COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalha Trabalhista >
  4. Financiamento sindical e a mudança da regra do jogo: afinal, o que mudou?

Financiamento sindical e a mudança da regra do jogo: afinal, o que mudou?

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Atualizado às 10:27

INTRODUÇÃO

De um lado a Reforma Trabalhista (2017) ampliou a autonomia negocial das partes, de outro foram alteradas as regras de custeio sindical. Na ocasião, apontei que andou bem o legislador ao reconhecer que são os agentes negociais que devem disciplinar as suas condições de trabalho, assim como ao extinguir a obrigatoriedade da contribuição sindical. Todavia, tais mudanças não vieram acompanhadas de outras necessárias para conformar uma nova situação.1 Isso porque tanto a CRFB quanto a legislação infraconstitucional só permitem a cobrança de contribuições de associados, no entanto, mantém a representação para toda a categoria - posição respaldada pela jurisprudência até então consolidada no STF.

1. PANORAMA PÓS-REFORMA

1.1. Prestígio à Negociação Coletiva

As Convenções 98, 151 e 154 da OIT preveem o reconhecimento e estímulo à negociação coletiva como meio de melhora das condições de trabalho e emprego.

Representa prestígio ao ajuste de interesses e autocomposição, valorizando, pois, a autonomia negocial das partes, diminuindo a participação do Estado interventor. São os trabalhadores representados e as empresas que melhor conhecem os seus interesses, e que, com maturidade possuem condição de conformar as relações de trabalho.

Com a lei 13.467/17, houve valorização do princípio da autonomia negocial coletiva, consoante se extrai dos arts. 8º, §3º e 611, §1º - ambos da CLT, ao procurar limitar a análise do juízo trabalhista aos aspectos formais da negociação, não podendo este imiscuir-se no conteúdo do negociado. Tomando o cuidado de delinear os limites do que se deve entender por aspectos formais, o §2º do art. 611-A da CLT predispõe que a inexistência de indicação expressa de contrapartidas recíprocas não representa vício do negócio jurídico, não ensejando a nulidade do ajuste coletivo.

1.2. Custeio sindical: Perda de receita

O custeio sindical no Brasil se dá por meio da cobrança de 4 contribuições principais: sindical, assistencial, associativa e confederativa. Antes da Reforma Trabalhista, a contribuição sindical (imposto sindical - arts. 545, 548 e 578 da CLT), era devida por todos os trabalhadores - independentemente da condição de associado ou não - correspondente a um dia de trabalho do empregado por ano, a ser descontado em folha no mês de março.

Já as demais contribuições (assistencial, associativa e confederativa), em regra, poderiam ser cobradas somente dos associados ao sindicato. A contribuição assistencial (também denominada coletiva ou de solidariedade - art. 513, alínea "e" da CLT), tem por finalidade financiar as despesas do processo de negociação coletiva; enquanto a contribuição associativa (art. 548, alínea "b" da CLT), retrata mensalidade paga pelo associado em prol de benefícios oferecidos pelo sindicato, tal como lazer, saúde e aperfeiçoamento profissional, dentre outros; e a contribuição confederativa (art. 8º, inciso IV da CRFB) tem por escopo o custeio do sistema confederativo.

A jurisprudência estava consolidada no TST no que se refere à impossibilidade de qualquer cobrança a título de taxa de custeio confederativo, assistencial, fortalecimento sindical ou outras espécies que obrigassem trabalhadores não associados (PN 119 da SDC). Na mesma esteira de raciocínio, a OJ 17 SDC que entende a cobrança de contribuições de não associados como ofensiva ao direito de associação e sindicalização. Ao enfrentar a matéria relativa à cobrança da contribuição confederativa, o STF se posicionou no sentido de que esta só poderia ser exigida dos associados, editando a Súmula 666.

Nesse panorama, a CONALIS - órgão do MPT aprovou a Orientação 02, de 4.5.2010, fazendo remissão e reiterando o teor da Súmula 666.  Na mesma data, a CONALIS chegou a editar a Orientação 03, por meio da qual entendia ser possível a cobrança da contribuição assistencial/negocial, tanto de filiados, quanto de não filiados, desde que aprovada em assembleia geral da categoria convocada para este fim, assegurado o direito de oposição, todavia, tal foi cancelada em 16.8.11 reforçando a impossibilidade de cobrança de não associados.

