As Regras de Mandela e o Tribunal do Júri
terça-feira, 11 de março de 2025
Atualizado em 10 de março de 2025 10:43
A edição da coluna Migalhas Criminais desta quinzena traz à reflexão os impactos das Regras de Mandela no Tribunal do Júri, tema de crescente relevância no direito penal contemporâneo. No texto, o autor Vitor Eduardo Tavares de Oliveira, defensor público estadual e assessor de ministra no STJ, examina as recentes decisões do STJ e a forma como o uso de vestimentas prisionais pelo réu pode influenciar a percepção dos jurados. A análise ancora-se em referenciais teóricos e jurisprudenciais, explorando como a indumentária do acusado afeta os princípios da presunção de inocência e da plenitude de defesa.
O artigo destaca decisões sob a relatoria da ministra Daniela Teixeira. No HC 778.503/MG, por exemplo, ela anulou um julgamento porque o réu foi obrigado a comparecer ao plenário com uniforme prisional. O texto examina a relação entre os rituais do Tribunal do Júri e a construção simbólica do processo decisório dos jurados. Além disso, aborda outro julgamento, no HC 768.422/SP, no qual a Quinta turma do STJ reforçou que a disposição física do réu no plenário também interfere na garantia de um julgamento justo.
Ao longo da exposição, Vitor evidencia o avanço do entendimento jurisprudencial quanto à humanização do processo penal, ressaltando o papel das Regras de Mandela e dos compromissos internacionais do Brasil na proteção dos direitos fundamentais dos acusados.
Contexto do HC 778.503/MG
A decisão proferida pela Quinta turma do STJ no HC 778.503/MG, sob a relatoria da ministra Daniela Teixeira, reconheceu a nulidade do julgamento de um réu no Tribunal do Júri, que foi obrigado a comparecer à sessão trajando uniforme prisional. A defesa argumentou que a vestimenta poderia influenciar negativamente a percepção dos jurados, violando os princípios da plenitude de defesa e da presunção de inocência. A ministra relatora destacou que o rito do Tribunal do Júri é permeado por significados simbólicos e que o uso de roupas civis pelo acusado é um direito, conforme sustentado pelas Regras de Mandela (Regra 19), reforçando a necessidade de garantir um julgamento isento de estigmas.
A decisão afastou a justificativa apresentada pelo TJ/MG, que havia negado o pedido sob o argumento de que não haveria prejuízo para a defesa e que a segurança do fórum era insuficiente para permitir a troca de vestimenta. Para Daniela Teixeira, a negativa do direito de o réu se apresentar com trajes civis não foi devidamente fundamentada, configurando cerceamento de defesa e influenciando indevidamente o Conselho de Sentença. O acórdão citou precedentes do próprio STJ e do STF, enfatizando que a igualdade de tratamento entre acusados presos e soltos deve ser resguardada para evitar impacto na imparcialidade dos jurados.
Contexto do HC 768.422/SP
A Quinta turma do STJ, também sob a relatoria da ministra Daniela Teixeira, proferiu decisão no HC 768.422/SP, reconhecendo a nulidade do julgamento de um réu no Tribunal do Júri, que foi mantido sentado de costas para os jurados durante toda a sessão plenária. A defesa sustentou que essa disposição física do acusado configurava cerceamento de defesa e afrontava os princípios da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana, influenciando indevidamente a percepção dos jurados.
O STJ reafirmou que a dignidade do acusado não depende de uma norma específica, mas decorre diretamente da Constituição Federal e dos tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. A decisão sublinhou que a posição física do réu, suas vestimentas e sua postura diante dos jurados são elementos que podem interferir na convicção íntima do Conselho de Sentença, tornando-se fatores relevantes na comunicação simbólica do julgamento.
São essas decisões paradigmáticas que serão analisadas pelo nosso convidado de hoje, para quem, com muita honra, passamos a palavra.
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Uso de roupas civis pelo acusado e o direito de ser visto pelos jurados
O pedido de troca do uniforme prisional por roupas civis durante o julgamento foi indeferido, com o argumento de que isso não afetaria a defesa do réu e de que havia risco de fuga por conta da baixa vigilância. No entanto, a defesa argumentou que o uso do uniforme prisional poderia influenciar negativamente os jurados.
