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A Convenção de Singapura sobre acordos em mediação

sexta-feira, 2 de julho de 2021

Atualizado às 07:36

No último dia 4 de junho o Brasil assinou a Convenção das Nações Unidas sobre Acordos Comerciais Internacionais resultantes de mediação - mais conhecida como Convenção de Singapura. Ao fazê-lo, o país realça, agora no cenário internacional, a importância que destaca à mediação como forma de solução de conflitos.

Em vigor desde 12 de setembro de 2020 - quando se completaram seis meses do terceiro depósito de ratificação, aprovação e adesão1, a Convenção de Singapura representa o reconhecimento internacional da força executiva dos acordos resultantes de procedimento de mediação comercial internacional.

Fruto dos trabalhos iniciados em 2015 pela UNCITRAL e assinada por 462 países na festejada cerimônia de 07 de agosto de 2019, em Singapura, de lá seguiu para a sede da ONU, em Nova Iorque, onde atualmente conta com ratificações e adesões formalizadas por seis países3, dentre 54 Países signatários4, dos quais se destacam as principais e mais importantes economias do cenário internacional, como por exemplo Estados Unidos, China e Índia5.

A comunidade jurídica aguardava com ansiedade a adesão do Brasil à Convenção, uma vez que a solução pacífica dos conflitos é preceito constitucional (CF, art. 4º, VII), e também porque, desde 2015, a mediação de conflitos é regulada por lei específica (lei 13.140/2015), além de estar contemplada no Código de Processo Civil (art. 3º, §§ 2º e 3º; art. 165 e segts), e em várias normas esparsas.

Importante notar, também, que, nesse cenário, desde que observados os requisitos de formação, o Brasil reconhece a força executiva dos títulos extrajudiciais internacionais, pois a lei processual admite sua execução sem necessidade de homologação judicial (CPC, art. 784, XII, §§º e 3º).

No cenário econômico, os impactos da adesão do Brasil à Convenção também são bastante positivos, uma vez que caminha no sentido de fomentar o uso dos métodos alternativos - e, portanto, extrajudiciais - de conflitos, na linha da desburocratização pregada pela lei 13.874/2019 ("Lei de Liberdade Econômica").  Ademais, reflete na pontuação do Brasil no índice Doing Business do Banco Mundial, no qual o país já possui três pontos relativos a arbitragem e mediação no indicador de execução de contratos.6

Ao aderir à Convenção de Singapura, insere-se nosso País no relevante contexto comercial internacional, reconhecendo e valorizando a mediação como forma de solução de conflitos, no mesmo patamar de importância e segurança jurídica dos métodos adversariais.

Nesse sentido, acredita-se que a Convenção de Singapura representará, para a Mediação, o que a Convenção de Nova Iorque representou para a Arbitragem - dar exequibilidade a decisões proferidas em Estados-membros, sinalizando para o mercado exterior a importância conferida àquele método alternativo de solução de controvérsias.

De se notar que, no início dos trabalhos para elaboração da Convenção de Singapura, os debates propostos não faziam distinção entre os acordos resultantes de mediação ou de conciliação comerciais internacionais, sendo que na sessão havida em fevereiro de 2018, em Nova Iorque, restou definido o propósito de se estabelecer uma convenção sobre "mediação".

É nesse sentido que, ao trazer um amplo conceito de mediação7, pois contempla como requisito essencial que o(a) mediador(a) - esse terceiro chamado ao procedimento - não tenha autoridade para impor solução às partes, a Convenção de Singapura é capaz de abraçar as várias escolas de mediação e de superar a conflitante questão do mediador-árbitro admitida em certas legislações (art. 2, nº 3).

Assim é que, em garantia da executoriedade dos acordos comerciais internacionais resultantes de um procedimento de mediação, a Convenção de Singapura informa que o acordo há de ser escrito (aqui admitido de forma ampla, inclusive por meio eletrônico), concernente a um litígio comercial e internacional, sendo que o caráter internacional se configura no momento da conclusão do acordo8, e resultante de um procedimento de mediação.

No que diz respeito aos efeitos pretendidos, ou seja, para que o acordo possa ser submetido a reconhecimento e execução, deve ele estar assinado pelas partes, sendo que a comprovação do procedimento de mediação pode tanto se dar pela assinatura do(a) mediador(a) como pela certificação da competente autoridade instituidora do procedimento (Câmara ou Centro de Mediação, por exemplo), ou qualquer comprovação que possa ser acolhida pelo Estado responsável pela execução do acordo ("Estado executante").

Quanto a seu objeto e alcance, a Convenção de Singapura é precisa para expressamente afastar de seu âmbito de aplicação acordos relativos a matérias consumeristas, familiares, sucessórias, trabalhistas ou aqueles decorrentes de homologação, conclusão ou registro em procedimentos judiciais ou arbitrais, respeitando, nesse aspecto, respectivamente, tanto a Convenção de Haia como a Convenção de Nova Iorque.

Também há de se ressaltar que a Convenção de Singapura privilegia o respeito ao direito interno do Estado executante para o reconhecimento e execução do acordo, pois preceitua que com ele devem guardar consonância as disposições do acordo (artigo 3.1.).

Em contrapartida, em rol taxativo, a Convenção de Singapura apresenta as hipóteses excludentes à sua aplicação, de forma a deixar claro o reconhecimento da primazia da vontade das partes. Logo, excepcionados os certos e determinados casos previstos na Convenção, o Estado executante não poderá rever o acordo firmado nem recusar seu reconhecimento e consequente execução.

As objeções previstas na Convenção de Singapura referem-se a aspectos formais e materiais do acordo, tais como incapacidade das partes, contrariedade à lei e à ordem pública, alterações posteriores realizadas no acordo, cumprimento espontâneo prévio e, ainda, transgressões ao procedimento de mediação, pelo(a) mediador(a), como são aquelas relacionadas à independência, imparcialidade e aos standards que garantem o livre e consciente discernimento das partes e, por conseguinte, a própria higidez do acordo celebrado.

Não parece desnecessário realçar que, conquanto o objeto da Convenção de Singapura seja a executoriedade dos acordos comerciais internacionais alcançados em mediação, fato é que dela ressai o reconhecimento da mediação como forma de solução de conflitos num cenário de maior e efetiva segurança jurídica, o que representa uma real valorização do próprio instituto da mediação privada.

Nesse contexto, parece possível concluir que, ao conferir uma conceituação ampla e abrangente para mediação de conflitos, delimitar precisamente seu escopo e âmbito de aplicação, e restringir, em rol taxativo, as hipóteses de objeção ao reconhecimento e execução dos acordos comerciais internacionais resultantes de um procedimento de mediação, a Convenção de Singapura é capaz de conciliar e prestigiar tanto a vontade individual como a primazia do direito interno das partes envolvidas.

Lembremos, no entanto, que a assinatura foi um importante passo, mas outros ainda deverão ser dados para que a Convenção de Singapura possa ingressar na ordem jurídica interna brasileira, com o cumprimento das seguintes etapas: (i) aprovação pelo Congresso Nacional, mediante Decreto Legislativo; (ii) ratificação e promulgação, pelo Presidente da República, mediante Decreto Presidencial; e (iii) publicação do Decreto Presidencial.

O trabalho continua!

Mariana Freitas de Souza é advogada e mediadora. Sócia de PVS Advogados. Presidente do ICFML Brasil. Membro do Global Mediation Panel das Nações Unidas.

Silvia Maria Costa Brega é advogada sócia da Simonaggio Advogados. Mediadora com especialização em mediação empresarial certificada avançada pelo ICFML-IMI. Relatora vice-presidente da a 3ª Turma Julgadora do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP e co-coordenadora do GEMEP/CBAr.

__________

1"Artigo 14. Entrada em vigor: 1. A presente Convenção entrará em vigor seis meses após o depósito do terceiro instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão".

2 United Nations Treaty Collection. Disponível aqui. Acesso em 15/6/2021.

3

País

Data da assinatura

Data da ratificação, aceitação, aprovação ou adesão

Singapura

07/08/2019

25/02/2020

Fiji

07/08/2019

25/02/2020

Catar

07/08/2019

12/03/2020

Arábia Saudita

07/08/2019

05/05/2020

Bielorrússia

07/08/2019

15/07/2020

Equador

25/09/2019

09/09/2020

Status: United Nations Convention on International Settlement Agreements Resulting from Mediation. Uncitral, 2021. Disponível aqui. Acesso em 15.06.2021.

4 United Nations Treaty Collection. Disponível aqui . Acesso em 15.06.2021.

5 A lista completa e atualizada pode ser acessada aqui.

6 Brasil assina a Convenção de Singapura sobre mediação internacional. Gov.br, 2021. Disponível aqui. Acesso em 15.06.2021.

7 Art. 2º, 3: "Mediação significa um procedimento, independentemente da expressão usada ou da base sobre a qual o procedimento é realizado, por meio do qual as partes tentam alcançar uma resolução amigável de sua disputa, com a assistência de uma terceira pessoa ou pessoas ("o/a mediador(a)") sem autoridade para impor uma solução às partes em litígio" (tradução livre).

8 Conforme artigo 1º, item 1, o acordo será internacional ne medida em que:

(a)ao menos duas partes tenham suas respectivas sedes sociais em países diferentes;

(b) o local da sede social seja diferente: (i) do lugar da execução das obrigações do acordo; ou (ii) do lugar em que a obrigação do acordo tenha vínculos mais estreitos.