Sobreveio a Reforma Trabalhista, e por força da alteração dos artigos 578 e 579 da CLT, o desconto em folha de pagamento do então imposto sindical ficou sujeito à prévia e expressa autorização do empregado. No que tange às demais contribuições, com o objetivo de dar guarida ao direito constitucional de liberdade de associação e não associação, o artigo 611-B, inciso XXVI, da CRFB proibiu que a negociação coletiva impusesse cobranças em convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho, sem expressa e prévia anuência do trabalhador.

A alteração da legislação reflete os valores da Carta Magna, que enuncia a plena liberdade de associação (art. 5º, XVII, CRFB) e garante que "ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato" (art. 8º, V, CRFB). Ou seja, a lei maior garante não só o direito de associação, como o de não associação, ou seja, contempla o direito fundamental da liberdade sindical negativa, de tal arte que a cobrança de contribuições de não associados fere o direito de livre escolha para associar-se ou não a uma entidade sindical.

De outro lado, nota-se que o sindicato continua responsável pela defesa dos direitos e interesses de toda a categoria (art. 8º, III, CF), cuja participação em negociações coletiva é obrigatória (art. 8º, IV, CF). Ademais, a Carta Magna prevê não só o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho (art. 7º, XXVI, CF), como também a progressividade e não retrocesso dos direitos sociais (art. 7º, caput, CF). No campo infraconstitucional, foram mantidas as prerrogativas do sindicato de representação de toda a categoria (art. 513, "a", CLT), de celebração de instrumentos coletivos (art. 513, "b" da CLT), assim como conservada a irrecusabilidade do sindicato à negociação coletiva (art. 616, CLT), ao mesmo tempo em que alargadas as hipóteses de negociação (art. 611-A, CLT).

Com a extinção da obrigatoriedade do imposto sindical, criou-se cenário em que o sindicato representa o interesse de quem "paga" por seus serviços, mas também os de quem "não paga" por sua atuação em defesa dos interesses da categoria. Diante dessa situação, e frente o temor de enfraquecimento da representação sindical, começou uma reação de parte da doutrina e sociedade organizada, inclusive da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA) e MPT, no sentido de prover o custeio sindical. Primeiro, sustentou-se possível inconstitucionalidade da extinção da obrigatoriedade da contribuição sindical, por meio do Enunciado 47 da ANAMATRA (não vinculativo) e da Nota Técnica 02 da CONALIS (MPT). Ao analisar a ADI 5794, outras 18 ADIs e a ADC 55, o STF entendeu, porém, pela constitucionalidade da facultatividade do imposto sindical.

Outra corrente passou a sustentar que a assembleia geral da categoria, como órgão soberano, teria legitimidade para impor contribuições aos não associados, nos termos do Enunciado 38 da ANAMATRA (não vinculativo). Nessa esteira de raciocínio, a CONALIS (MPT) passou a sustentar a possibilidade de cobrança de contribuição sindical dos não associados, desde que mediante assembleia convocada para este fim, com ampla divulgação, e garantido o direito de posição - editando a Nota Técnica 02, de 26.10.18.

Nesse mesmo campo, outra corrente defende que o sindicato não representa os interesses daqueles que para este não contribuem - visão que tem amparo no direito econômico e almeja a preservação de direitos sociais.

A questão central é que, diversamente do modelo português, a CRFB  não impõe distinção entre os que recolhem e os que não recolhem contribuições em favor do sindicato, determinando, ao contrário, a representação ampla de toda a categoria. Esse é o panorama em que o STF enfrentou o tema.

2. JULGADO DO STF: ARE 1.018.459

2.1. Mudança de posicionamento do STF

No dia 11.9.2023, o STF concluiu o julgamento do ARE 1.018.459, reconhecendo a constitucionalidade da cobrança de contribuições assistenciais, cuja previsão consta de acordos coletivos de trabalho e convenções coletivas de trabalho, se o trabalhador não manifestar expressa oposição. Ou seja, o STF está alterando a regra do jogo, na medida em que ao invés de o trabalhador manifestar a expressa concordância para que a cobrança seja levada a efeito, passa a ter o ônus de se opor à cobrança.

