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ESG: prevenção de acidentes do trabalho

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Atualizado às 07:37

A preocupação com o meio ambiente, com o meio social e com a governança corporativa, mais conhecida pela sigla ESG (Environmental, Social and Governance), não se trata de modismo, mas de uma estratégia vital para o desenvolvimento econômico global que teve início com o denominado Pacto Global, uma iniciativa proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU) para encorajar as empresas a adotarem políticas de responsabilidade social corporativa e de sustentabilidade.

Para entendermos melhor a abrangência e importância da ESG precisamos entender, primeiramente, o que significa para uma empresa a adoção de políticas de responsabilidade social corporativa e de sustentabilidade.

Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBCG), há quatro princípios básicos que permitem alcançar a boa governança corporativa: a transparência, a equidade, a prestação de contas e a responsabilidade corporativa. Vejamos a seguir o conceito de cada um destes princípios:

  • Transparência - Consiste em disponibilizar para todos os colaboradores internos, externos, clientes, e todas as partes eventualmente interessadas, as informações que mantenham relação com todos os processos de produção, iniciando pela forma como é escolhida a matéria-prima, se o fornecedor também apresenta sua extração dentro de parâmetros aceitáveis de sustentabilidade, chegando ao produto final, e muitas vezes, também, a forma como esse produto poderá e deverá ser descartado, também é relevante nesse processo.
  • Equidade - Caracteriza-se pelo tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders), levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas, ou seja, levando-se em conta a legislação e critérios subjetivos que agregam valor moral e ético para o produto, para a marca e para e empresa.
  • Prestação de contas (accountability) - Trata-se da obrigação de todos os envolvidos no processo de gerenciamento de prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões, atuando com diligência e responsabilidade no âmbito dos seus papéis. Destacam-se aqui as possibilidades legais a que ficam sujeitos os colaboradores e diretores das empresas no âmbito da responsabilidade civil, trabalhista e criminal.  
  • Responsabilidade corporativa - Responsabilidade dos chamados "agentes de governança", que são os colaboradores que têm como função primordial zelar pela viabilidade econômico-financeira das organizações, levando em consideração os diversos modelos de capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental e reputacional) no curto, médio e longo prazos.

Dentro dessa ótica surge o tema do nosso artigo, a "ESG e os acidentes de trabalho", matéria que envolve, de uma só vez, questões ambientais, sociais e de governança. De certo, nos referimos a questões ambientais e de governança, no sentido do ambiente de trabalho propriamente dito e das regras que deverão nortear as atividades dos colaboradores e as responsabilidades dos agentes de governança. E, ainda, a questão social, que repercute, sobretudo, no nosso sistema previdenciário.

Com efeito, a lei 8.213/91 conceitua acidente de trabalho: 

"Art. 19.  Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.        

(...)  

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II -doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I." (g.n.).    

Embora comumente usadas como sinônimos, "doença profissional e doença do trabalho" apresentam diferenças doutrinárias relevantes. Na toada do inciso I supramencionado, cabe citar o que leciona Tupinambá do Nascimento:

"nas tecnopatias, a relação com o trabalho é presumida juris et de jure, inadmitindo prova em sentido contrário". Basta comprovar a prestação do serviço na atividade e o acometimento da doença profissional1.

Portanto, é possível afirmar que doença profissional é aquela própria de determinada profissão. Ainda, os autores Castro e Lazzari destacam que:

"As doenças ocupacionais são aquelas deflagradas em virtude da atividade laborativa desempenhada pelo indivíduo. Valendo-nos do conceito oferecido por Stephanes, são as que "resultam de constante exposição a agentes físicos, químicos e biológicos, ou mesmo do uso inadequado dos novos recursos tecnológicos, como os da informática"2.

No que tange à doença do trabalho, podemos afirmar que é aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente. Apesar de se originar na atividade do trabalhador, não está atrelada especificamente a uma profissão, já que surge de acordo como o trabalho é prestado ou das condições do ambiente laboral. A diferença, embora sutil, permite flexibilizar as possibilidades, como no exemplo da Covid19 como doença ocupacional, relacionada com as condições do ambiente laboral.

Nesse diapasão, oportuno mencionar o julgamento do processo n. 0010605-52.2021.5.03.0101, da 2ª Vara do Trabalho da Cidade de Passos, no Estado de Minas Gerais, que condenou o empregador ao pagamento de indenização no valor de duzentos e vinte e dois mil reais à família do colaborador que faleceu em virtude da doença adquirida no ambiente laboral (Covid19), conforme restou comprovado pela prova testemunhal e, de acordo com o magistrado, Victor Salomé Dutra:

"a construtora negligenciou os fatores específicos de risco à saúde do empregado, que era portador de hipertensão e diabetes, comorbidades mais sensíveis ao novo coronavírus, o que impõe cautelas adicionais quanto aos empregados desse grupo".

