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A anacrônica tutela dos interesses coletivos realizada pelas centrais sindicais

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Atualizado às 08:16

A origem do sindicalismo está na união dos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho no auge da Revolução Industrial. Esse movimento - primeiramente coibido por leis estatais - foi sucedido por uma fase de tolerância para, posteriormente, passar a ser plenamente reconhecido.

A atividade sindical deve ser livremente exercida, devendo ser coibida toda e qualquer forma de obstrução, bem como deve sempre buscar a concreção da tutela coletiva de seus representados.

A esse respeito a viga mestra é a liberdade sindical, espécie do gênero liberdade de associação, e que representa a base de todo o arcabouço jurídico engendrado para tutelar a livre atuação de trabalhadores, empregadores e seus respectivos sindicatos.

Alinhada com a liberdade invariavelmente está a implantação do modelo da pluralidade sindical, que deixa mais concreto essa liberdade sindical e o fortalecimento dessas instituições, de modo a estabelecer analogicamente uma livre concorrência entre eles, e não uma imposição legal de representação como é feito pela unicidade sindical e a representatividade obrigatória.

No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 assegura tanto o direito de livre associação quanto a liberdade sindical (artigos 5º, XVII a XXI, e 8º caput e I). Não obstante a positivação demonstrada, a liberdade sindical como direito fundamental padece de plena efetividade por conta da estrutura da organização sindical ainda vigente no Brasil, afora a manutenção da unicidade sindical, um dos grandes obstáculos à plena efetivação da liberdade sindical.

Pautado nessa liberdade, o foco do direito coletivo do trabalho, enxergado de maneira ampla, possui nas relações sindicais a tutela específica e, ao mesmo tempo, ampla dos interesses coletivos dos trabalhadores e empregadores representados por seus entes sindicais.

Logo, contraditório dentro de um sistema de liberdade sindical, como aliás é normatizado inclusive no plano constitucional, fato é que existir qualquer controle estatal - como é o caso, por exemplo, da manutenção da unicidade sindical e da representatividade obrigatória, que são ideias de sindicato monolítico obrigatório - obviamente se contrária à liberdade sindical.

Não obstante, nesse modelo já de duvidosa liberdade sindical, pois, ainda há nítida interferência estatal, sobrevém a lei 11.648/08 outorgando a qualidade de ente sindical as centrais sindicais, o que é totalmente dissociado da liberdade e autonomia sindicais plenas e, inclusive, contraditório ao modelo da unicidade sindical.

Ademais, essa intervenção contraria a estruturação piramidal já existente em nossa Constituição Federal, isto é, a imposição legal para que as centrais sindicais sejam consideradas entes sindicais causa um colapso estrutural no sistema já existente, pois, ante a unicidade e o sistema confederativo (artigo 8º, IV, da CF/88, destacando que tal padrão existe desde a década de 1930, consoante decreto 19.770, de 1931), não há compatibilidade para que as centrais ocupem qualquer lugar na estrutura, sem que, no caso, seja feita uma prévia e necessária reforma sindical.

Essa forçosa limitação imposta pelo Estado é contrária ao quanto preconizado pela Convenção nº 87 da OIT, por manter conduta intervencionista do Estado, propiciando inclusive um sindicalismo corporativista.

Gino Giugni1 define claramente que nos sistemas de liberdade sindical é assegurada a liberdade jurídica de constituir organizações com qualquer orientação ou estrutura.

Esse modelo, ao nosso sentir, desfavorece a efetividade da atuação plena sindical, e, por consequência, a tutela dos interesses coletivos, pois, o cerne principal dos sindicatos é a representação de seus tutelados para a busca de melhorias nas condições sociais e de emprego havida pelas negociações coletivas, a qual deixa de ser evidenciada por haver uma representatividade imposta (unicidade) e não conquistada (unidade).

É nesse o cenário que os entes sindicais atuam, sendo clara e muito ativa as legitimidades dos sindicatos de base, das federações e das confederações. As entidades sindicais, conforme Santos2, constituem espécies particulares de associação, com elementos peculiares que justificam variações na sua disciplina em relação à disciplina geral. E entre essas peculiaridades estão os poderes e as prerrogativas sindicais, os quais relevam o poder de estipular acordos e convenções coletivas de trabalho com abrangência categorial. Logo, por serem uma espécie de associação, aos sindicatos - além dos poderes, prerrogativas e deveres decorrentes de sua personalidade sindical - lhes são aplicáveis todos os dispositivos constitucionais referentes às associações.

