Redirecionamento da execução trabalhista em face da devedora principal e seus sócios antes do atingimento patrimonial contra da devedora subsidiária
sexta-feira, 19 de novembro de 2021
Atualizado às 07:58
Quem milita no âmbito processual trabalhista sabe que o "calcanhar de Aquiles" da Justiça Laboral, sem dúvida, é a fase de execução, quando o reclamante/exequente buscará receber os direitos que ganhou. Mas, não raramente, quando se chega nesta fase, o trabalhador por vezes acaba por não encontrar bens do seu "devedor principal", ou este não tem patrimônio suficiente para satisfazer a sua dívida, ainda mais na atual fase delicada que enfrentamos há mais de um e meio, face à pandemia mundial de Covid-19.
A execução contra o devedor principal até a lei 13.467/17, caso este não tivesse bens suficientes a satisfazer o crédito trabalhista, era impulsionada de ofício pelo próprio Juiz (artigo 878, CLT), ou, a pedido do empregado/exequente, era direcionada contra os sócios da ex-empregadora. Partindo-se do pressuposto de que o sócio da devedora principal, beneficiado que foi pelos serviços prestados deveria ser responsabilizado patrimonialmente, se efetivava a desconsideração da personalidade jurídica da empresa para então fazer com que o sócio respondesse também com seus bens particulares (artigo 50, CC). Corria assim a execução em face dos sócios ou até mesmo ex-sócios que respondiam pelas dívidas da sociedade até dois anos após a sua retirada, por força do artigo 1.003, parágrafo único, do Código Civil.
No entanto, após o advento da reforma trabalhista, foi criado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, semelhante ao existente no novel Código de Processo Civil de 2015, previsto no artigo 855-A da CLT, que assim dispõe:
"Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil.
§ 1o Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente:
I - na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do § 1o do art. 893 desta Consolidação;
II - na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo;
III - cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente no tribunal
§ 2o A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)". (Grifamos).
Assim, sob a égide da lei 13.467/17, somente é possível direcionar a execução contra os sócios do empregador mediante a instauração de procedimento específico, no caso, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, conforme previsto no artigo 855-A da CLT.
Com o advento da lei reformista, verifica-se que o direcionamento da execução contra os sócios do empregador ficou mais tortuosa, afinal, o credor não poderá mais pleitear ao Juízo que, no caso de inadimplência da empresa, seja automaticamente direcionada a execução contra os seus sócios. Assim como o Juiz também não poderá de ofício direcionar a execução em face de tais dos sócios atuais e/ou retirantes da pessoa jurídica, visto que o artigo 878 da CLT, após o ano de 2017, só autoriza a execução de ofício nos casos em que as partes não estiverem assistidas por advogados.
Tratando-se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) de um procedimento especial regulamentado por lei, não deve ele ser requerido por simples petição, na medida em que a parte deverá atender aos ditames dos artigos 133 a 137 do CPC, conforme determina o caput do artigo 855-A da CLT. E caso seja instaurado o incidente, o processo poderá ser suspenso, conforme disposto no artigo 855-A, §2º da CLT.
De certa forma, a inserção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na CLT, pós-reforma trabalhista, com procedimentos específicos a serem observados, acabou aparentemente por proteger os sócios da ex-empregadora. Entrementes, na prática, os advogados dos reclamantes seguem pedindo por simples petição o direcionamento da execução contra os sócios da devedora principal, não seguindo os preceitos do artigo 855-A consolidado. Tais pedidos, na maioria das vezes, são indeferidos, obrigando os advogados dos credores a instaurar o devido IDPJ, o que nem sempre também ocorre na prática, afinal, o incidente provoca a suspensão do processo.
Assim, como dito, a partir da reforma da trabalhista, o Juiz não mais autorizará o direcionamento da execução em face dos sócios da devedora principal, caso esta não detenha patrimônio necessário para satisfazer o crédito trabalhista. Havendo, lado outro, devedor subsidiário, contra este certamente será direcionada a execução a pedido do credor.