2.1.1. Como foi o julgamento (?)

O relator, Min. Gilmar Mendes, se manifestava pela rejeição dos embargos, acompanhado pelo Min. Marco Aurélio (sessão virtual de 14.8.20), assim como pelos ministros Dias Toffoli, Nunes Marques e Alexandre de Moraes (julgamento presencial 15.6.22). Na ocasião, o Min. Edson Fachin apresentou divergência de voto, ainda que sem efeito modificativo da decisão. Ocorre que o Min. Luis Roberto Barroso pediu vista dos autos, vindo a apresentar em nova data (julgamento virtual de 14.4 a 24.4.23) uma releitura do tema, de modo a reconhecer a constitucionalidade da cobrança assistencial mesmo de não associados ao sindicato, desde que assegurado o direito de oposição.

Com efeito, o Min. Luis Roberto Barroso iniciou fazendo uma distinção entre as diferentes espécies de contribuições sindicais, passando a sustentar que houve alteração das premissas fáticas e jurídicas desde o julgamento do Tema 935. Isso porque, com a Reforma Trabalhista, a contribuição sindical deixou de ser obrigatória, só podendo ser cobrada desde que prévia e expressamente autorizada, e nesse contexto os sindicatos perderam a sua principal fonte de custeio, de tal arte que "caso mantido o entendimento de que a contribuição assistencial também não pode ser cobrada dos trabalhadores não filiados, o financiamento da atividade sindical será prejudicado de maneira severa. Há, portanto, um risco significativo de enfraquecimento do sistema sindical", na contramão da jurisprudência do STF que a importância da negociação coletiva nos julgados relativos aos planos de demissão voluntária (RE 590.415) e necessidade de intervenção sindical prévia nas dispensas em massa (RE 999.435), assim como na compreensão de que as negociações coletivas podem afastar direitos previstos em lei, desde que observado o patamar civilizatório mínimo (ARE 1.121.633) - enxergando uma "contradição entre prestigiar a negociação coletiva e esvaziar a possibilidade de sua realização", haja vista a essencialidade da contribuição assistencial para a atuação do sindicato em negociações coletivas e considerando que "dados do Ministério do Trabalho apontam queda de cerca de 90% da arrecadação com a contribuição sindical no primeiro ano de vigência da lei 13.467/17".

Soma-se que, como o sindicato representa toda a categoria, os benefícios obtidos em uma negociação coletiva se estendem a todos os integrantes, mesmo aos não filiados, o que cria, na visão do Min. Roberto Barroso, a figura do carona: "aquele que obtém a vantagem, mas não paga por ela. Nesse modelo, não há incentivos para o trabalhador se filiar ao sindicato. Não há razão para que ele, voluntariamente, pague por algo que não é obrigatório, ainda que obtenha vantagens do sistema. Todo o custeio fica a cargo de quem é filiado. Trata-se de uma desequiparação injusta entre empregados da mesma categoria", observando que a contribuição assistencial tem justamente o escopo de custear a atividade negocial. Nessa esteira, o Min. Luis Roberto Barroso apresentou uma solução chamada de alternativa, ponderando os valores em questão, de modo a votar pela constitucionalidade da instituição da contribuição assistencial por meio de acordo ou convenção coletivos, inclusive a serem pagas pelos não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição.

O Relator Gilmar Mendes foi convencido pelos argumentos do voto divergente do Min. Luis Roberto Barroso, de sorte a acolher os embargos, imprimindo efeito infringente, tendo sido acompanhado pelos ministros Edson Fachin e Dias Toffoli, que anteciparam os seus votos, e o julgamento foi suspenso em razão do pedido de vista do Min. Alexandre de Moraes, tendo reiniciado na modalidade virtual em 1º.9.2023 e concluído em 11.9.23,  tendo a tese modificada do Relator sido também acompanhada pelos ministros Cármen Lúcia, Rosa Weber, Cristiano Zanin, Nunes Marques, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. O resultado final foi 10x1, haja vista o voto proferido pelo Min. Marco Aurélio ainda antes da sua aposentadoria (razão pela qual o Min. André Mendonça não participou), de modo que a tese fixada, por maioria é a seguinte: "É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição."

