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As redes sociais e o Direito do Trabalho

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Atualizado às 08:37

O fenômeno da globalização consiste na interligação geográfica, política, econômica, social e cultural dos povos.

Thomaz L. Friedman, na sua imperdível obra, "O mundo é plano: o mundo globalizado no século XXI", descreve, com profundidade, os efeitos e a dinâmica da globalização. Ele a segrega em três etapas. A primeira é a "globalização 1.0", que envolveu apenas os países. A "globalização 2.0" abrangeu as empresas. Já a "globalização 3.0" é o que se classifica como a "recém-descoberta capacidade dos indivíduos de colaborarem e concorrerem no âmbito mundial".

Por esta última faceta, o indivíduo isolado ou organizado em pequenos grupos ganha uma força em âmbito mundial, o que foi possível em razão da "convergência entre o computador pessoal (que subitamente permitiu a cada indivíduo tornar-se autor de seu próprio conteúdo em forma digital), o cabo de fibra óptica (que de repente permitiu a todos aqueles indivíduos acessar cada vez  mais conteúdo digital no mundo por quase nada) e o aumento dos softwares de  fluxo de trabalho (que permitiu aos indivíduos de todo o mundo colaborar com aquele mesmo conteúdo digital estando em qualquer lugar, independentemente da distância entre eles)".

Esta força individual ganhou ainda mais corpo com o advento das redes sociais, dando visibilidade às mais diversas espécies de manifestação. Nas palavras de Geraldo Magela Melo, as "plataformas de relacionamentos virtuais são muito mais que simples diários online, são meios de informação, educação interação e participação na vida familiar, social acadêmica, política e afetiva."1

Neste contexto, surge a necessária reflexão acerca das repercussões do uso das redes sociais no contrato de trabalho.

Ab initio, não há muita dúvida acerca da possibilidade jurídica de não se permitir o uso de redes sociais durante a execução do trabalho. Observando-se critérios de razoabilidade, a proibição pode ser objeto de regulamentação por norma interna, sem maiores dificuldades.

O principal aspecto a ser analisado é se uma postagem em redes sociais, em momento alheio ao da prestação de serviços decorrente do contrato de trabalho, tem o condão de gerar alguma repercussão jurídica na relação entre empregador e empregado.

As redes sociais digitais permitiram o surgimento de uma vigilância silenciosa do empregador em relação a seus funcionários, consistente na análise de suas postagens nas mídias sociais. Criou-se o "Big Brother" no trabalho, como costuma afirmar o brilhante jurista José Eduardo de Resende Chaves Junior!

Pode-se considerar, então, a existência de um Poder Empregatício Virtual? Ele viola a liberdade de expressão dos trabalhadores?

No mundo pós-moderno a força das redes sociais para a formação da opinião pública é inegável, como bem delineia o documentário "O Dilema das Redes". Elas moldam a percepção política, social, cultural e de consumo de cidadãos em todo o mundo. Uma postagem, portanto, tem a possibilidade de atingir uma massa expressiva de pessoas, que repassam continuamente aquela mensagem ou vídeo, tornando-a viral!

Não se pode negar o efeito positivo da "viralização" de conteúdo de rede social quando ele é positivo, de cunho educativo e assistencial. Também, inegável as consequências deletérias de postagens ofensivas que disseminam ódio ou inverdades ("fake news").

Sob esses prismas é que o fenômeno das redes sociais deve ser analisado no que tange aos seus efeitos no contrato de trabalho.

Com efeito, a celebração do pacto laboral pressupõe a boa-fé objetiva entre os contratantes, conforme dicção do art. 422 do Código Civil, segundo o qual eles devem observá-la, também, nas fases pré e pós-contratual. A boa-fé permeia, portanto, a própria existência do contrato de trabalho.

Nesta quadra, não há dúvida de que uma postagem negativa a respeito do seu empregador pode caracterizar quebra da fidúcia e da confiança, que são eles intrínsecos inerentes ao pacto de trabalho.

