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O que já aconteceu e o que vem por aí?

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Atualizado em 17 de fevereiro de 2025 10:03

A retrospectiva dos principais precedentes da jurisprudência criminal dos Tribunais Superiores marcou a estreia desta nova coluna. Hoje, iremos tratar dos julgamentos já ocorridos neste início de ano judiciário no STF e no STJ e dos possíveis julgamentos que ainda virão em 2025.

ADPF das Favelas (STF)

Na primeira sessão plenária de 2025, a Suprema Corte iniciou o julgamento da ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - 635, conhecida como "ADPF das Favelas". O relator, ministro Edson Fachin, proferiu seu voto, julgando parcialmente procedentes os pedidos formulados e estabelecendo uma série de medidas para a redução da letalidade policial no Estado do Rio de Janeiro.

Os principais pontos da decisão do relator foram:

1. Plano de redução da letalidade policial

  • Homologação parcial do "plano de redução da letalidade policial", apresentado pelo Estado do Rio de Janeiro;
  • Inclusão de novos indicadores para monitoramento da letalidade policial, como eventos de uso excessivo da força e mortes com autoria indeterminada;
  • Publicização de dados sobre mortes de civis e policiais, especificando a corporação envolvida, se estavam em serviço e o contexto da ocorrência.

2. Reconhecimento do estado de coisas inconstitucional

  • O relator reconheceu a permanência de um estado de coisas inconstitucional na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, determinando seu acompanhamento contínuo.

3. Criação de comitê de acompanhamento

  • Criação de um colegiado interinstitucional, com caráter consultivo, para fiscalizar o cumprimento das determinações do STF. O comitê seria composto por representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Poder Executivo, do CNJ, do Conselho Nacional do Ministério Público e da sociedade civil.

4. Observância de normas internacionais e nacionais sobre uso da força

  • Aplicação das seguintes normas: (i) lei 13.060/14, que disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública; (ii) princípios básicos sobre utilização da força (ONU/90); e (iii) código de conduta para funcionários responsáveis pela aplicação da lei (ONU/79).

5. Assistência psicológica aos profissionais de Segurança Pública

  • Recomendação para a criação de um programa de saúde mental para policiais, com atendimento psicossocial obrigatório após incidentes críticos.

6. Afastamento preventivo de policiais

  • Regulamentação para afastamento preventivo de agentes envolvidos em mais de uma ocorrência com morte decorrente de intervenção policial no período de um ano.

7. Regulação do uso de helicópteros em operações

  • Condicionamento do uso de aeronaves à estrita necessidade, com elaboração de relatório circunstanciado ao final de cada operação.

8. Restrições ao ingresso em domicílios

  • A busca domiciliar deve ser realizada somente durante o dia, salvo flagrante delito justificado por fundamentos robustos;
  • Vedação ao uso exclusivo de denúncia anônima como justificativa para o ingresso forçado em domicílio.

9. Presença obrigatória de ambulâncias em operações

  • Regulamentação, em até 180 dias, para garantir a presença de ambulâncias em operações policiais com risco de confronto armado.

10. Preservação de vestígios de crimes

  • Proibição da remoção indevida de cadáveres, sob pretexto de socorro, e o descarte de peças e objetos importantes para a investigação.

11. Restrições a operações policiais próximas a escolas e hospitais

  • Observância da proporcionalidade e justificativa detalhada sobre necessidade de operações em tais locais, além da proibição do uso de instalações de escolas e hospitais como bases operacionais para as polícias.

12. Transparência e relatórios detalhados sobre operações policiais

  • Relatórios pré e pós-operação detalhados, incluindo dados sobre planejamento, execução e resultados;
  • Uso obrigatório de câmeras corporais;
  • Comunicação imediata ao Ministério Público em casos de mortes por intervenção policial.

13. Monitoramento e controle de armas e munições

  • Integração entre sistemas de rastreamento do Ministério da Defesa e do Ministério da Justiça e Segurança Pública;
  • Adesão do Estado do Rio de Janeiro ao Sistema Nacional de Análise Balística.

14. Garantia de investigações independentes sobre mortes por policiais

  • Determinação para que as investigações sobre mortes por intervenção policial sejam conduzidas diretamente pelo Ministério Público;
  • Vedação da atuação de peritos vinculados à Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro nessas hipóteses.

15. Acesso aos microdados da Segurança Pública pelo Ministério Público

  • Obrigatoriedade de compartilhamento de dados sobre operações, investigações e perícias entre forças de segurança e o Ministério Público.

16. Apoio Federal

  • Envio da decisão ao governo Federal para análise e suporte no controle de armas e na reestruturação da Polícia Científica do Estado do Rio de Janeiro.

Com essas determinações, a decisão do relator estabeleceu um amplo conjunto de medidas para reduzir a violência policial e garantir maior controle e fiscalização das forças de Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro, reforçando a necessidade de transparência, prestação de contas e respeito aos direitos fundamentais.

