COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalha Trabalhista >
  4. O clamor do Estado gaúcho ao governo Federal

O clamor do Estado gaúcho ao governo Federal

Janete Aparecida Deste e Cláudio Araujo Santos dos Santos

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Atualizado em 27 de maio de 2024 08:12

Dia  21 de maio de 2024 faz quase quatro semanas que praticamente o Rio Grande do Sul inteiro (93,509% das cidades do Estado)1  foi (e permanece) atingido pela maior catástrofe climática que o nosso País já vivenciou, sendo reconhecida   a ocorrência do estado de calamidade pública2  no Estado do Rio Grande do Sul, para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos.

Famílias, residências, empresas de todos os ramos de atividade, criações e plantações, tudo foi alcançado pelas águas e está submerso, total ou parcialmente, desalojando milhares de pessoas e paralisando atividades das mais diversas, desenvolvidas por pequenas e grandes empresas. Enfim, as águas da enchente não pouparam ninguém. O quadro é desolador.

Estamos presenciando/vendo - profundamente abalados -, e ao mesmo tempo muito comovidos, toda a população (ou praticamente toda), do Rio Grande do Sul, dos demais Estados do nosso País e também de todo mundo, ajudando, apoiando, auxiliando, amparando, dando assistência, socorrendo,  protegendo, defendendo, se doando ou doando, cada um do seu melhor jeito3.

Muitas medidas já foram e estão sendo tomadas pelo Estado, pelo Município e pela União, e isto é essencial para que as pessoas sejam salvas, e para que o Estado (e cada uma de suas cidades) possa se organizar, se reestruturar, se reerguer e se reconstruir. É um longo caminho a ser percorrido, mas precisamos dar, a cada momento, mais um passo! É assim que se vence "as batalhas" (quaisquer) da nossa vida, especificamente da nossa vida em sociedade!

E quando falamos em sociedade, necessariamente, lembramos que esta sociedade - no caso, agora, em específico, a sociedade gaúcha -, depois de salvar as pessoas, depende e dependerá, muito, da economia - e de um setor econômico muito forte - para "...se organizar, se reestruturar, se reerguer e se reconstruir".

E quando falamos em economia, obrigatoriamente, falamos das relações de trabalho e/ou de emprego e do Direito do Trabalho, pois, sem qualquer dúvida, é através do trabalho que o indivíduo adquire reconhecimento e dignidade perante o seu próximo e/ou sociedade, fazendo com que participe, ativamente, desta sociedade, provocando, inclusive, o crescimento da economia.

E o que pode ser feito, neste momento tão delicado, no campo do direito do trabalho, considerando a relação empregado x empregador?

Alguns procedimentos,      quando falamos da iniciativa privada, já estão sendo adotados, como, exemplificativamente, as convenções e/ou acordos coletivos firmados/negociados por categorias profissionais e econômicas, representadas pelos respectivos entes sindicais, permitindo, em suas cláusulas, procedimentos emergenciais  e medidas flexibilizadoras, neste período extremamente excepcional e delicado. Não obstante, inúmeras categorias profissionais e patronais ainda não possuem qualquer convenção coletiva e/ou acordo coletivo neste sentido.

No plano estatal, o Estado do Rio Grande do Sul publicou, em 1/05/2024  o Decreto nº 57.596, declarando estado de calamidade pública, o que ensejou a edição do Decreto Presidencial nº 12.016, em 07 de maio de 2024, permitindo o denominado "saque calamidade", consistente na liberação de valores da conta vinculada FGTS, até o limite de R$ 6.220,00, flexibilizando a obrigatoriedade de respeito ao prazo de 12 meses desde o último saque, exigido pelo Decreto  nº 5.113, de 22 de junho de 2004.

E tanto o Ministério Público do Trabalho (MPT)  quanto o Ministério  do Trabalho e Emprego (MTE), dentro de suas limitações/competências, desde o início, têm trazido suas orientações através de Recomendações e Portarias e/ou  Ofícios, respectivamente,  que tratam do tema em referência.