2.2. Questionamentos

2.2.1. Considerando que: a) antes mesmo da EC 115, ao enfrentar as ADI 6387, ADI 6649 e ADPF 695, o STF declarou que a proteção de dados pessoais e autodeterminação informativa são garantias fundamentais; b) o consentimento deve ser livre, informado e inequívoco para finalidade determinada (art. 5º, XII, lei 13.708/18), assim como por escrito ou outro meio que demonstre a manifestação de vontade (art. 8º, lei 13.1709/18), não se aceitando o mero silêncio; c) por meio do consentimento exerce-se com maior amplitude o direito à autodeterminação informativa: questiona-se: sob a luz do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, ao acatar o silêncio como manifestação de concordância para o desconto, está sendo respeitado o núcleo essencial da garantia constitucional preterida, representada pelo direito de associação e não associação, ou seja ao direito fundamental da liberdade sindical negativa2(?)

2.2.3.2. Considerando que no item 21 do voto do Min. Roberto Barroso, consta: "Convoca-se a assembleia com garantia de ampla informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador se oponha àquele pagamento";  questiona-se: (i) o trabalhador terá de comparecer à assembleia para manifestar oposição ou esta poderá ser posterior (?); (ii) é possível considerar que o exercício da liberdade sindical negativa seja exercido com a necessária amplitude quando a autorização do trabalhador passa a ser presumida para o desconto da contribuição assistencial (?)

2.2.3.3. Considerando: a) o princípio da legalidade por meio do qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF); b) que a jurisprudência da Corte Superior estava consolidada no sentido de não autorizar o desconto dos não associados (Súmula Vinculante 40); c) que pós-reforma trabalhista alteraram premissas fáticas e jurídicas, questiona-se: qual a modulação de efeitos que será dada à decisão (em linguagem coloquial, a decisão aplica-se a partir de quando) (?) 

2.2.3.4. Considerando que a extinção da compulsoriedade do imposto sindical atingiu a todos os sindicatos, questiona-se: quanto ao alcance do julgado no ARE 1.018.459, no que se refere à contribuição assistencial instituída pelo sindicato patronal em sede de convenção coletiva de trabalho (?)

CONCLUSÃO

Com base no panorama pós-reforma trabalhista, infere-se que a intenção do STF parece ser boa, o problema é que acaba por legislar tentando resolver situação fática - talvez inclusive ferindo de morte o direito fundamental de associação e não associação.

Por ora, uma série de dúvidas, de sorte que tudo poderia ser resolvido, s.m.j., com a ratificação da Convenção 87 da OIT, com o que, diante da ampla liberdade sindical, o trabalhador poderia se associar ao sindicato que efetivamente representasse os seus interesses, num cenário de concorrência entre os sindicatos que teriam de preocupar-se em bem atender aos interesses de seus representados, sob pena de perdê-los, e com isso morrer de inanição. Enquanto o Brasil não ratificar a convenção internacional em referência, parece inexistir terreno fértil para a efetiva representação.

Essa proposta é antiga e faz rememorar as lições de Pedro Paulo Teixeira Manus, Paulo Sérgio João e Renato Rua de Almeida, dentre outros. Aliás, a academia é praticamente uníssona quanto à defesa da ampla liberdade sindical, valendo conferir a proposta da ABDT3, e aproveitando para convidar todas e todos para o XIII Congresso Internacional de Direito do Trabalho e VIII Jornada Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, onde este tema se fará presente juntamente com outros da maior relevância.  O evento é uma iniciativa da ABDT e da AIADTSS e ocorrerá nos dias 18, 19 e 20/10 em SP4, podendo ser acompanhado nas modalidades presencial ou telepresencial. Todas e todos convidados, nos vemos por lá!

-------------------------------------------------------------

1 Texto adaptado de: OLIVEIRA NETO, Célio Pereira Oliveira. Ampliação da autonomia negocial coletiva combinada com alteração das regras de custeio: como fica a negociação coletiva no Brasil pós-reforma trabalhista? In: NAMORA, Nuno Cerejeira; BARROSO, Nuno. Negociação Coletiva: Estado e Desafios em Portugal e no Brasil. Porto: Vida Económica, 2019, p. 19

2 rememorando as lições do Prof. Renato Rua de Almeida.

3 Liberdade Sindical: Uma Proposta para o Brasil (ccord: Alexandre Agra Belmonte, Luciano Martinez e Thereza Nahas. ABDT. Lacier Livraria e Editora: Campinas, 2021.