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A nova lei 14.457 e a mudança do paradigma legislativo da proteção do trabalho da mulher

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Atualizado às 06:43

Sem dúvida alguma, a pandemia alterou a relação das pessoas com o trabalho. A possibilidade de realizar suas tarefas de maneira remota trouxe o benefício da flexibilidade, mas, por outro lado, fez aumentar o volume de demandas e tornou confusos os limites entre casa e trabalho.

Esse impacto foi sentido por todos, mas, no caso das mulheres, historicamente responsáveis pelo trabalho de cuidado da casa e da família, elas, por certo, constituíram o grupo mais atingido.

Outra questão a respeito da qual não há dúvidas é que o período pandêmico gerou grande instabilidade econômica e imensa redução de postos de trabalho, circunstância enfrentada de maneira mais intensa por mulheres. Pesquisas oficiais apontam que, durante a Covid, o percentual da participação feminina no mercado de trabalho foi reduzido ao menor número da história.

Tais situações, mas não somente elas, levam à conclusão de que é mais do que necessário que a legislação brasileira, sobretudo de ordem trabalhista, mova-se no sentido a trazer previsões a determinar o incremento de equidade de gênero na sociedade.

Nessa esteira, foi publicada a lei 14.457, de 21 de setembro de 2022, que trouxe diretrizes para o estabelecimento do novo Programa Emprega + Mulheres, com vistas a fomentar a inclusão e a manutenção das mulheres no mercado de trabalho.

É de notório conhecimento que a maternidade é tratada como o maior ponto de vulnerabilidade feminina no que se refere ao mercado de trabalho. Não por responsabilidade das mulheres, mas sim da própria sociedade que delega tradicionalmente à mulher todo o trabalho de cuidado com a casa e com a família.

Aliás, a própria CLT quando fala em proteção ao trabalho da mulher o faz para estabelecer regramento específico relacionado à maternidade e as suas consequências, como o afastamento para cuidado com a prole, sobretudo. Atualmente, porém, proteger o trabalho da mulher parece ter mais relação com o incentivo da entrada e a manutenção de mulheres no mercado, bem como o incremento da participação feminina nos núcleos de decisões das empresas.

Dito isto, é importante observar que, em seu artigo 30, a lei em análise traz previsão expressa acerca da garantia de igualdade salarial às mulheres empregadas, relativamente a outros trabalhadores que exerçam idêntica função, prestada ao mesmo empregador, nos termos dos artigos 373-A e 461 da CLT.

Os referidos artigos estabelecem a vedação da utilização do gênero como variante determinante para fins de remuneração, formação profissional ou oportunidades de ascensão profissional (art. 373-A, III, CLT); bem assim, o dever de pagamento de igual salário para trabalho de igual valor, em caso de identidade de funções, observadas as diretrizes temporais previstas em lei, com cominação de multa em caso de comprovada discriminação de gênero (art. 461, "caput" e parágrafos, da CLT). Trata-se, portanto, de reforço em relação às normas celetistas que já regiam o instituto da equiparação salarial, o que representa mais um avanço legislativo sob o prisma da equidade de gênero no mercado de trabalho.

A legislação em comento, outrossim, traz modificação terminológica que pode parecer pequena, mas que, em verdade, representa o início da mudança de paradigma há muito necessária. Trata-se da utilização do termo "parentalidade", em lugar de "maternidade". Doravante, o legislador começa a demonstrar que a prole é de responsabilidade da família como um todo, e não exclusivamente da mãe/mulher.

A lei estabelece, nessa esteira, previsões que criam as denominadas medidas de apoio à parentalidade, as quais serão destacadas na sequência.

Com efeito, a primeira delas é o benefício de reembolso creche, a ser pago aos trabalhadores de empresas que com mais de 30 empregados, que tenham filhos menores de 6 anos. A existência do benefício deve ser comunicada a todos os trabalhadores, dos sexos masculino e feminino, esclarecendo que tal benefício não configura espécie de premiação. Os valores pagos a tal título ostentam natureza não salarial e, portanto, não incorporam à remuneração dos trabalhadores para os fins legais e de direito, não sendo por isso tributáveis, tampouco inseridos na base de cálculo do FGTS. Importante considerar que as empresas que adotarem o benefício em comento ficarão desobrigadas de estabelecer instalação apropriada para crianças em período de amamentação.

Em sequência, o diploma legal prevê diversas alternativas para a flexibilização do regime de trabalho, com a finalidade de viabilizar a conciliação entre trabalho e parentalidade. Dentre as previsões, pode-se citar a priorização do trabalho em sistema remoto para colaboradoras(es) com crianças menores de 6 anos de idade e/ou PCDs - neste último caso, sem limite de idade; a possibilidade de adoção de regime de trabalho em tempo parcial (art. 58, CLT); o regime de banco de horas (art. 59, CLT); jornadas em escala de 12x36 (art. 59-A, CLT); antecipação de férias; e horários de entrada e saída flexíveis. O estabelecimento de qualquer dessas medidas deverá ser feito até o 2º ano do nascimento, da adoção ou da guarda da criança.