Com base na jurisprudência e nas Regras de Mandela, que preveem o uso de roupas civis por prisioneiros em circunstâncias especiais, o STJ reconheceu que o réu tem o direito de se apresentar com roupas civis no Tribunal do Júri.
Assim, foi concedida a ordem de habeas corpus para anular o julgamento e submeter o réu a novo julgamento, permitindo que ele utilize roupas civis durante a sessão.
Decisão de relatoria da ministra Daniela Teixeira no HC 778.503/MG
A decisão da ministra Daniela Teixeira, após analisar os autos de HC 778.503/MG, foi no seguinte sentido: "ouso divergir dos fundamentos utilizados pela Corte local, pois a decisão não aponta um risco concreto de fuga especificamente do paciente, mas apenas de modo geral e hipotético, devido à insuficiência de vigilância naquele Fórum."
O voto mencionado apresenta divergência em relação à decisão da Corte local, que indeferiu o pedido de que o réu utilizasse roupas civis durante o julgamento, sem apontar um risco concreto de fuga do acusado, baseando-se apenas na possibilidade geral de vigilância insuficiente no Fórum.
Argumentou-se que a utilização de vestimentas civis pelo réu não oferece qualquer perigo, especialmente com o policiamento ostensivo disponível, e que o indeferimento desse direito viola princípios fundamentais, como o da presunção de inocência e o princípio da isonomia.
O Tribunal do Júri, na visão do jurista Lenio Streck, é um ritual, ou seja: "a instituição da sociedade existe enquanto materialização desse magma de significações imaginárias sociais, traduzível por meio do simbólico. A relação dos agentes sociais com a realidade (que aparece) é intermediada por um mundo de significações". Em suma, o ritual e seus simbolismos serão levados em conta pelo jurado, juiz natural do júri, para tomar a decisão final:
"É nesse contexto que o Tribunal do Júri será examinado. Por seu forte componente ritual, as representações imaginárias da sociedade, simbolizadas nos julgamentos, resultam em uma leitura possível dos comportamentos desejados e desejantes da sociedade ali "representada". Isto porque, como bem lembra Gonçalves, os processos simbólicos e míticos assumem importância fundamental na exteriorização das práticas sociais ritualizadas, referentes ao saber e ao saber-fazer de qualquer cultura e sociedade. As metáforas e os símbolos da transmissão e da perpetuação do poder, as encenações do poder e as "liturgias políticas" nas sociedades modernas, os conteúdos simbólicos do processo político nos ritos de soberania das sociedades tradicionais, os ritos de passagem e os rituais de iniciação, os rituais cíclicos da vida individual ou os rituais calendarizados e sazonais constituem processos essenciais da teatralização da vida coletiva e rituais por excelência da comunicação política nas sociedades tradicionais e rurais, como nas modernas sociedades tecnológicas." (Streck, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais, 44 ed., Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2001.)
Partindo de tais premissas, a ministra Daniela Teixeira verificou que o paciente foi submetido a julgamento pelo Conselho de Sentença com a utilização do uniforme prisional, violando seu direito de se apresentar com roupas civis durante a sessão plenária do Tribunal do Júri.
A fundamentação baseou-se, inclusive, na doutrina de Rodrigo Casimiro, que defende a dignidade humana e a necessidade de o acusado ser julgado de forma justa e sem ser estigmatizado pelo uso de roupas prisionais:
"A utilização das próprias vestes, quando do julgamento pelo Conselho de Sentença, visa resguardar a dignidade da pessoa humana (vetor interpretativo reconhecido como fundamento da Constituição da República de 1988) e o princípio da presunção de não culpabilidade do pronunciado preso preventivamente 9, evitando que o acusado seja exposto a tratamento degradante 10.
