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Justa causa por prática constante de jogos de azar e liberação de apostas online

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Atualizado às 07:49

O tema da autorização das "bets" ou "online betting" - as famosas apostas online - gerou alvoroço jurídico e, em certa medida, impactará até mesmo o âmbito trabalhista. Inclusa exploração pela lei 14.790/23, passou-se a autorizar que empresas explorarem apostas virtuais sobre eventos desportivos.

Contudo, existe e continuará existindo forte discussão sobre anacronismos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a dificuldade em se impor avanços da sociedade no texto legal. Em outras palavras: o Brasil aceita comportamentos que são, em tese, proibidos ou marginalizados pela Lei, e, exatamente isso, ocorreu com a promulgação da autorização das "bets".

Sobre o tema, este autor já teve a honra de lançar opinião1 sobre a possibilidade da cobrança de dívidas de jogos de azar, mesmo quando outrora proibidos; como também relativamente ao conflito legal entre a lei 14.790/23 e as disposições sobre contravenções penais2.

Importante indicar que ainda vige no país a chamada lei de Contravenções Penais (decreto-lei 3.688/1941), de mais de 80 anos de idade, que expressamente dispõe "Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público", ou seja, lança o ato na ilegalidade expressa. Tal legislação foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, e, assim, tem status de norma plenamente vigente.

Os "jogos de azar" são aqueles conceituados no §3º do artigo 50 da citada norma das contravenções, a saber: "a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva."

Observando-se a lei 14.790/23, não fica, porém, expressa a abolição da contravenção penal acima descrita, não se permitindo eventual presunção nesse sentido, até mesmo pelos princípios da legalidade e da segurança jurídica.

Por tal razão, entende-se que continua na ilicitude aquele que "Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público" até que legislação revogue expressamente o artigo 50 do decreto-lei 3.688/41.  

A propósito, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se debruçou sobre o tema, sendo que o então Ministro Marco Aurélio Mello (CR 9970/EU) decidido: "A antinomia, na hipótese, é flagrante: a proibição de antigamente contrasta com a habitualidade dos jogos patrocinados pela Administração Pública".

Rememore-se que o conceito legal de "jogos de azar" vem da Lei das Contravenções Penais e, portanto, dela deve-se extrai-lo para aplicação nas demais legislações em vigor, o que nos leva para a seara trabalhista.

Com efeito, há na CLT a expressa hipótese de desligamento por justa causa, sendo a máxima penalidade aplicada ao trabalhador e com consequência de desfazimento do contrato de trabalho por perda total da confiança existente no sinalagma: "Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:(...) l) prática constante de jogos de azar."

E a partir da subsunção da norma ao caso concreto fica claro que aquele trabalhador que praticar constantemente jogos de azar poderá a ele ter aplicada justa causa. Trata-se de hipótese que prescinde de ocorrência durante a jornada de trabalho, pois é ligada à reputação do empregador, cujo ato de apostar está associada à contravenção penal.

Isso se revelou verdadeiro na jurisprudência, como, por exemplo, se deu em casos relativos a Poker Online e apostas em sites estrangeiros. Nesse sentido foi o processo julgado pelo TRT-15 (0011364-64.2019.5.15.0032), no qual se confirmou o desligamento por justa causa nesta mesma hipótese: "Entendo que quando o funcionário, durante sua jornada de trabalho, faz uso de jogos de azar, como poker, há motivos suficientes para a demissão por justa causa. Ainda, acessar sites que não tenham nada a ver com o conteúdo do trabalho também podem ser considerados motivos."

Em diversos termos, atualmente, quem praticar constantemente apostas online, sendo elas "apostas sobre qualquer outra competição desportiva", estará sujeito à aplicação regular da justa causa, nos termos do artigo 482, alínea "l", da CLT. Contudo, se percebe que, com a autorização da lei 14.790/23, tal entendimento pode ser alterado drasticamente.

Ora, se a norma permite que se explore comercialmente as apostas "online", feitas inclusive sobre competições esportivas, tal como futebol, basquetebol ou lutas, dentre outras modalidades, não se poderia entendê-las como contravenções penais, assemelhando-se às Loterias Federais, outra antinomia já citada.

Dito isso, é possível, na visão deste autor, que a justa causa aplicada ao obreiro, que pratique constantemente as apostas online sobre eventos esportivos, seja anulada pelo judiciário trabalhista, sobretudo a partir da edição da Lei 14.790/23. Isso se revela na explanação de Homero Batista Mateus da Silva3: "finalidade da norma era zelar pela imagem da empresa, que não queria se ver envolvida com a contravenção penal, é válido supor que a alínea l se refere a prática constante de jogos de azar ilícitos."

Outro ponto de interesse na discussão é a atenção que a temática chamou do Congresso Nacional, que hoje tem Projeto de Lei para afastar a ilicitude da prática de Jogos de Azar, e, ainda, de embriaguez habitual (não aquela episódica). Tal é o cerne do PLC 5662/2013, que teve parecer aprovado na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), e que foi encaminhado para CCJ da Câmara.

Na aprovação, venceu substitutivo do Deputado Federal Kim Kataguiri (DEM), cuja justificativa do projeto - "O vício em jogos de azar extrapola o âmbito do contrato de trabalho e deve ser visto como questão de saúde pública" - está em consonância com o atual entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), convalidado pela Suprema Corte, no sentido de que a embriaguez e o alcoolismo, ao contrário do previsto no texto legal, impõem, via de regra, proteção do emprego por incapacidade do obreiro, e não sua justa causa.

Apesar de não haver discussão sobre o vício de apostadores, tampouco acerca da problemática de saúde pública para suas famílias na elaboração da lei 14.790/2023, percebe-se que a Justiça do Trabalho tem essa atenção especial, haja vista a importância social do emprego e do trabalho.

Em suma, já se nota que a hipótese de prática constante de jogo de azar, por ser passível de enquadramento como doença, encontrava cabimento e efetividade muito reduzida. E com o advento da lei 14.790/23, autorizadora de exploração das "bets", impõe-se entender, doravante, não ser mais uma prática ojerizada pela sociedade brasileira se apostar em eventos esportivos, e, assim, não mais é cabível aplicar a justa causa trabalhista, especificamente para as apostas online, nos termos da citada Lei.

Contudo, não se pode descurar que apostar enquanto se trabalha, ou se está à disposição do empregador, pode causar queda de produtividade e, eventualmente, ser o ato enquadrado como comportamento desidioso, ou seja, recairia na hipótese de justa causa da alínea "e" do artigo 482 da CLT.

Por isso, renova-se que o melhor local para a discussão do assunto é o Congresso Nacional, a fim de afirmar política pública de proteção do emprego e de proteção da saúde dos apostadores, já que se aceita tal comportamento, passando por estudos abalizados sobre os impactos reais da exclusão da alínea "l" (prática constante de jogos de azar).

Afinal, como diz Homero Batista Mateus da Silva4, "se a Mega Sena gerasse justa causa, faltariam braços no mercado de trabalho e a lei seria solenemente ignorada".

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1 Online betting e a cobrança do prêmio da aposta.
3 SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado - Vol. 6 - 2ª Ed. e-book baseada na 3ª impressa - São Paulo: Editora dos Tribunais. 2017
4 idem.