Contudo, mesmo ao passo da legitimidade dos entes sindicais para as ações coletivas, temos evidenciado a limitação dessa legitimação, com lastro na divisão do modelo sindical por categorias (artigo 511, parágrafos 1º e 2º, da CLT), ou seja, os sindicatos estão legitimados às matérias laborais de interesse metaindividuais,  mas limitados a categoria ou abrangência dessa.

Indubitável restou essa legitimidade dos sindicatos quando o Supremo Tribunal Federal, em 12 de junho de 2006, analisando o Recurso Extraordinário nº 193.503-1-São Paulo, em acórdão relatado pelo ministro Joaquim Barbosa, deixou assentado que o artigo 8º, III, da Constituição Federal, estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam.

E nada obstante todo acima exposto e a clarividente legitimação desses entes sindicais, o quadro atual é de esmagadora maioria do encabeçamento das ações civis públicas pelos Ministérios Públicos, do que pelos entes sindicais, estatística essa ressaltada por Mancuso3.

A tutela coletiva exercida pelas centrais sindicais seja judicialmente ou extrajudicialmente é, ao nosso sentir, inexpressiva como veremos abaixo.

Por regra, em nosso ordenamento jurídico as centrais sindicais são consideradas pessoas jurídicas de direito privado, que adquirem personalidade jurídica (ainda não sindical) com o registro de seus atos perante o cartório de registro público, vindo a obter a personalidade sindical apenas com o advento da lei 11.648/08.

Diante desse desenho piramidal é preciso ainda respeitar o seu agrupamento, que se dá por critério de homogeneidade, dado pela divisão em categorias e pelo princípio da unicidade sindical, não havendo, assim, liberdade para a vinculação entre as diversas entidades sindicais que compõem a pirâmide, já que o sistema se organiza tendo em conta as outras restrições constitucionais existentes à liberdade de organização, quais sejam, a unicidade sindical, a base territorial mínima e a sindicalização por categoria.

Não estamos aqui a diminuir ou desprezar a importância política aglutinadora e da enorme capacidade das centrais sindicais na defesa dos interesses de seus "representados", mas essas da forma como concebidas são incompatíveis com o modelo constitucional, de modo que a lei 11.648/08 que lhes outorgou a roupa de ente sindical o fez de maneira não só contrária ao texto constitucional, como também é certo que a mens legis buscava apenas o caráter econômico ligado à extinta obrigatoriedade da contribuição sindical, da qual rentabilidade econômica não participavam essas centrais.

Nesse prisma, as centrais sindicais não integram o sistema confederativo sindical brasileiro, sendo entidades de representação geral dos trabalhadores de âmbito nacional, que não dispõem de poderes inerentes às entidades sindicais, principalmente a de representação jurídica.

É relevante ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro concentra no sindicato as funções de representação e de negociação, sendo que as demais entidades sindicais (federações e confederações, respectivamente) podem exercer essas funções em caso de inércia ou de inexistência do sindicato de base (arts. 617 e 611, § 2º da CLT).

Entrementes, a Constituição de 1988 ampliou a legitimidade sindical, por meio das confederações, para propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da declaratória de constitucionalidade (art. 103, inciso IX da CF/88). Neste prumo, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que só as entidades sindicais de terceiro grau, ou seja, as confederações serão legitimadas a ajuizar ações que versem sobre o controle de constitucionalidade (ADIn 4184/DF), deixando as centrais sindicais de fora desse rol, já que essas são organizações intercategoriais ou multicategorias em uma linha horizontal compreendendo diversas categorias.

A própria lei das centrais sindicais que as outorgou a qualidade de ente sindical não lhes atribuiu legitimidade processual, mas sim, apenas, prerrogativas genéricas, tais como: coordenar a representação dos trabalhadores por meio das organizações sindicais a ela filiadas e participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social que possuam composição tripartite, nos quais estejam em discussão assuntos de interesse geral dos trabalhadores (art. 1º, lei 11.648/08).

A respeito das centrais sindicais terem legitimidade para tutela de interesses coletivos, temos que o assunto é bastante denso e controvertido, porém vem prevalecendo que essas não têm representatividade jurídica, segundo Eduardo Henrique Raymundo von Adamovich4, pois, quando não houver sindicato representativo da categoria econômica ou profissional, poderá a representação ser instaurada pelas federações correspondentes e, na falta dessas, pelas confederações (por aplicação analógica do artigo 857, parágrafo único da CLT).