O julgamento foi suspenso após o voto do ministro Fachin e ainda não há data definida para seu retorno ao plenário da Corte. Ficaremos atentos!

Revista íntima para ingresso em presídios (STF)

O ARE - Recurso Extraordinário com Agravo - 959.620 foi objeto de julgamento na segunda sessão plenária presencial do STF, confirmando a intensidade com que o ano de 2025 se iniciou para os operadores do Direito Criminal.

O referido recurso objetiva estabelecer se a revista íntima para ingresso em estabelecimento prisional ofende ou não o princípio da dignidade da pessoa humana e a proteção constitucional do direito à intimidade, à honra e à imagem das pessoas.

Em 28/10/20, o relator, ministro Edson Fachin, proferiu seu voto em sessão virtual e propôs a fixação da seguinte tese de julgamento:

"É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos".

No dia seguinte, 29/10/20, o ministro Alexandre de Moraes apresentou voto divergente, sugerindo a fixação da seguinte tese:

"A revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais será excepcional, devidamente motivada para cada caso específico e dependerá da concordância do visitante, somente podendo ser realizada de acordo com protocolos preestabelecidos e por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos na hipótese de exames invasivos. O excesso ou abuso da realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou médico e ilicitude de eventual prova obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá impedir a realização da visita".

Na ocasião, foram colhidos os votos dos ministros Roberto Barroso e Rosa Weber, que acompanharam o relator, tendo o ministro Dias Toffoli pedido vista. Em 28/6/21, o ministro Toffoli concordou com o voto divergente do ministro Alexandre e houve novo pedido de vista, dessa vez pelo ministro Nunes Marques.

Em 22/5/23, Nunes Marques acompanhou, na íntegra, o voto divergente de Alexandre de Moraes. Em 6/6/24, os ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia acompanharam o voto do ministro Edson Fachin. Houve pedido de vista pelo ministro Cristiano Zanin e, no dia 28/10/24, ele proferiu voto igualmente acompanhando o relator, mas propôs a seguinte complementação à tese de julgamento: "Neste período, ou até que os mencionados equipamentos eletrônicos estejam em funcionamento nas instituições de segregação, é permitida a revista pessoal superficial, desde que não vexatória".

Alexandre de Moraes destacou o feito, o qual foi levado a julgamento na sessão plenária presencial do último dia 6/2/25. Fachin confirmou seu voto, mas reformulou a tese proposta no seguinte sentido:

"1. Em visitas sociais nos presídios ou estabelecimentos de segregação é inadmissível a revista íntima com o desnudamento de visitantes ou a inspeção de suas cavidades corporais. 2. A prova obtida por revista vexatória é ilícita, ressalvando-se as decisões proferidas e transitadas em julgado até a data deste julgamento. 3. A autoridade administrativa tem o poder de não permitir a visita diante da presença de indício robusto de ser a pessoa visitante portadora de qualquer item corporal oculto ou sonegado, especialmente de material proibido, como produtos ilegais, drogas ou objetos perigosos. 4. Confere-se o prazo de 24 meses, a contar da data deste julgamento, para aquisição e instalação de equipamentos como scanners corporais, esteiras de raio X e portais detectores de metais. Neste período, ou até que os mencionados equipamentos eletrônicos estejam em funcionamento nas instituições de segregação, é permitida a revista pessoal, desde que não vexatória".

O ministro Alexandre de Moraes, então, sugeriu outra redação à tese, nos seguintes termos:

"Excepcionalmente, na impossibilidade de utilização do scanner corporal, esteira de raio-x, portais detectores de metais, a revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais deverá ser motivada para cada caso específico e dependerá da concordância do visitante, somente podendo ser realizada de acordo com protocolos preestabelecidos e por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos nas hipóteses de exames invasivos. O excesso ou o abuso da realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou do médico e ilicitude de eventual prova obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá impedir a realização da visita".

O julgamento está suspenso e ainda não há data definida para retornar ao plenário da Suprema Corte.

Tema repetitivo 1.186 (REsp 2.015.598/PA - STJ)

No primeiro encontro deste ano da Terceira seção do STJ, ocorrido em 6/2/25, foi julgado o Tema repetitivo 1.186 (REsp 2.015.598/PA).

