O ônus da prova na relação de trabalho doméstico
sexta-feira, 14 de julho de 2023
Atualizado às 07:37
A 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) deliberou, em recente decisão1, por manter a improcedência do pedido de horas extras de uma empregada doméstica que não comprovou a jornada alegada na reclamação trabalhista e que requeria ao empregador fossem apresentadas as folhas de ponto. O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-DF/TO) confirmou a sentença que julgou improcedente a pretensão, uma vez que a trabalhadora não havia comprovado o cumprimento da jornada alegada.
O relator, Ministro Alexandre Luiz Ramos, entendeu que, segundo a Lei Complementar (LC) 150/2015, que regulamentou o direito dos empregados domésticos às horas extras, é obrigatório o registro do horário de trabalho. Contudo, a seu ver, a norma não deve ser interpretada de forma isolada. Ele considera que a citada legislação foi um grande avanço para os domésticos que, historicamente, não tinham garantidos os seus direitos fundamentais em comparação às demais categorias profissionais. Ocorre que a CLT, ao tratar da jornada de trabalho (art. 74, § 2º), exige a anotação da hora de entrada e de saída apenas para estabelecimentos com mais de 20 empregados.
Nessa circunstância, o entendimento do relator foi de que "aplicar a presunção relativa pela simples ausência dos controles de frequência contraria os princípios da boa fé, da verossimilhança e da primazia da realidade". Assim, a decisão colegiada foi unânime em manter a improcedência do pedido de horas extras perquirido pela empregada doméstica.
Por outro lado, LC 150/15 estabelece que é obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que seja reputado idôneo. Isso é fundamental, afinal, em sua maioria, é sabido que os trabalhadores domésticos atuam sozinhos, sem nenhuma outra pessoa para testemunhar sua jornada de trabalho.
E acerca da temática do trabalho doméstico, são os ensinamentos do Mauricio Godinho Delgado e a Gabriela Neves Delgado:
"[...] a Lei Complementar n. 150, publicada em 02 de junho de 2015, tornou obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico, por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo. O objetivo da lei é que haja um registro do controle, por qualquer meio idôneo, para aferição do cumprimento da jornada de trabalho. O ideal é que esse registro seja feito pelo próprio empregado, de maneira a atestar o cumprimento da jornada real de trabalho e a existência das horas extras, caso ocorram. Nessa medida, considera-se idôneo, em princípio, o controle, pelo próprio empregado, dos horários de trabalho realizados, com a referência escrita às horas extras indicadas. Naturalmente que caberia ao empregador vistoriar esses controles, verificando se, de fato, estão sendo corretamente lançados pelo trabalhador
Naturalmente que não se desconhece que se trata de uma profunda mudança de paradigma - para um padrão mais civilizatório - nas relações de trabalho domésticas, exigindo, da comunidade jurídica, sensatez e ponderação no exame das situações concretas.2
No caso específico do artigo 12 da LC 150/2015, que estabelece a obrigatoriedade do registro do horário de trabalho do empregado doméstico, o objetivo é garantir que esses trabalhadores tenham seus direitos trabalhistas respeitados, bem como evitar a exploração e o próprio trabalho escravo.
Neste contexto, no artigo intitulado "A prova da jornada do trabalhador doméstico à luz da EC 72/13"3, de autoria do Juiz do Trabalho, Mauro Schiavi, discute-se a questão em torno da prova da jornada de trabalho dos empregados domésticos à luz das alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 72/13.
Segundo referido autor, a prova da jornada de trabalho é essencial para garantir os direitos trabalhistas dos empregados, especialmente no caso dos domésticos, que muitas vezes prestam serviços em condições informais e sem a devida documentação. Com a EC 72/13, que equiparou os direitos trabalhistas dos empregados domésticos aos demais trabalhadores, tornou-se ainda mais importante a comprovação da jornada de trabalho.
O ilustre professor destaca que, em geral, o empregador doméstico tem melhores condições de produzir a prova em juízo, como, por exemplo, documentando a jornada por meio da instituição de um livro de ponto. Nesse sentido, o artigo 74 da CLT torna obrigatória a instituição do livro de ponto para os empregadores domésticos que tenham mais de 20 empregados.
No entanto, há duas possibilidades para a prova da jornada de trabalho. A primeira é aplicar as regras estáticas de distribuição do ônus da prova previstas nos artigos 818 da CLT e 373 do CPC. A segunda é utilizar a teoria da inversão do ônus da prova, ou, ainda, a teoria do encargo dinâmico, cuja prova caberia ao empregador.
Uma outra forma que se apresenta possível ao empregado doméstico para se resguardar e obter futuramente a prova de sua jornada é a utilização de geolocalização. Em recente artigo publicado na Revista Consultor Jurídico (ConJur), o advogado André Simoni e Gusmão, que é especialista em "compliance", segurança da informação e proteção de dados, esclareceu:
Se por um lado o empregador tem uma possibilidade muito mais ampla para a produção de provas, sem a necessidade de interferir na privacidade dos empregados; por outro, ao empregado cabe apenas uma possibilidade reduzida, podendo abrir mão de sua intimidade e ceder os dados de geolocalização4.
Ora, fato é que o trabalhador teria, em tese, que abrir mão de sua privacidade para expor nos autos a comprovação da jornada extra de trabalho.
Em arremate, a prova da jornada de trabalho é um tema fundamental para garantir os direitos dos empregados domésticos, ao passo que o empregador tem o dever de adotar medidas para documentar a jornada de trabalho de seus empregados, sob pena de sofrer sanções trabalhistas.
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1 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Processo Ag-AIRR-1196-93.2017.5.10.0102, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 24/02/2023.
2 O novo manual do trabalho doméstico. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 114.
3 Disponível aqui. Acesso em 4 julho 2023.
4 Direito do trabalho, geolocalização e privacidade. Acesso em acesso em 4 de julho 2023.