Quando se tratar de empresa prestadora de serviços no processo trabalhista, será comumente declarada a responsabilização da tomadora de forma subsidiária, com fulcro na Súmula 331 do TST, cujo Item IV assim dispõe: "O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial".
Não mais se discute, atualmente, a ilicitude da terceirização, ante o julgamento do Tema 725 pelo STF (RE 958252), que fixou a seguinte tese: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante".
Entrementes, o que não se pode perder de vista é que a execução trabalhista não pode ser arbitrariamente direcionada contra a empresa tomadora de serviços que tenha sido condenada de forma subsidiária, sem que se respeite o devido processo legal (artigo 5º, LIV, CF/88), o direito ao contraditório e à ampla defesa (artigo, 5º, LV, CF/88), assim como o princípio de que a execução deva se dar da forma menos gravosa ao executado, conforme previsto no artigo 805 do CPC.
Ora, o simples fato da empresa tomadora de serviços (devedora subsidiária) ser uma empresa idônea e solvente, às vezes de grande porte ou de renome, não se justifica que tenha ela que pagar o crédito trabalhista devido pela devedora principal (prestadora de serviços), antes que se tente buscar o patrimônio desta para quitar seu débito para com o credor trabalhista!
Além disso, quando se tenta executar um crédito trabalhista em face de uma empresa tomadora de serviços condenada a responder de forma subsidiária com a devedora principal, olvida-se que esta empresa pagou corretamente pela prestação de serviços contratada. Sendo que foi a empresa prestadora de serviços que consumiu todo o valor recebido, sem que tenha sobrado um centavo sequer para pagar os seus empregados. E quando se fala em empresas de peque ou médio porte, o dinheiro subitamente desaparece da conta da prestadora, não sobrando capital para quitar suas obrigações, presumindo-se que tenha sido desviado para os bolsos dos seus sócios.
Neste cenário, a reforma trabalhista, ao exigir que agora os sócios das empresas prestadoras de serviços sejam somente acionados através do incidente de despersonalização da pessoa jurídica, acabou por "premiá-los", pois, os blindou da execução trabalhista, o que é inaceitável.
Deve-se frisar que foi o sócio da devedora principal, que era a prestadora de serviços, quem se beneficiou diretamente dos préstimos do trabalhador/exequente. Por isso, deveria responder ele patrimonialmente antes da devedora subsidiária.
É certo que, para o devedor trabalhista subsidiário, fica evidenciado que na grande maioria das vezes nem sequer o Juízo trabalhista esgota as tentativas de execução contra a devedora principal. Quando muito é feita uma tentativa de bloqueio nas contas bancárias desta última via SISBAJUD.
Acontece que o TRT da 6ª Região, por exemplo, na temática em epígrafe, entende que a tentativa de penhora via BACENJUD (hoje SISBAJUD) poderá ser reiteradamente renovada como se comprova no artigo 238, §3º, do Provimento 02/2013, da Corregedoria Regional deste TRT 6ª Região, verbis:
"Art. 238 Se, após cientificado, o devedor não pagar o débito ou não garantir a execução mediante depósito em dinheiro ou, ainda, tiver rejeitada pelo juiz a indicação de outro bem à penhora, deverá ser realizado o bloqueio eletrônico através do sistema BACENJUD, seguido do uso das demais ferramentas eletrônicas disponíveis, acaso infrutífero aquele.
(...)
§ 3º A tentativa de penhora através do BACENJUD poderá ser renovada a qualquer tempo, em diferentes datas do mês, independentemente de requerimento do credor, inclusive em caso de insucesso na hasta pública". (Grifamos).