A questão submetida a julgamento era definir se o gênero sexual feminino, independentemente de a vítima ser criança ou adolescente, é condição única para atrair a aplicabilidade da lei 11.340/06 (lei Maria da Penha) nos casos de violência doméstica e familiar praticada contra a mulher, afastando-se, automaticamente, a incidência da lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Em decisão unânime, os ministros fixaram a seguinte tese, publicada no último dia 12/2/25:

"1. A condição de gênero feminino é suficiente para atrair a aplicabilidade da lei Maria da Penha em casos de violência doméstica e familiar, prevalecendo sobre a questão etária. 2. A lei Maria da Penha prevalece quando suas disposições conflitarem com as de estatutos específicos, como o da Criança e do Adolescente"

Tema repetitivo 1.241 (REsp 2.059.576/MG e 2.059.577/MG - STJ)

No dia 6/2/25, a Terceira seção também iniciou o julgamento do Tema repetitivo 1.241 (REsp 2.059.576/MG e 2.059.577/MG), cuja controvérsia é a possibilidade ou não de utilização da quantidade e da variedade das drogas apreendidas para definir a fração da minorante do tráfico privilegiado, prevista no art. 33, § 4º, da lei 11.343/06.

O relator, ministro Ribeiro Dantas, acatando as sugestões do ministro Messod Azulay Neto, proferiu seu voto e propôs a seguinte tese de julgamento:

"1. A quantidade e a natureza da droga apreendida podem ser utilizadas para modular a fração de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4º, da lei 11.343/06, desde que não consideradas na primeira fase da dosimetria. 2. A quantidade de droga, por si só, não afasta necessariamente a aplicação do redutor, mas pode servir de parâmetro para modulação da fração de diminuição".

Houve pedido de vista pelo ministro Rogério Schietti Cruz e o julgamento foi suspenso na sessão do dia 12/2/25, pois os ministros pretendem analisar o feito em conjunto com outros correlacionados ao mesmo tema e que se encontram sob a relatoria do ministro Messod Azulay Neto.

Tema repetitivo 1.277 (REsp 2.069.773/MG - STJ)

Na análise do Tema repetitivo 1.277, relacionado ao Leading case REsp 2.069.773/MG, sob a relatoria do desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, a Terceira seção definiu, por unanimidade, na primeira sessão presencial de 2025, que:

"É possível, conforme o art. 42 do Código Penal, o cômputo do período de prisão provisória na análise dos requisitos para a concessão do indulto e da comutação previstos nos respectivos decretos".

Tema repetitivo 1.274 (REsp 2.119.556/DF e 2.109.337/DF - STJ)

O Tema repetitivo 1.274, apreciado pela Terceira seção no dia 12/2/25, igualmente sob a relatoria do desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, buscava definir se o preso pode receber visitas de quem está cumprindo pena em regime aberto ou em gozo de livramento condicional.

Após sugestão do ministro Messod Azulay Neto, a tese restou assim fixada:

"O fato de o visitante cumprir pena privativa de liberdade em regime aberto ou em livramento condicional não impede, por si só, o direito à visita em estabelecimento prisional".

Julgamentos previstos

Como vimos, as duas primeiras semanas do ano judiciário de 2025 foram intensas e marcadas por julgamentos de extrema relevância para a interpretação e aplicação do Direito Criminal brasileiro. Além da retomada da análise da "ADPF das Favelas" pelo STF, está previsto o enfrentamento das seguintes questões pela Terceira seção do STJ1:

Tema repetitivo 1.107 - A questão submetida a julgamento é saber se há imprescindibilidade de laudo pericial firmado por perito oficial para o reconhecimento da qualificadora do rompimento de obstáculo nos crimes de furto. O relator do processo é o ministro Rogerio Schietti Cruz.

Tema repetitivo 1.163 - A controvérsia aqui é saber se a simples fuga do réu para dentro da residência, ao avistar os agentes estatais, e/ou a mera existência de denúncia anônima acerca da possível prática de delito no interior do domicílio, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, constituem ou não, por si sós, fundadas razões (justa causa) a autorizar o ingresso dos policiais em seu domicílio, sem prévia autorização judicial e sem o consentimento válido do morador. O relator também é o ministro Rogerio Schietti Cruz.

Tema repetitivo 1.236 - O julgamento determinará se, para obtenção da remição da pena pela conclusão de curso na modalidade a distância, a instituição de ensino deve ser credenciada junto à unidade prisional em que o reeducando cumpre pena para permitir a fiscalização das atividades e da carga horária efetivamente cumprida pelo condenado. O tema repetitivo tem como relator o ministro Og Fernandes.

Estupro de vulnerável - O colegiado analisará, em processo sob segredo de justiça, se o critério para configuração do estupro de vulnerável é objetivo. A discussão é determinar se o fato de a pessoa ter menos de 14 anos é suficiente para caracterizar o crime. O recurso, da relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior, foi afetado à Terceira seção em dezembro de 2024 por decisão da Sexta turma. A medida foi tomada devido a divergências entre as duas turmas de Direito Penal (Quinta e Sexta turmas do STJ).

Estaremos atentos a cada passo dos Tribunais Superiores em 2025. Quando surgir alguma novidade, ela será abordada nesta coluna com o objetivo de manter nossos leitores sempre atualizados.

Vamos em frente e um excelente ano judiciário a todos!

1 Fonte: disponível aqui.