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TST julgará aplicação retroativa da Lei da Reforma Trabalhista

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Atualizado às 07:53

1. Do cabimento da manifestação por amicus curiae

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) abriu no recesso prazo para que pessoas, órgãos e entidades interessados se manifestem sobre um incidente de recurso repetitivo em que se discute o chamado direito intertemporal, ou seja, se o empregador continua a ter de cumprir obrigações alteradas ou suprimidas por leis posteriores ao início do contrato de trabalho. Tratou-se da oportunidade de admissão no referido processo na condição de interessados (amicus curiae). A determinação foi divulgada para todas as partes interessadas, incluindo pessoas (físicas e jurídicas), órgãos e entidades, participassem na qualidade de amicus curiae devido à relevância demonstrada na questão, a especifidade do tema e a repercissão social da controversia em discussão.

De plano, é importante frisar que o amicus curiae é uma figura que pode ajudar na democratização do acesso à justiça e às decisões judiciais, especialmente em casos onde o Direito, por si só, não é capaz de resolver de forma justa e adequada os conflitos sociais. Segundo dispõe o art. 138 do Código de Processo Civil (CPC), "juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação".

Ademais, há entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de admitir a intervençao processual de terceiros, na condição de amicus curiae, "como fator da pluralização e de legitimidade do debate constitucional", de modo que "venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia" (ADI-MC 2321/DF).

Por importante, a doutrina interpreta que o papel do "amigo da corte" é fornecer subsídios técnicos e jurídicos para alcançar a melhor solução para a questão em debate, como argumentam Nelson Nery e Rosa Nery: 

"Amicus curiae. O relator, por decisão irrecorrível, pode admitir a manifestação de pessoa física, professor de direito, associação civil, cientista, órgão ou entidade, desde que tenha respeitabilidade, reconhecimento científico ou representatividade para opinar sobre a matéria objeto da ação direta. (...). O amicus curiae poderá apresentar razões, manifestação por escrito, documentos, sustentação oral, memoriais etc. Mesmo que não tenha havido a intervenção do amicus curiae, na forma da norma ora comentada, o relator poderá pedir seu auxílio na fase de diligências complementares, segundo a LADin 9º, § 1º."1. 

2. Da relevância da matéria discutida 

O caso em análise pelo TST versa sobre o direito de uma trabalhadora que, no período de 2013 a 2018, prestou serviços para a JBS S.A. em Porto Velho (RO). Na ação, ela argumenta que era transportada pela empresa em ônibus fornecido por ela, entre 4h30min e 5h, de segunda-feira a sábado, e busca ser remunerada por esse tempo.

A empresa JBS, em sua defesa, alega que, com base na nova redação da CLT sobre o assunto, introduzida pela Reforma Trabalhista (lei 13.467/2017), o tempo de deslocamento não é mais considerado como tempo à disposição do empregador. Além disso, a empresa argumenta que o local é servido por transporte público de fácil acesso, e a empregada morava a apenas 5,7 km da fábrica.

Embora o pedido tenha sido concedido nas instâncias inferiores, em junho de 2021, a 3ª Turma do TST acolheu o recurso da empresa e revogou a condenação. Posteriormente, no julgamento do recurso de embargos, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-I) decidiu encaminhar o processo ao Tribunal Pleno do TST para deliberação sobre a questão em disputa.

Assim, a questão juridica a ser discutida e a seguinte: 

Quanto aos direitos laborais decorrentes de lei e pagos no curso do contrato de trabalho, remanesce a obrigação de sua observância ou pagamento nesses contratos em curso, no período posterior à entrada em vigor de lei que os suprime/altera? 

No mais, além das horas de deslocamento, o tema pode ter impacto em outras alterações promovidas pela Reforma Trabalhista, como o intervalo intrajornada, o direito à incorporação de gratificação de função e o descanso de 15 minutos para mulheres antes de iniciar a prestação de horas extras, dentro tantas outros mudanças que, em tese, promoveram dminuição ou a supressão de direito trabalhistas. 