O Ministério Público do Trabalho, em 10 de maio de 2024, além de outras medidas, expediu recomendação4 (RECOMENDAÇÃO nº 02/2024 - GT DESASTRE CLIMÁTICO) que,  em apertada síntese, orienta/recomenda, aos empregadores: 

(i)  a priorizar, para redução dos danos das enchentes, medidas trabalhistas alternativas que garantam a manutenção da renda e do salário dos trabalhadores, como a implementação do teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, a adoção de banco de horas, dentre outras, observando-se os requisitos da Lei 14.437/2022, que institui medidas trabalhistas alternativas em períodos de calamidade pública.

(ii) absterem-se de adotar medidas de suspensão temporária de contrato de trabalho, salvo como parte integrante de um Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda que venha a ser instituído pelo Governo Federal.

(iii) ausência de perdas salariais a trabalhadores diretamente expostos a alagamentos.

(iv) estabelecimento de políticas de flexibilidade de jornada, sem redução salarial, quando serviços como transporte, creches, escolas, dentre outros, não estiverem em funcionamento regular e não houver possibilidade de dispensar o trabalhador da atividade presencial. 

A recomendação  em referência,  ainda, enfatiza     "A situação extrema e excepcional vivenciada no Rio Grande do Sul requer, de todos os atores sociais e integrantes das relações de trabalho, bom senso, solidariedade e apoio mútuo, os quais são fundamentais para a redução do impacto social e econômico, bem como para a superação dos desafios ocasionados por desastres de grande escala", (grifos nossos).

O Ministério do Trabalho e Emprego, por sua vez,  além de outros procedimentos,  editou a  Portaria (Portaria MTE nº 729, de 15 de maio de 2024,  e Ofício (OFÍCIO CIRCULAR SEI nº 294/2024/TEM), respectivamente, determinando a suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do FGTS para os empregadores situados em municípios do Estado do Rio Grande do Sul alcançados por estado de calamidade pública reconhecido  pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, e, em relação ao segundo (Ofício),  orientações às entidades sindicais para adoção de medidas que preservem os empregos, através de negociações coletivas, ressaltando, inclusive que eventual ato ministerial publicado com o objetivo de regulamentar as disposições da Lei 14.437/22 poderá, na medida de suas disposições, autorizar a adoção de medidas diretamente pelos empregadores, sem prejuízo dos acordos e convenções estabelecidos.

Excelentes, pertinentes e necessárias as medidas/recomendações e/ou trazidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Ministério do Trabalho (MTE).

Não obstante, não podemos esquecer que o Poder Executivo Federal tem em mãos (e é competência privativa do Presidente da República), na esteira do que preconiza o artigo 84, XXVI,  da CF5, uma ferramenta  que foi autorizada pela Lei 14.437/226,  ou seja, a Medida Provisória,  através da qual poderá, sim, atenuar, sensivelmente, o,  até agora,  incomensurável  impacto social e econômico, bem como ajudar, significativamente na  superação dos desafios ocasionados pelo desastre climático ocorrido, objetivando, com isto, a manutenção da renda e do salário dos trabalhadores, mas, também, a sobrevivência das próprias empresas, lembrando que a baixa das águas vai permitir aferir a extensão efetiva dos danos.

E através desta ferramenta, poderá o Poder Executivo Federal, dispondo sobre a adoção, por empregados e empregadores, de medidas trabalhistas alternativas e sobre o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, para enfrentamento das consequências sociais e econômicas de estado de calamidade pública  já reconhecida, como antes referido,  para, entre outras possibilidades, fomentar, nas relações de emprego, sem necessidade de acordo ou convenção coletiva: 

§  O teletrabalho.

§  A antecipação de férias Individuais.

§  A concessão de férias coletivas.

§  Do aproveitamento e a antecipação de feriados.

§  O banco de horas.

§  A suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. 

Além disso, ao dispor sobre um  Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, poderá, em benefício dos empregados e empregadores, possibilitar: 

I - o pagamento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm);

II - a redução proporcional da jornada de trabalho e do salário; e

III - a suspensão temporária do contrato de trabalho. 