Ressalte-se, ainda, que, eventual negativa judicial do direito ao uso das vestes civis por parte do acusado preso cautelarmente, (a) implica em violação ao princípio constitucional da isonomia (já que o pronunciado solto é levado ao julgamento do Conselho de Sentença sem trajar a "farda" do sistema carcerário) e (b) materializa um deletério efeito extraprocessual da segregação preventiva, não admitido à luz do Direito Processual Penal constitucional.
Nas palavras de Carnelutti, "o processo penal é um banco de prova da civilização", revelando-se, pois, descabido que o pronunciado que se encontra segregado provisoriamente seja submetido a julgamento pelo Conselho de Sentença trajando vestes do sistema prisional, fato que, inexoravelmente, irá repercutir negativamente na convicção dos jurados, causando prejuízo irreparável ao acusado (art. 563 do CPP).
Dissertando sobre o standard probatório necessário para uma condenação no Tribunal do Júri, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho et al afirmam que 12 "Como se sabe, os jurados não necessitam fundamentar suas decisões, que são pautadas na livre convicção (convicção íntima), o que gera sempre uma desconfiança porque, se é assim, a prova parece não ter tanta importância para o julgamento"." (A Faixa Verde no Júri V, Projeto Bruxas do plenário, capítulo 5. Ed. plácido. 2024)
Também foram citadas as Regras de Mandela, que garantem a possibilidade de o acusado vestir roupas próprias em determinadas situações:
"Ressalte-se, ainda, que é possível a utilização das Regras de Mandela ao caso concreto (Regra 19), que dispõe: "Em circunstâncias excecionais, sempre que um recluso obtenha licença para sair do estabelecimento, deve ser autorizado a vestir as suas próprias roupas ou roupas que não chamem a atenção."
Além disso, o voto fez referência a um entendimento jurisprudencial consolidado pelo ministro Ribeiro Dantas, segundo o qual o uso de roupas civis durante o julgamento no Tribunal do Júri é um direito garantido pela plenitude da defesa:
(...) 3. A Carta Magna prevê a plenitude de defesa como marca característica e essencial à própria instituição do Júri, garantindo ao acusado uma atuação defensiva plena e efetiva, ensinando o doutrinador Guilherme de Souza Nucci que "O que se busca aos acusados em geral é a mais aberta possibilidade de defesa, valendo-se dos instrumentos e recursos previstos em lei e evitando-se qualquer forma de cerceamento. Aos réus, no Tribunal do Júri, quer-se a defesa perfeita, dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres humanos." (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 35).
4. Havendo razoabilidade mínima no pleito da defesa, como se vislumbra do pedido pela apresentação do réu em plenário com roupas civis, resta eivada de nulidade a decisão que genericamente o indefere.
(...) (RMS n. 60.575/MG, relator ministro Ribeiro Dantas, Quinta turma, julgado em 13/8/19, DJe de 19/8/19.) (grifos acrescidos)
Por fim, a decisão consolidou um entendimento do STJ de que o indeferimento genérico do pedido, sem um motivo justificado, viola esse princípio e acarreta nulidade no julgamento.
Assim, o voto, acompanhado pela Quinta turma, foi pela concessão da ordem de habeas corpus, declarando nula a sessão anterior e determinando a realização de novo julgamento, com a garantia de que o réu possa usar roupas civis durante o Tribunal do Júri.
Direito do acusado se posicionar de maneira adequada no Tribunal do Júri
Na hipótese apresentada no habeas corpus 768.422/SP, o réu foi condenado por feminicídio. Durante o julgamento pelo Tribunal do Júri, o acusado foi colocado de costas para os jurados, o que foi considerado uma violação do princípio da presunção de inocência e da dignidade humana.
A defesa argumentou que essa disposição física prejudicou a análise dos jurados e cerceou a defesa plena, levando à anulação monocrática do julgamento do Tribunal do Júri e à determinação de sua renovação. O Ministério Público recorreu, mas o STJ, seguindo os argumentos apresentados pela ministra Daniela Teixeira, negou o provimento do agravo regimental e manteve a decisão de anular o julgamento, destacando a necessidade de respeito à dignidade e aos direitos do réu.
