São Paulo: Saraiva, 2010, p.288

4 FAJNGOLD, Leonardo. Dano Moral e reparação não pecuniária sistemática e parâmetros. São Paulo: Thomson Reuters Brasol, 2021, edição digital, s.n.

5 NAVARRO, Trícia. Teoria da justiça multiportas. Revista de Processo. vol. 343. ano 48. p. 453-471. São Paulo: Ed. RT, setembro 2023, p. 3. Disponível aqui. Acesso em 27/08/2023.