Neste sentido, já se posicionou também o TRT da 3ª Região:
"PESQUISA PATRIMONIAL. SISBAJUD. UTILIZAÇÃO. O sistema Sisbajud é importante instrumento para dar efetividade às execuções e pode ser reutilizado caso haja lapso temporal relevante desde o último acionamento. Isso porque é possível que a situação econômica do executado tenha sido alterada com o passar do tempo. Todavia, tal não ocorre na hipótese dos autos. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0007700-95.2007.5.03.0091 (APPS); Disponibilização: 05/10/2021; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Lucilde D'Ajuda Lyra de Almeida)".
Registre-se que, não raras vezes, até mesmo no caso de a devedora principal não ser encontrada, ou não sendo sequer citada (nos termos do artigo 880, caput da CLT), essa tem sido considerada insolvente, e rapidamente a execução é direcionada contra a devedora subsidiária, sem que tenha sido feita nenhuma tentativa de constrição do patrimônio da ex-empregadora, através das inúmeras ferramentas e convênios disponíveis ao Juízo da execução, tais como SISBAJUD, RENAJUD, INFOJUD, CCS, CAGED, consulta em Registro de Imóveis, dentre outros.
É fundamental que se esgotem os meios de execução em face da devedora principal, para somente então redirecionar a execução trabalhista para devedora principal, como já decidiu o TRT da 3ª Região:
"REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO - DEVEDOR SUBSIDIÁRIO. Frustradas as tentativas de constrição do patrimônio do devedor principal via sisbajud e renajud, possível o redirecionamento da execução em face do devedor subsidiário. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0001030-61.2014.5.03.0102 (APPS); Disponibilização: 04/10/2021; Órgão Julgador: Terceira Turma; Relator: Luis Felipe Lopes Boson)". (Grifamos).
Assim, é certo que as pesquisas patrimoniais através do SISBAJUD, RENAJUD, INFOJUD, além de muitas outras ferramentas disponíveis ao Judiciário, podem e devem ser repetidas, como se já se posicionou novamente o TRT da 3ª Região:
"PESQUISA PATRIMONIAL. BACENJUD, RENAJUD, INFOJUD E SISBAJUD. UTILIZAÇÃO. Os sistemas Bacenjud, Renajud, Infojud e Sisbajud são importantes instrumentos para dar efetividade às execuções e podem ser reutilizados caso haja lapso temporal relevante desde o último acionamento. Isso porque é possível que a situação econômica do executado tenha sido alterada com o passar do tempo. Todavia, tal não ocorre na hipótese dos autos. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0123400-24.2006.5.03.0134 (APPS); Disponibilização: 08/09/2021; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Lucilde D'Ajuda Lyra de Almeida)". (Grifamos).
Aliás, no SISBAJUD existe hoje a possiblidade de programar a realização das tentativas de bloqueio na forma de "repetição programada", conhecida como "Teimosinha".
A par de todo que foi aqui exposto, não pode ser olvidado que no âmbito do processo de execução trabalhista foi a devedora principal quem recebeu da devedora subsidiária pela prestação de serviços, assim como foram seus sócios os beneficiados diretamente pelos préstimos do labor realizado pelo exequente/trabalhador, de modo que não podem sair impunes. Isso, claro, respeitados o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, salvaguardados pela nossa Carta Magna (artigo 5º, LIV e LV), e, acima de tudo, o princípio de a execução deva se dar da forma menos gravosa ao executado, conforme dispõe o caput do artigo 805 do CPC. Por isso, a devedora subsidiária tem o lídimo direito de ver esgotada a execução em face da devedora principal quem de fato era a empregadora do exequente, e que seja efetivamente realizada a devida busca de patrimônio da devedora principal, e seus respectivos sócios, pelos convênios disponíveis na Justiça do Trabalho, observando-se, em arremate, a proteção dos seus lídimos direitos e acima de tudo a Justiça.
*Karen Vargas é advogada trabalhista militante na área trabalhista há aproximadamente 16 anos. Atuando em todas as fases processuais, desde a fase de conhecimento do processo até a fase de execução. Atuando em escritórios com ênfase na defesa dos interesses de empresas. Graduada Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialização em Direito do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE).