O papel de cuidado e a remuneração na curatela: Um olhar de gênero na reconstrução do apoio às pessoas com deficiência no Direito brasileiro
terça-feira, 25 de fevereiro de 2025
Atualizado às 08:41
A intelectual norte-americana bell hooks no livro o feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras1 defende que o movimento feminista é pró-família, diferente da visão tradicional de que o fim da dominação patriarcal dependeria da extinção do modelo de família fundado no casamento e na maternidade compulsória2-3. Por óbvio que tal afirmação exige diversas reflexões e demanda a atenção do Direito para uma análise constitutiva do gênero nas relações familiares. Não se trata, em paráfrase da escritora Angela Davis4, de ter um direito de família não sexista, mas de (re)construir uma disciplina do direito das famílias efetivamente feminista e anti-patriarcal. Isso descortina revisitar o campo familiar a partir do trabalho reprodutivo e do cuidado não remunerado, que impõe uma sobrecarga de funções às mulheres5, sobretudo em relação aos membros vulneráveis no contexto familiar, tais como crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência.6
Embora ainda incipientes, alguns estudos já avançam entre os estudiosos na necessidade de contemplar a economia do cuidado na compreensão do direito das famílias7, construído com base no sistema sexo-gênero e na divisão sexual do trabalho. No entanto, tais contribuições têm, no geral, enfrentado tal tema nas questões da parentalidade, ou melhor, da maternagem e da visão legal de ainda reforçar os cuidados dos filhos à figura da mãe. Talvez a pergunta que o leitor faça nesse momento é: Qual a relação da curatela com o feminismo? A resposta parece bastante simples num primeiro momento: o cuidado é feminino. A sociedade é estruturada a partir de um modelo de cuidado que impõe às mulheres tal papel, sobretudo em relação aos filhos na infância e adolescência. No entanto, diante do quadro de envelhecimento populacional observado ao redor do mundo, o que implica, inclusive, o aumento das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, inevitável a indagação: Quem cuida das pessoas com deficiência e pessoas idosas? Juridicamente, qual gênero mais exerce em casos mais extremados a função de curadora/curador?
Tem-se convencionado chamar de "geração sanduíche"8 os adultos que se encontram oprimidos pelos cuidados com seus filhos e seus pais idosos, muitos com deficiência de alguma natureza. A literatura especializada tem realçado a sobrecarga dessa parcela da população tem assistido seus pais ou outros membros da família viverem cada vez mais e, ao mesmo tempo, que precisam dar conta da criação e sustento da sua prole9. A questão central é que os dados revelam que não se trata de uma geração sanduíche, mas sim de uma geração de mulheres que se desdobram nos cuidados com os extremos geracionais. E isso de forma não remunerada, o que impacta no exercício acumulado de diversas funções em jornadas triplas ou quádruplas. Mais uma vez observa-se que, como regra, o trabalho de cuidado não é remunerado, eis que ocultado/invisibilizado.
Dessa forma, se o atual perfil da curatela exige cada vez mais o esforço da curadora em exercer tal múnus de maneira a resgatar a autonomia da pessoa curatelada e propiciar adequado suporte na gestão patrimonial, por outro a ausência de discussão sobre a remuneração da curadora reforça o estereótipo do papel destinado às mulheres de cuidado compulsório e gratuito. Ademais, não é incomum os relatos de que a sobrecarga de tarefas ligadas ao cuidado impacta na saúde mental das responsáveis e cause redução dos ganhos econômicos, seja porque limita a disponibilidade de tempo laboral, bem como gera mais despesas familiares, nem sempre coberta pelos recursos das pessoas idosas com deficiência.
Diante da demanda da pessoa curatelada, surge a cuidadora familiar, geralmente companheira, cônjuge, filha ou neta, que se veem obrigadas a reorganizar a vida diante às dificuldades enfrentadas através dos cuidados diários com o familiar cognitivamente vulnerado. No exercício desse múnus está incluído o dever de cuidar diretamente da alimentação e atenção diária do familiar necessitado, bem como administrar medicamentos, gerenciar conflitos familiares, lidar com o diagnóstico, supervisionar funcionários, dar o suporte financeiro e legal adequados.
Entre os estudos relacionados ao tema, existe a Escala de Zarit10 um instrumento médico que avalia a sobrecarga de cuidadores de idosos, a fim de medir o bem-estar psicológico, características socioeconômicas e a saúde do cuidador. Em consequência das multitarefas que lhe são impostas, a cuidadora fica vulnerável a diversas doenças físicas e psíquicas, as quais são identificadas pelo CID - Cadastro Internacional de Doenças, critério criado pela OMS - Organização Mundial da Saúde a fim de facilitar a classificação e identificação de doenças, como doenças relacionadas a sobrecarga do cuidador, identificado como CID-10.11
Em recente pesquisa realizada na área de gerontologia em Portugal, pela Universidade de Leiria12, foi estudado o perfil das cuidadoras de saúde informais na atenção de pacientes em cuidados paliativos que revelou o exercício feminino em 80,2%, com destaque para as filhas, em idade adulta e ativa, com a existência de sobrecarga intensa em 44,4% da amostra. A realidade no Brasil não é diferente, em estudo quali-quantitativo realizado no Complexo Comunitário Vida Plena13, em Salvador/BA, no período de junho a novembro de 2023, do total dos 11 entrevistados, 10 eram mulheres dentre as quais oito foram diagnosticadas com sobrecarga moderada a severa pelo questionário Zarit e seis apresentaram algum problema de saúde decorrente da função de cuidar.
Estes e outros estudos revelam que o cuidado é realizado majoritariamente por mulheres, que assumem essa função sem estruturação prévia, abdicando de seus projetos pessoais e expondo-se a conflitos familiares e sentimentos negativos14 ocasionados pela percepção de estresse derivado da sobrecarga do cuidado15. Além do mais, na dinâmica intrafamiliar revela-se como um trabalho não remunerado, de feição exclusivamente altruísta.
Legalmente no Brasil o cuidado é geralmente exercício através da curatela nos casos em que a pessoa não consegue exprimir sua vontade, instituto que tem sofrido modificações significativas ao longo dos últimos anos, em especial a partir da promulgação da lei 13.146/215, conhecida como lei brasileira de inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência. O movimento das pessoas com deficiência tem se articulado a partir da segunda metade do século passado para o reconhecimento como pessoas com igual capacidade e voz para atua na vida de relações, bem como compreender que são as barreiras sociais os principais obstáculos a uma vida com independência.
A Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, também conhecida como Convenção de Nova Iorque, representa o marco no plano internacional do reconhecimento como pessoas dotadas de valor e igual dignidade, livre de discriminações e subalternização. Em uma sociedade capacitista e que ainda inferioriza e oprime pessoas com deficiência, o processo de inclusão é marcado por lenta marcha de progresso, que desconsidera os vieses interseccionais e enfrenta as resistências das barreiras atitudinais, ou seja, em que a própria sociedade projeta nas pessoas com deficiência estereótipos de invalidez e anormalidade, não raras vezes infantilizando e limitando a tomada de decisões sobre sua própria vida.
No Brasil, a própria manutenção da curatela revela demasiado apego ao modelo da substituição da vontade em detrimento do sistema de apoios, muito mais apropriado à promoção da autonomia das pessoas com deficiência. Se, por um lado, é certo que a disciplina da curatela foi notavelmente modificada, em especial por força dos arts. 84 e 85 da lei 13.146/15, por outro, a prática institucional revela que seu manuseio ainda é prioritário e de forma pouco personalizada16. A tomada de decisão apoiada é instrumento pouco utilizado e, porque não dizer, desconhecido de parcela considerável da comunidade jurídica e da população17. Enquanto isso, a curatela ainda predomina como instituto de proteção das pessoas com deficiência intelectual ou mental que não conseguem exprimir sua vontade (art. 4º, III, CC/02).
Em relação à remuneração do curador, a lei brasileira de inclusão não trouxe nenhuma alteração legislativa. Pelo contrário, permanece a aplicação subsidiária do art. 1.752 do CC/02, pensado para o exercício da tutela. É curioso notar que tal dispositivo talvez tenha sido redigido para remunerar o exercício da tutela por homens, na medida em que se aplica aos casos de pais falecidos ou destituídos da autoridade parental, sendo que ainda hoje a lei civil permite que mulheres casadas e com filhos possam recusar o papel de tutoras (art. 1.736, I e III, CC/02). Além disso, o viés patrimonial da disciplina codificada da tutela ainda permite afirmar que na lógica do Código Civil pretérito preferencialmente seria exercido por homens, uma vez que as mulheres casadas eram relativamente incapazes até a promulgação do Estatuto da Mulher Casada, além de terem direito de escusa (art. 441, I, CC/16) e necessitarem da autorização do marido para aceitar a tutela (art. 242, V, CC/16).
Tal consideração parte da premissa - decerto equivocada - que aos homens caberiam o exercício da administração do patrimônio, o que autorizaria tal remuneração. A teor do art. 1.752 do Código Civil, ainda se aplica tal dispositivo à curatela, mesmo considerando que são lógicas distintas de cuidado de pessoas com demandas bem diversificadas. O atual cenário torna a omissão legislativa em relação a dispositivo específico sobre a remuneração para os casos de exercício da curatela ainda mais sintomático e reforça o ocultamento do cuidado feminino. Além disso, entrever-se-ia a possibilidade de conjecturar que os pedidos de remuneração na curatela sejam mais comuns quando um parente homem exerce tal função, na medida em que a ele não é socialmente imputado tal função.
A lacuna legislativa sobre o tema permite ainda entendimentos que não reconhecem o direito à remuneração da curadora com base no princípio da solidariedade familiar. Desse modo, a previsão constitucional estampada no art. 229 da Constituição da República serve como fundamento da vedação à remuneração, uma vez que caberiam às filhas e filhos os cuidados com seus pais idosos curatelados. No entanto, tal argumento evidencia, não raras vezes, o reforço da lógica do cuidado atribuído às mulheres da família. Em diversas situações, filhos adultos homens se recusam ou, sob argumentos machistas, preferem que as filhas normalmente exerçam tal função. A premissa de que mulheres são criadas para cuidar também alcança o suporte aos pais na velhice ou enfermidade. Não há dúvidas de que a solidariedade familiar é um imperativo constitucional que exige a corresponsabilização e cuidado de todos os integrantes do arranjo familiar. No entanto, sob pena de uma postura patriarcal, admitir que apenas as mulheres geralmente sejam encarregadas do cuidado é admitir um Direito desconectado da realidade social brasileira.
A curatela compartilhada, embora não tenha sido forjada com tal intento, se apresenta como instrumento valioso no compartilhamento das responsabilidades entre diferentes membros da cadeia familiar, otimizando as habilidades de cada curador e permitindo atender o melhor interesse da pessoa curatelada. O art. 1.775 do Código Civil prevê tal figura que foi inserido por força da lei brasileira de inclusão. Infelizmente, o STJ entende que, diferente da guarda compartilhada, não tem caráter obrigatório, mas facultativo18, o que enfraquece a potencialidade do instituto para o enfrentamento da desigualdade de gênero no compartilhamento das responsabilidades entres os familiares, especialmente filhas e filhos.
A interpretação conjuntas dos arts. 1.752, segunda parte, cumulada com o art. 1.774, ambos do vigente Código Civil, revela que a curadora será remunerada pelo que realmente despender no exercício da curatela e a perceber remuneração proporcional à importância dos bens administrados, em viés puramente patrimonial, descolado do panorama existencial que envolve o cuidado e o múnus familiar revelado pelas pesquisas acima mencionadas, as quais desnudam a sobrecarga que envolve tal exercício, além do empobrecimento gerado em razão da diminuição ou impossibilidade de exercer atividade remunerada.
A fixação de quantia módica19, mesmo nos casos em que o patrimônio da pessoa curatelada é considerável, apenas reforça a ideia de subjugação da cuidadora e permite a seletividade da solidariedade familiar, na medida em que apenas um parente, geralmente mulher, exercerá tal múnus, muitas vezes proporcionando um enriquecimento aos demais membros da família ou ao próprio curatelado que não arcará com maiores despesas na contratação de cuidadores profissionais.
A experiência jurisprudencial brasileira tem revelado que diante da ausência de disciplina legal sobre a matéria alguns parâmetros têm sido construídos à luz das circunstâncias do caso concreto, de modo a identificar (i) em quais situações a remuneração é devida e (ii) quais os critérios para fixação do valor a ser fixado, considerando que não pode comprometer a manutenção do padrão de qualidade de vida da pessoa curatelada. É de todo indispensável percorrer se nossos tribunais têm uma perspectiva de gênero no julgamento das ações de curatela e nos casos em que há pedidos de remuneração na curatela. Uma variável importante é que tal análise depende, em regra, do pedido formulado pela curadora, o que talvez revele que os pleitos são mais comuns entre curadores do que curadoras. A explicação de tal hipótese é simples: em sociedades patriarcais o dever de cuidado, sobretudo em teias familiares, é atribuído à mulher por força da sua criação e do contexto social, múnus a ser exercício sem qualquer remuneração, afinal, esse seria o seu papel-social dentro da família e imposto socialmente.
Em recente julgamento, o STJ, no recurso especial 1.205.113/SP, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, decidiu a favor da possibilidade de remuneração do curador, não devendo, contudo, haver o comprometimento do patrimônio do curatelado, ainda que cabível a retribuição pelo esforço e tempo despendidos pelo curador no exercício de seu múnus20. Na oportunidade ainda foi destacado que cabe ao curador ajuizar ação para que lhe seja atribuída remuneração, a critério do magistrado, nunca estabelecida contraprestação ao seu próprio alvedrio. Sem estabelecer critérios claros, o referido julgado assumiu o alto grau de subjetividade que envolve esse arbitramento, dispondo que somente no caso concreto esses interesses poderiam ser sopesados pelo Estado-Juiz. No entanto, a utilização da expressão "comedição" é chave para compreender que os tribunais brasileiros ainda são reticentes em fixar valores de remuneração com base no esforço, grau de dedicação e efetivas perdas patrimoniais por parte da curadora, em prestígio ao princípio da solidariedade familiar, que é lastreado na ideia de cuidado exercido por mulheres.
Em outras oportunidades, a jurisprudência é vacilante em estabelecer premissas objetivas para essa retribuição, havendo confusão quanto a outros critérios dispostos no ordenamento jurídico, como o binômio necessidade-possibilidade, utilizado como baliza para o arbitramento dos valores pagos a título de alimentos. O desembargador Luiz Felipe Francisco, da 14ª câmara Cível do TJ/RJ, no julgamento do agravo de instrumento 0010755-44.2024.8.19.0000, decidiu que o quantum remuneratório deveria observar o referido binômio a fim de ser sopesado a necessidade do cuidador e a possibilidade do curatelado, fixando a remuneração em um salário-mínimo.
Distintas as premissas da necessidade daquele que carece de alimentos perante àquele que tem o dever de prestá-los, não parece ser o melhor critério aferir a quantia a ser paga pelo exercício da curatela atrelado às necessidades da curadora, uma vez que ainda que esta tenha sua renda através de seu trabalho, mesmo assim há o árduo encargo encarado perante os cuidados do familiar, que por si só merecem ser retribuídos adequadamente, sob pena de enriquecimento sem causa dos demais parentes e do próprio curatelado.
Importante farol legislativo em matéria de remuneração na curatela pode ser extraído da recente lei 15.069, de 23 de dezembro de 2024, que institui a Política Nacional de Cuidados, cujo objetivo é promover a "corresponsabilização social e entre homens e mulheres pela provisão de cuidados, consideradas as múltiplas desigualdades" (art. 1º). O novel diploma normativo inaugura olhar mais sensível e humanizado ao invisibilizado trabalho do cuidado, ainda que dependa da futura formulação de políticas públicas e vindouras leis para o tratamento mais objetivo da matéria. Sua promulgação revela avanço significativo e absorve importantes princípios no universo jurídico21, ainda que derivados do princípio fundante da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF/88).
Sob o ângulo da lei, o direito ao cuidado22 compreende o direito a ser cuidado, a cuidar e ao autocuidado (art. 1º, §§ 1º e 2º), sendo que, dentre seus objetivos, a política formulada prevê a compatibilização entre o trabalho remunerado, as necessidades de cuidado e as responsabilidades familiares relacionadas ao cuidado tanto no setor público quanto privado. Outro objetivo central é a promoção do reconhecimento, da redução e da redistribuição do trabalho não remunerado do cuidado, realizado primordialmente pelas mulheres23. O público prioritário da Política Nacional de Cuidados interage diretamente com a população mais sensível a ser submetida à curatela, como as pessoas idosas e as pessoas com deficiência, bem como igualmente se dirige às pessoas encarregadas do exercício da curatela, como os denominados pela lei de trabalhadoras e trabalhadores não remunerados do cuidado.
Cuida-se de movimento salutar no Direito brasileiro em prol de uma nova ordem de divisão sexual do trabalho e corresponsabilização entre homens e mulheres, em direção a uma sociedade mais igualitária e justa. Embora a lei não trate da curatela em seu texto, indispensável pontuar que sua política, princípios e diretrizes devem impactar significativamente o cuidado no âmbito da curatela, em especial a remuneração, enquanto tal instituto permanecer no Direito brasileiro - já que, a rigor, o modelo de substituição de vontade deveria, após a CDPD, ter sido sepultado.
Diante do comedimento dos critérios legais, que se revelam desconexos com a realidade, e das diretrizes jurisprudenciais que são vacilantes na adoção objetiva de parâmetros a serem observados, demonstra-se indispensável a análise do caso concreto à luz do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do CNJ24. Considerada a relação assimétrica existente no tratamento de mulheres na política do cuidado, que descortina o trabalho invisibilizado e as consequências advindas por esse penoso exercício, com o objetivo de desconstruir essas desigualdades estruturais se faz necessária a concessão de uma remuneração justa à curadora25, figura central na economia do cuidado nas famílias brasileiras, de modo a compreender o apoio em sentido bifronte tanto em relação à pessoa com deficiência quanto a quem efetivamente cuida.26
1 HOOKS, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Trad. Bhuvi Libanio. 21. ed., Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2023, p. 116.
2 Segundo bell hooks: "Mães e pais amáveis, sejam solteiros ou casados, gays ou heterossexuais, sendo a mulher ou o homem chefe da família, têm mais probabilidade de criar crianças saudáveis e felizes, com boa autoestima. Em futuros movimentos feministas, precisamos trabalhar mais para mostrar a mães e pais como acabar com o sexismo muda positivamente a vida da família". Ibid., p. 116.
3 De acordo com Maria Celina Bodin de Moraes: "De fato, cinquenta anos depois do movimento cultural de jovens que consideravam a família a principal fonte de repressão, rigidez e conformismo social, ela tem sido vista como um espaço privilegiado de solidariedade e realização pessoal, o que se deve ao fato de não poderem mais ser ignorados os direitos da personalidade de seus membros [...]. Em outras palavras, em contraposição ao modelo familiar tradicional e findas as desigualdades mencionadas, tornou-se possível propor uma configuração democrática de família, na qual não há direitos sem responsabilidades, nem autoridade sem democracia". BODIN DE MORAES, Maria Celina. A nova família, de novo - Estruturas e função das famílias contemporâneas. In: Pensar, Fortaleza, v. 18, 2, p. 587-628, mai./ago., 2013, p. 592.
4 A célebre frase "Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista" é comumente atribuída à autora. Para um maior aprofundamento, v. DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016.
5 Silvia Federici ensina que "[...] a construção de uma nova ordem patriarcal, que tornava as mulheres servas da força de trabalho masculina, foi de fundamental importância para o desenvolvimento do capitalismo. Sobre esta base, foi possível impor uma nova divisão sexual do trabalho, que diferenciou não somente as tarefas que as mulheres e homens deveriam realizar, como também suas experiências, suas vidas, sua relação com o capital e com outros setores da classe trabalhadora. [...] a diferença de poder entre mulheres e homens e o ocultamento do trabalho não remunerado das mulheres por trás do disfarce da inferioridade natural permitiram ao capitalismo ampliar imensamente 'a parte não remunerada do dia de trabalho' e usar o salário (masculino) para acumular trabalho feminino". FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017, p. 232.