Como se vê, o Poder Executivo Federal, em um momento de grande preocupação para toda a sociedade gaúcha, em todos os sentidos, tem, em suas mãos, um procedimento, de sua competência privativa, que, se utilizado, sem qualquer dúvida, acarretará uma sensível melhora no ânimo, quando falamos das relações de emprego, dos empregados e dos empregadores.

Então, o que se questiona é por que razão não o fez até agora??

Em apoio ao que aqui vai sustentado,  uma  das grandes entidades empresariais  do Estado do Rio Grande do Sul, a  Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul,  na sexta-feira, dia 17/05/2024, entregou ao Vice-Presidente da República, em Brasília, um documento elencando mais de 40 medidas consideradas urgentes e necessárias ao reerguimento da indústria gaúcha7, entre estas,  a regulamentação da Lei 14.437/2022, instituindo o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

Enfim, não podemos esquecer que a grande maioria das empresas e empregados, hoje, não estão protegidos por convenções coletivas e/ou acordos coletivos emergenciais. Não podemos esquecer, também, que a maior parte da nossa economia é alavancada pelas empresas de pequeno porte, microempresas e microempreendedores individuais, sendo que a grande maioria destas, hoje, não estão protegidas, seja pela inexistência de negociação, seja por ausência da própria categoria empresarial/profissional que lhe proteja. Não podemos esquecer, ainda, que estas empresas de pequeno porte e/ou microempresas recebem tratamento diferenciado na CF (artigo 179, CF), regulamentadas na Lei Complementar 123/20068.

Como se não bastasse todo este cenário, urge recordar que todos estes empregados e empregadores, hoje, desprotegidos, não só especificamente no que se refere ao tema trabalho, necessariamente, ao adotarem qualquer procedimento, precisam de segurança e esta segurança somente é proporcionada pela lei que assim determinar/regulamentar a matéria, sempre lembrando que a lei é a maior expressão da segurança jurídica, tão buscada  por toda a sociedade e expressamente determinada na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro - LINDB, em seu artigo 30.9  

Enfim, o Poder Executivo Federal tem o dever de agir e de agir imediatamente!!!!

Concluindo, estamos passando pela maior tragédia climática vivenciada por nosso País; o Estado do Rio Grande do Sul está em situação caótica. As muitas medidas e procedimentos adotados demonstram o quanto somos - povo gaúcho, brasileiro e mundial - solidários e batalhadores, mas o socorro maior ainda está por vir, e é urgente que venha.

 No que concerne ao tema direito do trabalho (relação empregado x empregador), algumas medidas já estão sendo adotadas, não obstante, o Poder Executivo Federal tem em  suas mãos (e é competência privativa do Presidente da República) ,  a  maior ferramenta (autorizada pela Lei 14.437/22) capaz de atenuar o  impacto social e econômico,  bem como ajudar na  superação dos malefícios resultantes do desastre climático ocorrido, propiciando a manutenção da renda e do salário dos trabalhadores, mas, também, a sobrevivência das próprias empresas.

Enfim, se é certo que qualquer dos poderes públicos não pode se omitir, nunca, é certo que o Poder Executivo Federal, neste momento, não pode esquecer dos empregados e empregadores do Rio Grande do Sul, devendo olhar para este, que clama pela manutenção de uma mínima dignidade, como assegura a vigente Constituição, que estabelece, e é bom lembrar, como um dos objetivos fundamentais da República, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

_____________

1 Total de munícipios do RS: 493; total de munícipios atingidos: 461. Fonte: Defesa Civil.

2 Decreto 57596, DE 1º DE MAIO DE 2024 E DECRETO 57.614, DE 13 DE MAIO DE 2024. DECRETO LEGISLATIVO Nº 36, DE 2024

3 "Não posso ajudar todo mundo, mas todo mundo pode ajudar alguém!"

4 Disponível aqui.

5 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) XXVI - editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62;

Disponível aqui

Disponível aqui.

Disponível aqui

9 Art. 30.  As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.