Há, ainda, a criação de medidas para o apoio no retorno das mulheres ao trabalho, após a licença maternidade. Dentre as previsões, está a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho do empregado com filho/a, cuja companheira esteja retornando de licença maternidade, com percepção de bolsa qualificação profissional - e possibilidade de ajuda compensatória pelo empregador - sem natureza salarial. Tal situação deve ocorrer mediante pedido do trabalhador e destina-se a promover o cuidado e o estabelecimento de vínculos com os filhos/as, bem como viabilizar o acompanhamento do desenvolvimento da criança, além de apoiar o retorno da mãe a suas atividades laborais. O trabalhador que optar pela suspensão contratual prevista em legislação não poderá ser dispensado durante o período de suspensão e até 6 meses após o encerramento do curso, sob pena de aplicação de multa ao empregador.

Aqui, há que se tecer críticas ao texto da lei, na medida em que prevê a suspensão do contrato apenas ao "trabalhador", sem considerar que a mulher em retorno de licença maternidade pode ter uma companheira. É de notório conhecimento que a família homoafetiva é entidade reconhecida pelo STF, desde o julgamento da ADPF 132 e ADI 4.277. Destarte, seria necessário, nesse caso, aplicar a legislação de maneira ampliativa, frente aos termos utilizados.

De mais a mais, deve ser divulgada na empresa a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho de parceiros de mulheres no retorno de licença maternidade. Da mesma forma, os trabalhadores devem ser cientificados acerca dos procedimentos necessários para adoção de tal medida. Outrossim, a legislação traz previsão expressa no sentido de que as empresas devem promover ações periódicas para conscientização a respeito da parentalidade responsável e igualitária.

A lei prevê também para as mulheres a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, mas elenca tal oportunidade como medida para qualificação profissional. A suspensão contratual depende de requisição da trabalhadora e deve ocorrer para que ela participe de cursos de capacitação, prioritariamente, em áreas que promovam sua ascensão profissional, ou, ainda, em seguimentos do mercado de trabalho que tenha baixa participação feminina. Durante tal período, a obreira deverá receber bolsa de qualificação profissional, que poderá ser complementada por ajuda compensatória - sem natureza salarial - oferecida pelo empregador. A suspensão contratual deve ser comunicada ao Ministério do Trabalho e não poderá ocorrer dispensa da empregada durante a capacitação e até 6 meses de seu encerramento, sob pena de multa.

Importante ter em conta que todas as medidas elencadas pela nova legislação em análise, além da necessária provocação por parte da trabalhadora ou do trabalhador, devem ser formalizadas por meio de previsão em acordo individual, ou, ainda, em Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho. A inclusão das diretrizes em normas coletivas, decerto, determina efetiva segurança às partes, no que concerne à validade do atermado, tendo em vista o entendimento pacificado pelo STF no tema 1046 da tabela de repercussão geral.

No mais, a legislação traz uma sequência de disposições a tratar da prevenção e do combate ao assédio sexual e outras violências enfrentadas pelas mulheres no ambiente laborativo. As empresas devem estabelecer códigos de conduta específicos em relação ao tema, concedendo-lhes ampla divulgação entre seus colaboradores. Outrossim, é necessário que sejam estabelecidos procedimentos para recebimento e apuração de denúncias e fatos, além da aplicação de sanções, atentando-se para o anonimato do denunciante. Ações de capacitação, orientação e sensibilização das equipes - em todos os níveis hierárquicos - sobre o tema são imprescindíveis.

Por fim, a lei cria o "Selo Emprega + Mulheres", que se destina a reconhecer as empresas que se destaquem na organização e manutenção de creches e pré-escolas a atender as necessidades de suas colaboradoras; bem assim aquelas que adotem boas práticas, tais como o estímulo à contratação, à ocupação de postos de liderança e à ascensão profissional de mulheres, a divisão igualitária da parentalidade, a promoção à cultura da equidade de gênero, a oferta de vagas flexíveis, o efetivo apoio a trabalhadoras em caso de assédio/violências, além da implementação de programas de contratação de mulheres em situação de vulnerabilidade.

As empresas que receberem o "Selo Emprega + Mulheres" deverão prestar contas anualmente, a fim de comprovar a regularidade da adoção das práticas que determinam a concessão da insígnia. Importante atentar para o fato de que microempresas e empresas de pequeno porte que receberem o selo serão beneficiadas com estímulos creditícios.

Como se pode observar, a atual legislação trabalhista tem inúmeras previsões que, caso aplicadas de maneira efetiva, podem e devem representar grandes avanços no caminho da equidade de gênero no mercado de trabalho. A tarefa das empresas, daqui em diante, como agentes modificadores da sociedade, será, portanto, promover e dar efetiva aplicação à norma. A mudança se faz coletivamente, de sorte que não basta o intuito, sendo necessária ação contínua e direcionada em busca de uma sociedade mais justa e igualitária!