O processo como campo do sofrimento psíquico e os espaços de escuta possíveis
quinta-feira, 31 de agosto de 2023
Atualizado às 09:19
O processo jurisdicional pode ser pensado como um campo frutífero para diversos fenômenos psíquicos: ressentimento, luto, mal-estar, sintoma, sofrimento. Mesmo que a ocorrência de tais fenômenos não ocorra necessariamente independente - mas sim interdependente -, eles podem ser investigados, ainda que academicamente, de certa forma "isolada". Tomemos assim, como exemplo, o sofrimento psíquico.
Em trabalho recém-publicado, em conjunto com o Prof. Christian Ingo Lenz Dunker (Dunker), denominado "Escuta e narrativas de sofrimento no processo de recuperação judicial das empresas"1, pôde-se analisar as narrativas de sofrimento e seus efeitos nos processos de recuperação de empresas, mais especificamente a recuperação judicial. Ainda que não sejam premissas, a pesquisa passou por três considerações:
(a) que o sofrimento apresenta estrutura narrativa, transitivismo e déficit de reconhecimento;
(b) que tais narrativas têm maior peso no processo de recuperação judicial, uma vez que, de um lado, visa-se a possível composição entre as partes a partir de um dever de negociação, mas o que se nota é uma dificuldade maior para a criação de novos laços (a partir dos laços rompidos pelo não cumprimento das obrigações sujeitas, chegando a situações até mesmo patológicas) e
(c) que faltaria ao referido processo um campo de escuta capaz de transformar tais narrativas de sofrimento, e viabilizar um "reenlace".
Sintetiza-se, assim, parte da pesquisa registrada no trabalho citado.
Como fenômeno psicanalítico, a partir da obra de Sigmund Freud, pode-se observar que o sofrimento, ainda que tenha presença no texto introdução ao narcisismo2, ganha maior relevo no texto "Mal-estar na Cultura"3.
Dentre outras questões, há a indicação de um mal-estar que decorre ao sujeito por este não estar em seu lugar natural. Como se esse mal-estar já decorresse da condição de ser vivente do sujeito em sociedade. O texto aduz que é um movimento da própria cultura a criação de ficções para tentar fazer frente a tal mal-estar, como a criação de leis, pactos, contratos. Como se a cultura implicasse em uma série de renúncias e limitações aos sujeitos e, por outro lado, permitisse formas de tentar superar esse mal-estar.
Ainda nesse texto, Freud aponta algumas situações de impasses que levariam o sujeito a sofrimentos, destacando-se como impasses as imperfeições das leis, as exigências de desejos não atendidos (ideais). Ou seja, essas novas realidades, a fim de enfrentar o mal-estar natural da condição de viventes, poderiam gerar também outras situações "penosas" aos sujeitos - como se gerassem outras formas de mal-estar.
Em uma proposta metapsicológica trabalhada, o conceito psicanalítico de sofrimento pôde ser pensado em uma articulação junto ao citado mal-estar, e o sintoma. Nesta proposta, como uma experiencia social, o sofrimento possuiria três aspectos determinantes (condições) como acima apontado: estrutura narrativa, transitivismo, e necessidade de reconhecimento (DUNKER, 2015, p. 149)4.
Da mesma forma como o mal-estar implica na necessidade de uma nomeação, e o sintoma possui estrutura de metáfora, o sofrimento apresentaria uma estrutura narrativa. Narrativa, ou narrativas de sofrimento.
Nessa linha, o professor Dunker publica em 2015 o livro "Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros"5, onde, dentre várias reflexões profundas, propõe uma definição do que vem sendo nomeado de patologias do social, que aborda as espécies de narrativas de sofrimento, e a patologia que surge pelo seu não reconhecimento.
Segundo o professor Dunker, não seriam muitas as maneiras de sofrer. Ele nomeia quatro espécies de narrativas, podendo-se destacar a narrativa da violação do contrato/pacto como sentimento social de desrespeito e/ou indignidade6.
