A mediação na recuperação judicial e as técnicas inerentes ao mediador empresarial
sexta-feira, 18 de junho de 2021
Atualizado às 07:45
A aplicação da mediação na matéria de insolvência, até há pouco tempo era rechaçada pela maioria dos operadores do direito e alguns acadêmicos, por entender não ser adequada ao procedimento concursal, tão específico e carregado de normas cogentes, equilibrando-se no eterno dualismo pendular da legislação brasileira de insolvência, preconizado por Fabio Konder Comparato1, ora pendente para o interesse do devedor, em manter seu negócio, ora para a proteção dos interesses dos credores, para satisfação do respectivo crédito; além do princípios basilares da preservação da empresa, maximização dos ativos e par conditio creditorium.
Hoje a moderna visão dountrinária, advinda da influência norte-americana, no final da década de 80, com a edição do Chapter 11, é de superação desse dualismo, reconhecendo na recuperação judicial da empresa em crise, mas viável economicamente, uma ferramenta jurídica para superação da crise, com a necessária distribuição de ônus entre devedor e credores, de forma a preservar a atividade empresarial saudável, bem como os benefícios econômicos e sociais dela.2
A lei 11.101/05, segundo Carnio Costa foi fortemente influenciada pelo Bankruptcy Code dos EUA, adotando um sistema prestigia primoridalmente a função social e a preservação da empresa (art. 473, LFRE) ao invés do interesse do devedor ou credores propriamente ditos, estabelecendo uma distribuição equilibrada de ônus entre devedor e credores. Ao devedor cabe demonstrar a viabilidade econômica do seu plano, cumprimento estrito de sua execução, honrando com os pagamentos dos credores e tributos, mantendo a continuidade da empresa; aos credores cabe anuir ao ônus do pagamento novado, diferido ou alongado, com vistas ao sucesso e soerguimento da atividade da empresa viável, mas em crise. Cabe ao juiz, o controle e a fiscalização dessa distribuição equilibrada de ônus, que na verdade resulta de intensa negociação entre devedores e credores até a aprovação do plano
Carnio Costa, ainda, menciona que "na teoria de divisão equilibrada de ônus na recuperação judicial é, na verdade, um passo adiante no raciocínio da superação do dualismo pendular. Na medida em que se reconhece que a recuperação judicial deve ser aplicada e interpretada com foco na realização dos objetivos maiores do sistema dentro qual as relações de direito material estão inseridas, observa-se que credores e devedores (inseridos no contexto da recuperação judicial) devem assumir ônus a fim de viabilizar o atingimento do resultado útil do processo e todos os benefícios econômicos e sociais decorrentes da manutenção da atividade empresarial.
Cabe ao juiz, o controle e a fiscalização dessa distribuição equilibrada de ônus, que na verdade resulta de intensa negociação entre devedores e credores até a aprovação do plano. É nesse contexto de intensa negociação prévia que a mediação se insere, como mais um instrumento adequado aos fins da própria lei 11.101/2005, que em seu art. 161, prevê inclusive a possibilidade de o devedor propor e negociar com os credores plano de recuperação extrajudicial, demonstrando que a mediação é terreno fértil para a elaboração de um plano de recuperação para a empresa em crise, que contemple essa saudável distribuição de ônus entre devedor e credores, tendo um terceiro imparcial, facilitador da comunicação entre as partes, expert na área, e que possa num ambiente de confidencialidade, auxiliar na aproximação de interesses convergentes, encurtando o procedimento, altamente ritualístico e moroso, evitando impugnações desnecessárias, tornando-o célere e eficaz ao final.
O Brasil já dispõe de uma sólida base normativa dos métodos alternativos consensuais4 ou extrajudiciais iniciada com a Lei de Arbitragem (lei 9.307/96), as alterações no CPC/2015 elegendo a "obrigatoriedade" ao menos na tentativa de conciliação e de mediação, na fase judicial; o advento da Resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça e da Lei de Mediação (13.140/2015) consagraram o instituto no nosso sistema, bem como as subsequentes recomendações 58 e 71, também do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), específicas para área empresarial. Mas, qual o momento adequado para utilização da mediação? Pela via extrajudicial ou judicial, antes ou depois da elaboração do plano? ou depois de sua aprovação? E quais matérias não poderia o mediador atuar? Quais as peculiaridades no regime recuperacional? São perguntas que pretendemos responder, mais do ponto de vista judicial e pragmático, do que acadêmico.
É cediço que a própria natureza dinâmica da atividade empresarial e suas constantes mudanças no cenário econômico, demandam soluções também dinâmicas, dotadas de especificidade5. É nesse contexto que não só a mediação empresarial, mas as negociações extrajudiciais e a arbitragem, inserem-se como principais métodos escolhidos alternativamente à via judicial.
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1 COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos Jurídicos da Macroempresa, São Paulo: RT, 1970, p. 98-101.
2 COSTA, Daniel Carnio. Recuperação Judicial de empresas- As novas teorias da divisão equilibrada de ônus e da Superação do dualismo pendular. In Revista Justiça e Cidadão, edição 207: 20.22.2017. V. tb: A Teoria da Superação do Dualismo Pendular e a Teoria da divisão equilibrada de ônus na recuperação judicial de empresas. In Biblioteca Jurídica da PUCSP, Tomo Direito Comercial, Edição vol. 1, julho de 2018, tópicos 1-3.
3 Lei 11.101/2005, artigo 47: A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a situação de crise econômico financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
4 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os métodos Consensuais de Solução de Conflito no novo CPC. In: VVAA. O Novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo, Atlas, 2015, p. 1-11.
5 BRAGA NETO, Adolfo. A mediação empresarial na prática. In: BRAGA NETO, Adolfo; BERTASI, Maria Odete Duque; RANZOLIN, Ricardo Borges (Coords.). Temas de Mediação e Arbitragem II, São Paulo: Lex, 2018, p. 255/256.