6 Marcia Tiburi observa que "algumas mulheres se emancipam da prisão doméstica, espaço em que tudo está de antemão programado no campo dos serviços, tais como limpar e lavar, cozinhar e organizar, cuidar das crianças, dos homens e dos velhos e, se houver tempo, cuidar de si mesma para se manter agradável aos olhos e demandas dos outros. [...] Muitas vezes, as mulheres se emancipam ao conseguirem que outras mulheres trabalhem por elas e então repetem o mesmo ciclo que poderiam ajudar a desconstruir na luta contra a desigualdade doméstica que se reproduz na vida pública. [...] Muitas vezes, quando se pertence a uma classe social mais favorecida economicamente, o trabalho que seria destinado primeiramente às mulheres da família acabe sendo terceirizado para outra mulher de uma classe social econômica e socialmente inferior". TIBURI, Marcia. Feminismo em comum: para todas, todes e todos. 16. ed., rev. e ampl., Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2023, p. 110-111.
7 OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Economia do Cuidado e Direito de Família: alimentos, guarda, regime de bens, curatela e cuidados voluntários. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, mai., 2024 (Texto para Discussão 329). Disponível aqui. Acesso em 7 mai. 2024.
8 V. JESUS, Jordana Cristina de; WAJNMAN, Simone. Geração sanduíche no Brasil: realidade ou mito?. In: Revista Latinoamericana De Población, 10(18), 43-61, 2016.
9 "Quase 1 milhão de adultos entre 35 e 49 anos convive com idosos e filhos no lar. Maior parte são mulheres, sendo que 34% delas estão fora do mercado de trabalho. A taxa de informalidade entre as que estão ocupadas é de 37%. [...] Portanto, verifica-se que embora a condição de 'ensanduichamento' possa ocorrer tanto para homens quanto para as mulheres, são as mulheres que acabam sendo mais penalizadas pelo fato de as atividades de cuidado recaírem predominantemente sobre elas. Essa situação pode gerar um fator de risco para a saúde das mulheres de meia-idade, devido ao estado constante de tensão e preocupação". Disponível aqui. Acesso em 10 jan. 2025.
10 Zarit Caregiver Burden Interview (ZBI) é conhecida no Brasil como Escala de Zarit, e tem por objetivo avaliar a sobrecarga dos cuidadores de pessoas idosas. Esta escala não deve ser realizada na presença do idoso. A cada afirmativa o cuidador deve indicar a frequência que se sente em relação ao que foi perguntado (nunca, quase nunca, às vezes, frequentemente ou sempre). Não existem respostas certas ou erradas. O estresse dos cuidadores será indicado por altos escores. Disponível aqui. Acesso em 14 dez. 2024.
11 A CID-10 foi conceituada para padronizar e catalogar as doenças e problemas relacionados a saúde, tendo como referência a Nomenclatura Internacional de Doenças, estabelecida pela Organização Mundial de Saúde. Dentro dessa classificação encontram-se variáveis das doenças relacionadas a sobrecarga do cuidador: Z74 - Problemas relacionados com a dependência de uma pessoa que oferece cuidados de saúde; Z740 - Mobilidade reduzida; Z741 - Necessidade de assistência com cuidados pessoais; Z742 - Necessidade de assistência a domicílio, sendo que nenhuma pessoa do lar é capaz de assegurar os cuidados; Z743 - Necessidade de supervisão contínua; Z748 - Outros problemas relacionados com a dependência de pessoa que oferece cuidados de saúde; Z749 - Problema não especificado relacionado com a dependência de pessoa que oferece cuidados de saúde. Em janeiro de 2027 entrará em vigor o CID-11, documento que foi traduzido e padronizado, a fim de facilitar a compreensão de informações aos países de língua portuguesa.
12 RAMOS, Ana Cláudia Estanque. O perfil dos cuidadores informais em cuidados paliativos: necessidades e sobrecarga. Disponível aqui. Acesso em 14 dez. 2024.