Relevante observar que ao julgar o Magistrado ressaltou e utilizou como base de seu julgamento a responsabilidade corporativa do empregador.

Contudo, de acordo com a plataforma SmartLab, no ano de 2021, houve mais de 153,3 mil concessões de auxílio-doença acidentário e 4,1 mil aposentadorias por invalidez decorrentes de acidentes do trabalho, propriamente ditos. Conforme o INSS, os gastos com benefícios previdenciários foram de R$17,7 bilhões em auxílios-doença acidentário e de R$70,6 bilhões em aposentadorias pela mesma causa.

Nessa toada, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), em maio de 2022, elaborou um artigo apontando dados do Observatório de Saúde e Segurança do Trabalho (SmartLab), da OIT e do Ministério Público do Trabalho (MPT), no qual observou-se que o país registrou 2,5 mil óbitos e 571,8 mil Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs) em 2021.

Esses números representam um acréscimo de 30% em relação ao ano anterior. Entre 2012 e 2021, foram registradas 22,9 mil mortes e 6,2 milhões de CATs no mercado formal de trabalho brasileiro3, o que significa prejuízo para os cofres públicos e para empresas, que mesmo sem serem responsabilizadas judicialmente acabam tendo que fazer novas contratações, parar a produção e, muitas vezes, a marca e a reputação acabam abaladas definitivamente.  

Há anos, muitos países já adotaram práticas preventivas de acidente de trabalho com a utilização de GRO (Gerenciamento de Riscos Operacionais), que nada mais é do que o levantamento dos possíveis riscos existentes no ambiente laboral, também largamente utilizado por escritórios de advocacia, que têm incluído o gerenciamento de riscos operacionais em suas auditorias e compliance trabalhista.       

Oportunamente, em razão da proximidade do início da Copa do Mundo, voltou à tona a reportagem do jornal britânico, The Guardian, publicada em março deste ano, que noticiou que mais de 6.500 trabalhadores imigrantes teriam morrido no Qatar desde dezembro de 2010, em razão de trabalharem em condições insalubres e indignas.

A situação dos imigrantes gerou protestos e ameaças de boicote ao Mundial do Qatar durante jogos das eliminatórias europeias e alguns jogadores das seleções da Alemanha, Holanda, Noruega e Dinamarca entraram em campo vestindo camisas com mensagens a favor dos direitos humanos, como forma de crítica aos fatos que haviam sido noticiados4.

Particularmente, em nosso país, existe uma cultura do deixar acontecer para, depois, tomar-se atitudes que, quase sempre, não são capazes de sanar os malefícios causados. É preciso alterar a forma de administrar as pequenas, médias e grandes empresas.

Resta claro que investir na prevenção de doenças e acidentes ocupacionais e operacionais é o melhor caminho a ser tomado pelas organizações, qualquer que seja a sua área de atuação. Neste aspecto, a legislação existente sobre Segurança e Saúde no Trabalho é um dos pilares norteadores, junto com boas práticas e participação das pessoas colaboradoras.

Nesse sentido, as normas regulamentadoras poderão servir de norte para o início dessa jornada, aliada a legislação, doutrina e jurisprudência que já existe sobre o assunto. O Judiciário, inevitavelmente, continuará se deparando com questões das mais improváveis, a julgar pelas questões já impostas em razão do Covid19, os novos meios de trabalho remoto e doenças psicoemocionais que aumentam dia a dia.

Sem dúvida, os desafios são imensos, porque envolvem valores materiais, pessoais e morais, o que só reafirma a necessidade e emergência da aplicação da ESG em todos as empresas, indústrias e comércio em geral.

Diante deste cenário, as empresas e o Estado chegarão a inexorável conclusão de que a prevenção é a melhor alternativa para diminuir custos, danos corporativos e sociais, otimizar o ambiente laboral e maximizar a produção dos colaboradores, caminhando ao encontro da ESG.

E nós, operadores do Direito estaremos atentos e zelosos para buscar e apontar os rumos dessa nau.

__________

1 CASTRO DO NASCIMENTO, Tupinambá M. Comentários à nova lei de acidentes do trabalho. Porto Alegre: Síntese, 1977. p. 50.

2 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 2003, p. 468.

3 Disponível aqui.

4 Disponível aqui.