O segundo aspecto do sofrimento seria que ele é sempre transitivista. O transitivismo é uma experiencia que acontece na criança pequena, mas retorna no adulto em crise - retorna em momentos problemáticos (DUNKER, 2015, p. 37)7. O sofrimento seria uma experiencia compartilhada8, de certa forma como o próprio luto necessita ser, ou ainda, necessita ter um campo para compartilhamento em seu processo de elaboração9.
Neste ponto, chega-se ao terceiro aspecto do sofrimento que indica que ele corresponde sempre a um déficit de reconhecimento - pede-se que algo seja reconhecido.
O sofrimento seria uma substância performativa. Ele depende do reconhecimento - ou da falta de - que a ele se dispensa. O sofrimento se sujeitaria, assim, a uma gramática de reconhecimento. E essa gramática caberia ao entorno (meio), ao outro10.
Jaqcues Lacan, conhecido psicanalista francês, por mais que tenha abordado o sofrimento também a partir de outras referências11, indica que existe uma verdade que se faz necessária ser reconhecida, ao sujeito, em seu sofrimento12. E por se relacionar diretamente a um déficit, é possível afirmar que o sofrimento, que é reconhecido como legítimo, é experimentado ontologicamente diferente daquele que não o é.
Ou seja, aliado à definição de implicar em um déficit de reconhecimento, é a partir deste que o sofrimento pode sofrer transformações13. Dependendo, inicialmente, se ele é reconhecido, e de que maneira isso corre, haveria o seu efeito transformativo14-15.
Todavia, a falta de reconhecimento pode levar ao surgimento de uma patologia, que pode ser definida como uma patologia do social16.
Um exemplo que pode ser dado dessa forma de patologia refere-se ao caso do Primo Levi. Prisioneiro e sobrevivente de Auschwitz na segunda guerra mundial, Levi, em sua obra "É isto um homem?", narra a necessidade de escrever a história na tentativa de se livrar dela17, ainda que apenas a escrita não tenha sido suficiente para a transformação de seu sofrimento psíquico18.
Nessa linha, se de um lado há a transformação do sofrimento a partir de uma forma de reconhecimento, por outro, a indiferença quanto a esse déficit pode levar a uma patologia social.
Mesmo que se possa pensar que a escrita seja uma tentativa de partilha, o sofrimento pode implicar num ato de maior relação transitivista. Não bastaria a expectativa de apenas "mostrar aos outros" por meio dos testemunhos escritos. A transformação do sofrimento dependeria do outro, ou ainda da escuta do outro - de um outro sujeito.
Dependeria de um outro sujeito capaz de ter uma escuta fora de sua própria posição - de sua posição de poder, de dizer o que é certo ou não. E escutar, da forma qualificada como esperado, teria como pressuposto à renúncia a essa posição de poder.
Nesse sentido, na citada pesquisa recentemente publicada, pôde-se analisar as narrativas de sofrimento e seus efeitos nos processos de recuperação de empresas, mais especificamente a recuperação judicial.
A escolha da temática, além de ser objeto de pesquisa e de atuação profissional, também leva em conta a distinção da alocação de poder que torna o processo de recuperação diferente dos demais: ao invés das narrativas apresentadas pelas partes serem objeto de uma decisão judicial com resolução de mérito tradicional, elas estão contidas nas negociações entre as partes e, comumente, na deliberação dos credores nas Assembleias Gerais de Credores.
Assim, a alocação de poder ao magistrado limita-se ao controle da legalidade do próprio processo - o que implica em um menor peso do que a deliberação dos credores em assembleia para o deslinde do conflito.
Deliberação decorrente das negociações. Negociações decorrentes da capacidade das partes criarem laços, a partir de laços anteriormente rompidos ("reenlace"). Novos laços que se defrontam com as narrativas de sofrimentos das partes.
Nessa linha, a possibilidade do reenlace entre as partes, além de envolver complexas questões econômico-financeiras, envolveria ainda outros desafios relacionados a própria capacidade de fazer novos laços, principalmente diante do confronto de narrativas de sofrimentos apresentadas pelos sujeitos desse processo, destacando-se os credores e a empresas em recuperação.
Como proposto na citada pesquisa, o reconhecimento das narrativas de sofrimento poderia levar a uma transformação, enquanto o não reconhecimento poderia ensejar até situações patológicas - o que impediria o avanço das negociações independentemente da capacidade das partes de evoluírem naquelas questões econômico-financeiras.
Contudo, a estrutura processual teria pouco espaço para o citado reconhecimento e transformação das narrativas de sofrimento. Enquanto o processo pode ser considerado como campo frutífero para o sofrimento, não haveria espaços da mesma forma frutífera para o seu reconhecimento e consequente transformação.
Na verdade, pensando na estrutura de um processo comum, o discurso que imperaria para a sua resolução é o da Lei - e ainda que proporcione a uma das partes uma vitória, nem sempre ensejará a transformação das narrativas de sofrimento. As narrativas serviriam, quando muito, apenas para a subsunção dos fatos à norma, e a consequente resolução pela aplicação da norma concreta ao conflito. Nem mesmo no processo de recuperação judicial haveria necessariamente um espaço capaz de ensejar esse reconhecimento.
Citadas as considerações, a conclusão da pesquisa foi a de que é difícil pensar a existência de um espaço com essa capacidade (de escuta e transformação do sofrimento), dentro dos processos jurisdicionais, sem pensar na mediação.
Dado o "adiantado" do presente texto, na~o seria aqui o espac¸o mais adequado - diga-se, suficiente em extensa~o - para tentar descrever todas as benesses da mediac¸a~o como me´todo de soluc¸a~o dos conflitos. Mas pode-se apontar apenas uma, que colide positivamente com a construc¸a~o/conclusa~o da pesquisa: a mediac¸a~o tambe´m e´ um espac¸o de escuta, de uma escuta qualificada. Qualificada, por ser principalmente "sem julgamentos". E, por mais que na~o seja terapia, na~o se pode negar os efeitos benéficos que pode gerar na transformac¸a~o das narrativas de sofrimento.
Esse espaço de escuta qualificada teria impacto maior nos processos de recuperação judicial, uma vez que o deslinde da controvérsia não decorre da aplicação pura e simples da Lei, mas da deliberação dos credores a partir da capacidade das partes de se reenlaçar.
Nesse sentido, a capacidade de transformação das narrativas de sofrimento, pela mediação, em decorrência de suspender-se o confronto de tais narrativas entre as partes, seria uma hipótese de transformação do sofrimento psíquico contido nos conflitos19.
Fica para o leitor a proposta de pensar o processo a partir de outras referências, principalmente a reflexão de entender quais espaços de escuta seriam a ele possíveis.
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1 DANTAS, Rodrigo D'Orio; DUNKER, Christian Ingo Lenz. Escuta e narrativas de sofrimento no processo de recuperação judicial das empresas. Revista de Direito Empresarial - RDEmp, Belo Horizonte, ano 20, n. 01, p. 119-138, jan./abr. 2023. DOI: 10.52028/RDEmp.v20i1_ART06.
2 FREUD, Sigmud (1914 [1996]). Sobre o narcisismo: uma introdução. In ESB Obras Completas, v.XIV. Rio de Janeiro: Imago.
3 FREUD, Sigmud (1930 [1976]). O mal-estar na civilização. In ESB Obras Completas, v.XXI. Rio de Janeiro: Imago.
4 DUNKER, Christian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. 1. Ed São Paulo: Boi Tempo, 2015, p. 149.
5 DUNKER, Christian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. 1. Ed São Paulo. São Paulo: Boi Tempo, 2015.
6 Outras narrativas seriam a do objeto intrusivo (estrangeiro ou deficitariamente reconhecido), a da alienação da alma (esvaziamento, solidão ou apatia), a da dissolução de espírito (anomia, fracasso ou excesso de individualização da experiência). (DUNKER, Christian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. 1. Ed São Paulo: Boi Tempo, 2015, p. 57).
7 No mesmo sentido: "Os atos de reconhecimento ou de desconhecimento transformam a experiência real do sofrimento. Esse é um fenômeno conhecido como transitivismo, o qual Lacan associou ao segundo tempo do estádio do espelho (...) Argumentamos que o sofrimento possui uma estrutura transitivista, pois nele indetermina-se quem sofre e quem está reconhecendo o sofrimento daquele que sofre. E essa não é uma experiência ontologicamente indiferente" DUNKER, Christian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. 1. Ed São Paulo: Boi Tempo, 2015, p. 37.
8 "O sofrimento se partilha e é função direta dos atos de reconhecimento que o determinam como tal (...) O ponto-chave aqui é o fato de o sofrimento ser uma experiência compartilhada e coletiva." DUNKER, Christian. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. 1. Ed. São Paulo, Boi Tempo, 2015, pp. 24 e 37.
9 Jean Allouch, em sua obra "Erótica do luto, entende que, por mais que o processo de luto seja algo intrasubjetivo, a melhor forma de realizá-lo seria a sua enunciação em vozes, em palavras, quase como um verdadeiro processo de transferência - transferência para o Outro, o que implica na necessidade coletiva de compartilhamento. (ALLOUCH, J. Erótica do luto no tempo da morte seca. Tradução de Procopio Abreu. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004).
10 "(...) a noc¸a~o de sofrimento como uma patologia da economia de reconhecimento, ou seja, uma inflexa~o dupla do narcisismo sobre o sintoma e do sintoma sobre o mal-estar. Nossa hipo´tese e´ de que o sofrimento sempre responde a um de´ficit de reconhecimento, seja do ponto de vista dos atores imagina´rios, do Outro simbo´lico ou de atos reais." (DUNKER, Christian Ingo Lenz. As transformacoes do sofrimento psíquico. In: Instituto cpfl. 28 de julho de 2014. Disponi´vel aqui. Acesso em 15 jun 2023).
11 Como na descrição da figura de Aimée - Lacan, J. (1932) Da Psicose Paranoica em suas Relações com a Personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987 -, e na analisa do sofrimento decorrente do declínio da imago paterna - Lacan, J. (1938) Complexos Familiares. Jorge Zahar, 1998:45.
12 Necessidade de do reconhecimento da verdade que existe no sofrimento in Lacan, J. (1966) A Ciência e a verdade. In Escritos, Jorge Zahar, 1998; e ainda in O Seminário XIII. Na mesma linha, Lacan, J. (1968-1969) O Seminário Livro XVI De um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar:2008.
13 Tais formas dependem da perspectiva que se assume diante do sofrimento, por exemplo, mostrou-se em estudo anterior que a variedade de atitudes e de interpretação diante do sofrimento do outro corresponde à variedade de recepção narrativa do próprio sofrimento, da crueldade à compaixão, da valentia à fuga." (DUNKER, Christian Ingo Lenz. As transformações do sofrimento psíquico. In: Instituto cpfl. 28 de julho de 2014. Disponível aqui. Acesso em 15 jun 2023).