3. Do direito intertemporal e a aplicação da lei 13.467/2017 

A eficácia temporal diz respeito ao momento em que a lei entra em vigor. Geralmente, as disposições do Direito do Trabalho entram em vigor a partir da data de sua publicação, tendo efeito imediato, e na ausência de disposição expressa na lei, ela passa a vigorar 45 dias após sua publicação oficial (art. 1º do decreto-lei)2. Adicionalmente, o §1º do artigo 5º da Lei Maior estabelece que os direitos e garantias fundamentais, incluindo os direitos sociais, têm aplicação imediata.

Quanto à entrada em vigor da lei 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista), que modificou vários dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) relacionados ao processo do trabalho, o art. 6º estabelece que ela entrará em vigor "após decorridos cento e vinte dias de sua publicação oficial", que se concretizou no DOU, em 14.7.2017. Desse modo, considerando o vacio legis de 120 dias, as normas processuais passaram a vigorar em 11.11.2017.

Já em relação à aplicação do direito intertemporal às normas processuais introduzidas pela lei 13.467/2017, deve considerar o ato jurídico (processual) e as situações jurídicas ocorridas sob a vigência da lei revogada, mediante a aplicação analógica do art. 14 do CPC, autorizada pelo art. 769 da CLT c/c art. 15 do CPC.

O Caderno Processual Civil detalhou as circunstâncias de aplicação da norma processual ao longo do tempo, estipulando no seu art. 14 que a "norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".

Conquanto o art. 2º da Medida Provisória nº 808/2017 estabelecia que "O disposto na leiº 13.467, de 13 de julho de 2017, se aplica, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes.", essa medida provisória não foi convertida em lei, nos moldes dos arts. 62, §§ 3º e 11, da CRFB, perdendo sua eficácia desde a sua edição.

Desse modo, a eficácia temporal da norma trabalhista considera dois princípios constitucionais fundamentais: o da irretroatividade, que estipula que a lei não pode retroagir para prejudicar, garantindo o respeito ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CFRB), e o da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º), que estabelece que as normas que garantem direitos fundamentais sociais, incluindo os de natureza trabalhista, entram em vigor imediatamente com o início da vigência da lei3.

Seguindo essa premissa, o STF já se posicionou de forma semelhante: 

"(...) No sistema constitucional brasileiro, a eficácia retroativa das leis - (a) que é sempre excepcional, (b) que jamais se presume e (c) que deve necessariamente emanar de disposição legal expressa - não pode gerar lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada. A lei nova não pode reger os efeitos futuros gerados por contratos a ela anteriormente celebrados, sob pena de afetar a própria causa - ato ou fato ocorrido no passado - que lhes deu origem. Essa projeção retroativa da lei nova, mesmo tratando-se de retroatividade mínima, incide na vedação constitucional que protege a incolumidade do ato jurídico perfeito. A cláusula de salvaguarda do ato jurídico perfeito, inscrita no art. 5º, XXXVI, da Constituição, aplica-se a qualquer lei editada pelo Poder Público, ainda que se trate de lei de ordem pública. Precedentes do STF" (STF-AI 251533, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 25.10.1999, publicado em DJ 23.11.1999, p. 32). 

Ademais, no âmbito infraconstitucional, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657, de 04.09.1942) estabelece em seu art. 6º que: 

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. 

Mais a mais, o art. 912 da CLT dispõe que: "Os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação", norma que está intimamente relacionada ao princípio da substituição automática das cláusulas contratuais, que não foi afastado pela Reforma Trabalhista, uma vez que nada menciona acerca da eficácia ou vigência das suas normas no tempo.

Além disso, existem posicionamentos desta Justiça Especializada que corroboram o argumento, conforme evidenciado pelas Súmulas 51 (item I) e 288 (item I) do TST, que sustentam a ideia de que as normas empresariais não têm efeito retroativo, garantindo o direito adquirido às condições mais favoráveis estabelecidas no regulamento anterior. Da mesma forma, a Súmula 277 do TST e o Precedente Normativo 120 da SDC demonstram a significativa evolução da jurisprudência especializada em relação à "aderência contratual limitada por revogação". 