A legitimidade processual é tão inexistente que, em 12 de março de 2021 o Supremo Tribunal Federal, por maioria, em votação no plenário, não conheceu da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 5306, ajuizada pela Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), contra a Lei Complementar Estadual 502/2013 de Mato Grosso, tendo prevalecido o voto apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes, segundo o qual a jurisprudência do Supremo é de que as centrais sindicais não têm legitimidade ativa para ajuizar ação de controle concentrado de constitucionalidade.

Importante trazer a lume que a ilegitimidade das centrais sindicais para ajuizar ou tutelar interesse processual coletivo reside no fato dessas congregarem integrantes das mais variadas atividades ou categorias profissionais ou econômicas, não se qualificando, assim, como uma confederação sindical nem como uma entidade de classe de âmbito nacional, conforme exigido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como bem evidenciou o ministro Alexandre de Moraes em seu voto da citada ADIn 5306.

A ausência de tutela dos interesses coletivos pelas centrais sindicais, através das ferramentas ou ações coletivas, resta crível, ao passo de sua ilegitimidade e falta de interesse vinculante específico de agir, todavia, essas também não vem defendendo os interesses coletivos sequer pela via material.

No tocante à tutela exercida pelas centrais sindicais  no campo extrajudicial ou medidas efetivas para tutelar os interesses gerais dos trabalhadores, como asseveram Krein e Colombi5,  foi aferido que nos maiores períodos de crise, a exemplo dos anos de 2014 e 2015, as atividades das centrais sindicais não passaram de gritos, passeata, eventos discursivos que em nada contribuíram para a tutela material do trabalhador.

Ao nosso sentir, a situação trazida mostra o caráter somente econômico da lei 11.648/08 com o fito de ao adjetivar as centrais sindicais como ente sindical, busca apenas outorgar a essas legitimidade para participar da divisão econômica milionária, à época, aferida pela arrecadação da contribuição sindical, almejando com isso o fortalecimento de um estado que intervêm na ordem sindical e, em contraponto, mantém uma total desproteção do trabalhador por essas entidades nada efetivas no plano concreto na defesa dos interesses coletivos.

A lei 11.648/08, a rigor, não trouxe novidades, não oferecendo às centrais nada além dos espaços e das fontes de recursos aos quais elas já tinham alguma forma de acesso pela própria competência (que, evidentemente, varia de uma para outra), tendo feito a  lei apenas institucionalizar os acessos e garantir a pluralidade de centrais, razão pela qual estabeleceu padrões reduzidos para obtenção de índice de representatividade. Visou também a legislação garantir os interesses corporativos da centrais, porém pautada inarredavelmente sobre a manutenção da unicidade compulsória na organização de base para manter seus controles sobre elas e o sistema.

Logo, mantemos assim um velho sistema sob uma hipotética nova roupagem, mesmo após reforma trabalhista, com um sindicalismo corporativo e nada tutelar de sua coletividade representada, contribuindo para a não concreção dos direitos e de tutela coletiva, permanecendo, inclusive, a cidadania no mesmo ritmo, isto é, desprestigiada, pois, sindicato ou sistema sindical fraco ou monopolizado significa ausência de evolução social, econômica e de condições melhores de trabalho aos hipossuficientes empregados.

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1 GIUGNI, Gino. Direito Sindical. São Paulo: LTr, 1992. Tradução Eiko Lúcia Itioka. p. 33

2 SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. Pagina 50 a 51.

3 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: lei 7.347/85 e legislação complementar. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Páginas 108-109.

4 ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Sistema da ação civil pública no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. Página 271 a 275

5 KREIN, José Dari; DIAS, Hugo Rodrigues; COLOMBI, Ana Paula Fregnani. As centrais sindicais e a dinâmica do emprego. Estudos Avançados, [S.L.], v. 29, n. 85, p. 121-135, dez. 2015. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-40142015008500009.

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ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Sistema da ação civil pública no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. Página 271 a 275

BRASIL. Constituição Federal de 1988.  Acesso em: clique aqui. Acessado em 21/01/2021.

________. Consolidação das Leis do Trabalho. Acesso em: clique aqui.

GIUGNI, Gino. Direito Sindical. São Paulo: LTr, 1992. Tradução Eiko Lúcia Itioka. p. 33

KREIN, José Dari; DIAS, Hugo Rodrigues; COLOMBI, Ana Paula Fregnani. As centrais sindicais e a dinâmica do emprego. Estudos Avançados, [S.L.], v. 29, n. 85, p. 121-135, dez. 2015. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-40142015008500009.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: lei 7.347/85 e legislação complementar. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Páginas 108-109

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. Página 50 a 51.