13 MAGALHÃES, Maria Eduarda Trindade Guimarães. Percepção de cuidadores informais de idosos sobre a sua saúde fisíca e mental. Disponível aqui. Acesso 14 dez. 2024.
14 DUARTE, Yeda Aparecida de Oliveira; D'ELBOUX, Maria José; BERZINS, Marília Viana. Cuidadores de idosos. In: FREITAS, Elizabete Viana; PY, Ligia (Orgs.). Tratado de geriatria e gerontologia. 5. ed., Rio de Janeiro, Brasil: Grupo GEN, 2022, p. 1.093.
15 LUZARDO, Adriana Remião; GORINI, Maria Isabel P. Coelho; SILVA, Ana Paula Scheffer Schell da. (2006). Características de idosos com doença de Alzheimer e seus cuidadores: uma série de casos em um serviço de neurogeriatria. Texto Contexto Enfermagem, 15 (4), 587-594, 2006. Disponível aqui. Acesso em 14 dez. 2024.
16 A respeito das críticas à manutenção da curatela e seu atual regime, seja consentido remeter a ALMEIDA, Vitor. A capacidade civil das pessoas com deficiência e os perfis da curatela. 2 ed., Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 276 e ss.
17 Cf., entre outros, MENEZES, Joyceane Bezerra de. Tomada de decisão apoiada: o instrumento jurídico de apoio à pessoa com deficiência inaugurado pela Lei 13.146/15. In: Novos Estudos Jurídicos (ONLINE), v. 23, p. 1220-1244, 2018; e, ALMEIDA, Vitor. Autonomia da pessoa com deficiência e tomada de decisão apoiada: alcance, efeitos e fins. In: TEPEDINO, Gustavo; MENEZES, Joyceane Bezerra de (Orgs.). Autonomia privada, liberdade existencial e direitos fundamentais. Belo Horizonte, MG: Fórum, 2019, p. 435-448.
18 "13 - A curatela compartilhada é instituto desenvolvido pela jurisprudência que visa facilitar o desempenho da curatela ao atribuir o munus a mais de um curador simultaneamente. 14 - Muito embora as normas jurídicas e os entendimentos fixados acerca da guarda compartilhada devam servir de norte interpretativo para a exata compreensão e aplicação da curatela compartilhada, deve-se respeitar não só as peculiaridades de cada instituto, mas também as disposições legislativas próprias que regulam cada uma das matérias. 15 - Ao contrário do que ocorre com a guarda compartilhada, o dispositivo legal que consagra, no âmbito do direito positivo, o instituto da curatela compartilhada não impõe, obrigatória e expressamente, a sua adoção. A redação do novel art. 1.775-A do CC/2002 é hialina ao estatuir que, na nomeação de curador, o juiz 'poderá' estabelecer curatela compartilhada, não havendo, portanto, peremptoriedade, mas sim facultatividade. 16 - Não há obrigatoriedade na fixação da curatela compartilhada, o que só deve ocorrer quando (a) ambos os genitores apresentarem interesse no exercício da curatela, (b) revelarem-se aptos ao exercício do munus e (c) o juiz, a partir das circunstâncias fáticas da demanda, considerar que a medida é a que melhor resguarda os interesses do curatelado" (grifo nosso). STJ, REsp. 1.795.395/MT, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 4 mai. 2021, publ. 6 mai. 2021.
19 O critério da modicidade é legalmente imposto para a fixação da gratificação do protutor, nos termos do art. 1.752, § 1º, do Código Civil, cuja função é restrita à fiscalização do exercício da tutela. Não há na Lei Civil idêntica previsão para a curatela, ou seja, não existe a figura do fiscal da curatela, que no desenho institucional brasileiro é exercido pelo Ministério Público e pelo juiz. A rigor, não há óbice ao entendimento de estender tal fiscalização à curatela.