4. Conclusões finais 

Por esses fundamentos, faz-se a defesa de que, à luz do direito intertemporal, tem assentado o entendimento de que "em observância à segurança jurídica, ao princípio da confiança e ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CRFB; art. 6º da LINDB), são inaplicáveis as disposições constantes na lei 13.467/17 aos contratos trabalhistas firmados em momento anterior à sua entrada em vigor, que devem permanecer imunes a modificações posteriores, inclusive legislativas, que suprimam direitos já exercidos por seus titulares e já incorporados ao seu patrimônio jurídico - caso dos autos. 3 . Portanto, as disposições contidas na lei 13.467/17, em especial quanto ao intervalo em comento, aplicam-se, tão somente, aos contratos de trabalho firmados após o início de sua vigência" (ED-ARR-753-10.2010.5.20.0006, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11.06.2021)4.

Ademais, a orientação que vem se consolidando na SBDI-1, a partir de dois relevantes julgados, é no sentido de que as inovações trazidas pela lei 13.467/2017, vigente desde 11/11/2017, não se aplicam às situações juridicamente consolidadas antes de sua entrada em vigor, em razão do disposto nos arts. 5º, XXXVI, da CRFB e 6º da LINDB5.

Por isso que, respeiteando sempre opiniões em sentido contrário, a lei 13.467/2017 não se aplica aos contratos de trabalho iniciados e encerrados antes de suas respectivas vigências, em respeito ao princípio do ato jurídico perfeito (CFRB, art. 5º, XXXVI; LINDB, art. 6º, § 1º).

De mais a mais, a Reforma Trabalhista não se aplica aos contratos de trabalho iniciados e em curso durante sua vigência (art. 912, CLT), pois não contém normas imperativas de ordem publica, pois não é destinada exclusivamente à melhoria social dos trabalhadores, respeitadas, claro, opiniões em sentido contrário.

Frise-e que as modificações introduzidas pela lei 13.467/2017 podem ser aplicadas aos contratos de trabalho celebrados após sua entrada em vigor, desde que (i) proporcionem melhorias nas condições sociais dos trabalhadores, observando, nesse caso, os princípios da vedação do retrocesso social e da progressividade; (ii) estejam em conformidade com as normas relativas aos direitos humanos e fundamentais dos trabalhadores, especialmente aqueles relacionados à saúde, segurança e meio ambiente de trabalho (CF, arts. 5º, § 2º, 7º, caput; CLT, art. 912)6.

Por todo o exposto, é importante registrar que não se está a afirmar aqui que a Lei da Reforma Trabalhista não seja aplicada aos contratos de trabalho antes em curso à época da produção de seus efeitos, considerando que o principal aspecto a ser analisado é saber se, no caso concreto, aquele direito que fora suprimido e/ou reduzido pelo legislador reformista está incorporado ou não ao patrimônio jurídico do trabalhador. In casu, se os elementos do processo indicarem que o direito suprimido pela reforma já incorporava o contrato de trabalho na ocasião da sua vigência, corolário lógico devem ser mantidas as disposições anteriormente tratadas, em consideração ao ato jurídico perfeito e à segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da CRFB).

Em arremate, pede-se vênia para encerrar este singelo artigo adotando-se as palavras da Corte Superior Trabalhista, para quem "a lei 13.467/2017 não retroage para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência, nem seus efeitos futuros. Caso fosse intenção do legislador a aplicação das normas materiais da Reforma Trabalhista aos contratos em curso, o que implica retroatividade mínima, haveria norma expressa em tal sentido. A anomia quanto à vigência da Lei para esses contratos, entretanto, inviabiliza a aplicação imediata pretendida"7.

__________

1 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em vigor. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.1.487.

2 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. (39th edição). Editora Saraiva, 2023, p. 47.

3 BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de direito do trabalho. (15th edição). Editora Saraiva, 2023, p. 78.

4 Nesse sentido são os precedentes: RR-20461-18.2018.5.04.0101, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 10.12.2021; RR-0020577-22.2020.5.04.0661, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 01.10.2021; RRAg-790-16.2019.5.09.0010, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 18.03.2022.

5 Eis os precedentes: E-RR-22069-20.2015.5.04.0404, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 19.11.2021; E-RR-816-85.2017.5.09.0009, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 17.12.2021.

6 BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de direito do trabalho. (15th edição). Editora Saraiva, 2023, p. 80.

7 TST-RR-00116843820195150025, Relator: Alberto Luiz Bresciani De Fontan Pereira, Data de Julgamento: 15/12/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: 25/02/2022.