14 Donoso, MARIE DANIELLE BRÜLHART. Estudo psicanalítico sobre a gramática da maldade gratuita. Dissertação de doutorado defendida no IPUSP em 2011, orientação Prof. Dr. Nelson da Silva Junior, p. 54/55. No mesmo sentido: "(...) na crueldade, o objeto é da mesma forma ignorado como pessoa, o que explica a ausência de compaixão [...] A compaixão, ao surgir, revela o objeto em sua identidade e torna impossível essa crueldade original" (MIJOLLA-MELLOR, S. Crueldade do feminino. Trad. Procópio Abreu. Rio de Janeiro: Cia. de Freud, p. 47)
15 "Compartilhar o trauma e ser reconhecido pelo outro é tarefa fundamental para quem testemunha. É com o outro que as histórias de fantasmas podem ser compartilhadas com mais segurança, o que garante um pouco mais de conforto àquele que é assombrado por tais fantasmas. Com o outro pode-se 'outra vez' reviver o trauma, mas agora amparado, não mais sozinho. Testemunhar é uma tentativa de compartilhar o terror, repetindo-o sob a forma de uma narrativa que ajuda a purgar as feridas provenientes do trauma" Antonello, Diego Drichs. Trauma, memória e figurabilidade na literatura do testemunho. Curitiba:Appris, 2020, p. 131
16 (DUNKER, Christian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. 1. Ed São Paulo: Boi Tempo, 2015, p. 188).
17 "Sou consciente dos defeitos estruturais do livro e peço desculpas por eles. Senão de fato, pelo menos como intenção e concepção, o livro já nasceu nos dias de Campo. A necessidade de contar 'aos outros', de tornar 'os outros' participantes, alcançou entre nós, antes e depois da libertação, caráter de impulso imediato e violento, até o ponto de competir com outras necessidades elementares. O livro foi escrito para satisfazer essa necessidade em primeiro lugar, portanto, com a finalidade de libertação interior. Daí, seu caráter fragmentário: seus capítulos foram escritos não em sucessão lógica, mas por ordem de urgência" LEVI, Primo. É isto um homem?. Rio de janeiro: Rocco, 1988, p. 8.
18 Ainda que possa ser discutida a causa da morte de Primo Levi, tanto a polícia científica italiana, quanto algumas bibliografias apontam para a hipótese de suicídio (vide THOMSON, Ian. Primo Levi. Tradução de Julio Paredes. Barcelona: Belacqua, 2007).
19 "Faltaria, assim, ao processo de recuperação, um espaço em que pudesse ficar suspenso o confronto entre as narrativas de sofrimento dos envolvidos e, a partir dessa suspensão, que existisse ainda a figura de uma escuta qualificada a fim de servir para reconhecer - e transformar - o sofrimento psíquico das partes. Como visto, essa escuta está muitas vezes presente no procedimento de mediação, uma vez que, principalmente nas sessões privadas, haveria a 'suspensão' do confronto das narrativas de sofrimento, em um espaço isento de julgamento e avaliação das narrativas apresentadas, ensejando o surgimento de um campo mais frutífero para transformar o sofrimento por meio de seu reconhecimento. A mediação poderia ser lida, então, como uma ferramenta pela qual fosse possível existir uma escuta diferenciada da própria narrativa de violação do contrato, do objeto intrusivo, e ainda capaz de abrir um campo de escuta para os demais sofrimentos não narrados pelas partes (permitir a narrativa do não dito). Daí que a atitude de escuta do estigma demande além de empatia - natural à mediação - de tempo e dedicação para que a fala daquele que sofre seja acolhida, reverberada do outro em nós e eventualmente transformada por uma palavra que acrescente ou ajude o outro em seu próprio processo de luta contra o estigma (DUNKER, 2015b, p. 105). Nessa lógica, muitas vezes será necessária a figura de um terceiro, não julgador, mas "escutador" desses sofrimentos para que possa pensar em um campo de transformação. E a mediação, como observado, pode servir como ferramenta para essa escuta. Uma ferramenta capaz de superar o mal-estar para apenas um "estar", um estar de pertencimento. Assim, pertencimento pode representar mais do que um agir no mal-estar, com a transformação de um sofrimento, mas também a retomada de fragmentos de liberdade perdidos, ao deixar o "ter que" participar do processo de recuperação, para o "querer" definir, junto com a empresa, as formas de recuperação e meios de pagamento." DANTAS, Rodrigo D'Orio; DUNKER, Christian Ingo Lenz, op. cit. p. 135/136.