20 "PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INTERDIÇÃO. REMUNERAÇÃO DO CURADOR. FIXAÇÃO JUDICIAL. NECESSIDADE. RETENÇÃO DE RENDAS DO INTERDITO. POSSIBILIDADE. 1. O curador tem direito de receber remuneração pela administração do patrimônio do interdito, à luz do disposto no art. 1.752, caput, do CC/02, aplicável ao instituto da curatela, por força da redação do art. 1.774 do CC-02. 2. Afigura-se, no entanto, indevida a fixação realizada pelo próprio curador e a consequente retenção de rendas do interdito. 3. A remuneração do curador deverá ser requerida ao Juiz que a fixará com comedição, para não combalir o patrimônio do interdito, mas ainda assim compensar o esforço e tempo despendidos pelo curador no exercício de seu múnus. 4. Recurso especial não provido". STJ, REsp. 1.205.113/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 6 set. 2011, publ. 14 set. 2011.
21 "Art. 6º São princípios da Política Nacional de Cuidados: I - respeito à dignidade e aos direitos humanos de quem recebe cuidado e de quem cuida; II - universalismo progressivo e sensível às diferenças; III - equidade e não discriminação; IV - promoção da autonomia e da independência das pessoas; V - corresponsabilidade social entre homens e mulheres; VI - antirracismo; VII - anticapacitismo; VIII - anti-idadismo; IX - interdependência entre as pessoas e entre quem cuida e quem é cuidado; X - direito à convivência familiar e comunitária; XI - parentalidade positiva; XII - valorização e respeito à vida, à cidadania, às habilidades e aos interesses das pessoas; e XIII - promoção do cuidado responsivo".
22 Para fins legais, o art. 5º, inciso I, da referida Lei considera cuidado o "trabalho cotidiano de produção de bens e serviços necessários à sustentação e à reprodução diária da vida humana, da força de trabalho, da sociedade e da economia e à garantia do bem-estar de todas as pessoas".
23 "Art. 4º São objetivos da Política Nacional de Cuidados: I - garantir o direito ao cuidado, de forma gradual e progressiva, sob a perspectiva integral e integrada de políticas públicas que reconheçam a interdependência da relação entre quem cuida e quem é cuidado; II - promover políticas públicas que garantam o acesso ao cuidado com qualidade para quem cuida e para quem é cuidado; III - promover a implementação de ações pelo setor público que possibilitem a compatibilização entre o trabalho remunerado, as necessidades de cuidado e as responsabilidades familiares relacionadas ao cuidado; IV - incentivar a implementação de ações do setor privado e da sociedade civil, de forma a possibilitar a compatibilização entre o trabalho remunerado, as necessidades de cuidado e as responsabilidades familiares de cuidado; V - promover o trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores remunerados do cuidado, de maneira a enfrentar a precarização e a exploração do trabalho; VI - promover o reconhecimento, a redução e a redistribuição do trabalho não remunerado do cuidado, realizado primordialmente pelas mulheres; VII - promover o enfrentamento das múltiplas desigualdades estruturais no acesso ao direito ao cuidado, de modo a reconhecer a diversidade de quem cuida e de quem é cuidado; e VIII - promover a mudança cultural relacionada à organização social do trabalho de cuidado".
24 A Resolução 492, de 17 de março de 2023, estabelece, para adoção de Perspectiva de Gênero nos julgamentos em todo o Poder Judiciário, as diretrizes do protocolo aprovado pelo Grupo de Trabalho constituído pela Portaria CNJ 27/21, institui obrigatoriedade de capacitação de magistrados e magistradas, relacionada a direitos humanos, gênero, raça e etnia, em perspectiva interseccional, e cria o Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero no Poder Judiciário e o Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário. Disponível aqui. Acesso em 22 jan. 2025.
25 Ao longo do presente trabalho, optou-se pelo uso de tal figura no feminino como forma de realçar que tal função de cuidado é prioritariamente exercido e confiado às mulheres.
26 Seja consentido remeter a ALMEIDA, Vitor. Cuidado e apoio à pessoa com deficiência: perspectivas a partir das dimensões da vulnerabilidade. In: BARBOSA-FOHRMANN, Ana Paula (Org.). Cuidado e vulnerabilidade de pessoas com deficiência e pessoas idosas. Curitiba: CRV, 2024, p. 65-81.