Decisão de relatoria da ministra Daniela Teixeira no HC 768.422/SP
O Tribunal do Júri é o juiz natural e soberano para julgar os crimes dolosos contra a vida, sendo instituição que desempenha o exercício direto da participação da sociedade no Poder Judiciário, nos termos preceituados no art. 5º, XXVIII, da Constituição Federal.
A ministra Daniela Teixeira parte da premissa básica de que "a decisão do Tribunal do Júri, soberana, é regida pelo princípio da livre convicção, e não pelo art. 93, IX, da CF." A decisão reforça que: "a palavra 'sentença' deriva do verbo 'sentir' e que o sentimento é anterior ao pensamento na vida intrauterina", ou seja, os jurados utilizam todos os seus sentidos para chegaram a um veredicto.
Outrossim, cita precedente do STF, da lavra do ministro Marco Aurélio que subsidiou a edição da súmula vinculante 11 ("Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado"), que inibe qualquer constrangimento oficial àqueles que estão em julgamento no Tribunal do Júri:
"É hora de o Supremo emitir entendimento sobre a matéria, inibindo uma série de abusos notados na atual quadra, tornando clara, até mesmo, a concretude da lei reguladora do instituto do abuso de autoridade, considerado o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, para a qual os olhos em geral têm permanecido cerrados. A lei em comento - 4.898/65, editada em pleno regime de exceção -, no art. 4º, enquadra como abuso de autoridade cercear a liberdade individual sem as formalidades legais ou com abuso de poder - alínea "a" - e submeter pessoa sob guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado por lei - alínea "b".
No caso, sem que houvesse uma justificativa socialmente aceitável para submeter um simples acusado à humilhação de permanecer durante horas e horas com algemas, na oportunidade do julgamento, concluiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que a postura adotada pelo Presidente do Tribunal do Júri, de não determinar a retirada das algemas, fez-se consentânea com a ordem jurídico-constitucional. Proclamou a Corte que "a utilização das algemas durante o julgamento não se mostrou arbitrária ou desnecessária e, por conseguinte, não vinga a nulidade arguida", aludindo, no entanto, a precedente da Segunda turma do Supremo que vincula a permanência do preso algemado à necessidade de manutenção da ordem dos trabalhos e de garantia da segurança dos presentes (folhas 408 e 409, numeração de origem, dos autos em apenso)." (HC 91952, relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 7/8/08, DJe-241)
Vale lembrar, apenas a título de exemplo, que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos assegura a todos as pessoas submetidas ao processo penal um tratamento com garantias mínimas:
"Art. 8. Garantias judiciais
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas"
Sobre o tema, cabe citar a doutrina de Daniel Avelar e Rodrigo Faucz:
A presunção de inocência envolve igualmente a obrigação de tratar o acusado como inocente durante toda a persecução penal, ou seja, não apenas garantir a observância dos seus direitos e garantias constitucionais, mas de respeitá-lo na amplitude da sua dignidade à luz de uma dogmática constitucional emancipatória. Assim, cabe aos agentes públicos - aqui incluídos os policiais, agentes penitenciários, Ministério Público, Defensoria Pública, magistrados - tratar o acusado com urbanidade e respeito, evitando a prática de ato que diminua a figura humana da pessoa do réu perante a sociedade (como determinando o uso de algemas quando prescindível; expondo desnecessariamente a sua imagem à curiosidade pública fazendo uso do perpetrator walk; promovendo interrogatórios recheados de perguntas insidiosas ou alavancando armadilhas que possam ancorar o espírito do júri a ir de encontro à autodefesa em plenário, entre outros).?
(...)
Pela análise neurocientífica e psicológica, o fato de julgadores e acusados estarem em posições socioculturais antagônicas traz problemas de identificação. Quanto mais distante for a realidade dos jurados da dos acusados, menos empatia haverá. Isso pode ter como consequência inconsciente uma predisposição a condenar ou, ao menos, uma maior dificuldade de os julgadores conseguirem julgar despidos de qualquer preconceito.
(...)
Nenhuma das partes pode mencionar o fato de o acusado estar ou não algemado. Assim, a acusação não poderá fazer referência ao fato de estar o acusado algemado durante o julgamento como forma de comprovação de sua periculosidade. Da mesma forma, mas em sentido contrário, a defesa não poderá utilizar o fato de estar o acusado sem algemas para demonstrar que o acusado não é perigoso.
O Conselho de Sentença, em geral, é composto, em sua maioria, de pessoas sem conhecimento jurídico e que, portanto, estariam suscetíveis ao estigma provocado pelo uso de algemas em plenário. De maneira a evitar que a estética de culpado repercuta em um prévio juízo de culpabilidade e periculosidade do agente, a legislação veda que as partes façam referências à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade. A utilização das algemas não pode servir como argumentação arbitrária para, perante uma corte leiga e que decide a partir do voto de consciência, projetar a condenação do acusado." (Manual do Tribunal do Júri. 2 ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023, p. 187, 361 e 485). (Grifo acrescido)
De acordo com a ministra: "O julgamento do Tribunal do Júri pode se estender por muitas horas e, durante esse período, os jurados dedicam atenção a todos os ritos, aos advogados e, principalmente, ao acusado, que permanece exposto a análises até a decisão final. Desse modo, o local em que ele fica, a roupa que usa e a utilização de algemas, por exemplo, são fatores simbólicos observáveis e ponderados pelos jurados."
Nesse sentido é a doutrina dos defensores públicos Lucas Aparecido A. Nunes, Ana Cláudia de Souza Ferreira e Denis Sampaio:
"Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer concebe o Tribunal do Júri como um ritual lúdico, onde ações ordenadas - falas, gestos, expressões - de natureza predominantemente simbólica, se desenvolvem em momentos distintos das sessões e inspiram atitudes de lealdade, respeito e reverência a valores que se materializam nos votos dos jurados. Em sua tese, a autora tenta "decodificar" (grifo no original) as linguagens do plenário - expressão textualizada por Thales Nilo Trein- e concorda com este autor quanto à comunicação, durante a sessão plenária, ir muito além da linguagem verbal. O contato visual, as expressões faciais, os gestos e a postura, a vestimenta e aparência, a relativa proximidade entre o defensor e o acusador com o Júri, a paralinguagem (velocidade da fala, volume, variações de tom) e a presença de espectadores na assistência são elementos que podem, involuntariamente, afetar a decisão do Conselho de Sentença. Obviamente, o peso e o impacto dessas diferentes formas de comunicação não verbal variam à medida que são incorporadas e apreciadas no subconsciente de cada jurado." (Grifo acrescido) (O direito à utilização de trajes civis no julgamento perante o Tribunal do Júri)
A ministra concluiu: "No caso, verifico que o juízo submeteu o paciente, inclusive durante o interrogatório, a situação vexatória ao deixar ele de costas aos jurados, juízes naturais da causa. Por fim, verifico que não existe previsão legal e regulamentar para deixar os acusados de costas, mesmos nos julgamentos do Crime Organizado, de acordo com a lei 12.694/12, e de acordo com a recomendação 77/20 do CNJ."
Conclusão
As decisões analisadas são precedentes que reforçam o princípio da presunção de inocência aos acusados nos processos do Tribunal do Júri, permitindo que se apresentem com roupas civis e sejam vistos por seus julgadores.
Além disso, os precedentes reconhecem a importância da aparência do acusado no julgamento pelos jurados, "o ritual e seus simbolismos serão levados em conta pelo jurado, juiz natural do júri, para tomar a decisão final."
As decisões, ainda, reforçam as Regras de Mandela e o compromisso do Brasil com os tratados de direitos humanos, demonstrando sensibilidade do STJ para com o direito das pessoas mais vulneráveis e os direitos humanos.
Os precedentes vão na linha dos julgados da Quinta turma, podendo ajudar na consolidação do entendimento pelos demais juízes e tribunais estaduais de Justiça.
O STJ reafirma a importância do respeito aos princípios constitucionais, como a presunção de inocência, e condena práticas que possam prejudicar a análise justa e imparcial por parte dos jurados.
Em suma, os acórdãos garantem a dignidade da pessoa humana até mesmo na hora de seu julgamento por seus pares.