Ora, como um empregador irá confiar num trabalhador que alega problemas de saúde e posta foto em redes sociais participando de festas? O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região já manteve justa causa exatamente na situação narrada:

JUSTA CAUSA. REDES SOCIAIS. Configurada perda de confiança na empregada pela postagem de fotos em redes sociais participando de festividades em período em que estaria com problemas de saúde, o que torna impossível a manutenção do liame empregatício (TRT 4ª Região, processo n. 0022094-52.2015.504.0333, publicado no DEJT em 17/03/2017).

O mesmo ocorre com funcionário que faz crítica a seu empregador de maneira pejorativa nas redes sociais. Neste sentido, também consagra a jurisprudência a possibilidade de rescisão do pacto laboral por justa causa:

JUSTA CAUSA. POSTAGEM DIFAMATÓRIA DA EMPRESA EM REDE SOCIAL. CONFIGURAÇÃO. Não se nega à reclamante o direito de expressas seus sentimentos, mas a mesma deve arcar com as consequências de suas manifestações. Em nome do direito à liberdade de expressão não se pode ofender ou denegrir a imagem de pessoas física e jurídicas. Ao fazer a postagem "Hoje me sentido num Tribunal julgada a prisão perpétua no MOPC liberdade nunca canta", a reclamante comparou a reclamada a um tribunal que lhe atribuiu injustamente a pena máxima de prisão perpétua, privando-a da liberdade, apenas porque a empresa não concordou em demiti-la. Provimento negado. (TRT 2ª Região, processo n. 1000445-41.2019.502.0038, publicado no DEJT em 17/08/2020).

A análise do cabimento da justa causa ou de outra penalidade (advertência ou suspensão) é sempre subjetiva e deve ser pautada pelo equilíbrio, sopesando os valores da liberdade de expressão e da boa-fé.

Não é toda crítica, portanto, que pode e deve ensejar a aplicação de penalidades por parte do empregador. Em análise análoga àquela aqui descrita, o Tribunal Superior do Trabalho, corretamente, manteve a descaracterização de justa causa à trabalhadora que apenas emitiu comentário nas redes sociais acerca da baixa qualidade da alimentação fornecida por seu empregador:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - DIREITO DO EMPREGADO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NAS REDES SOCIAIS EM CONTRAPOSIÇÃO AO DIREITO À HONRA E À IMAGEM DA EMPRESA - JUSTA CAUSA DESCARACTERIZADA - AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE ENTRE A CONDUTA OFENSIVA E A PENA MÁXIMA DE DISPENSA . No caso dos autos , verifica-se que o fato, por si só, de a empregada emitir opinião pessoal nas redes sociais sobre a qualidade da alimentação fornecida pela empresa, em configuração de privacidade restrita ao seu círculo de amizade , e na condição de consumidora dos serviços hospitalares da demandada, não configura gravidade suficiente a ensejar a dispensa por justa causa, mormente quando não consignadas outras faltas cometidas pela autora em sua grade curricular, nem observada a gradação de penas para legitimar a resolução contratual, que se dera, com efeito, de forma abrupta, em decorrência do único fato referido, que não se demonstra grave o bastante para a dissolução do liame empregatício existente entre as partes - frise-se. Considerando tais premissas fáticas, extrai-se do acórdão regional a ausência de proporcionalidade entre a sanção máxima de dispensa com a falta funcional praticada, tendo em vista que a reclamada agiu com rigor excessivo ao proceder à rescisão contratual por justa causa. O ato praticado pela reclamante não ensejou seu enriquecimento ilícito, nem gravidade suficiente que impossibilitasse a subsistência do vínculo de emprego. Ao contrário, a conduta da reclamante insere-se no exercício do direito de liberdade de expressão de opinião e pensamento , assegurado constitucionalmente no art. 5º, IV, da Carta Política de 1988. Precedentes. Agravo de instrumento desprovido" (AIRR-2361-81.2015.5.02.0034, 7ª Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 29/06/2018).

É certo que a internet não é um território sem lei. A liberdade de expressão (art. 5º, inciso IV e IX, da CRFB/88) deve ser consagrada, mas quando ultrapassada a fronteira da razoabilidade e da boa-fé objetiva, aplicáveis a todos os contratos, inclusive o de trabalho (art. 422, do Código Civil), pode haver consequências na relação empregatícia.

No mundo pós-moderno (líquido), manifestar-se na internet está cada dia mais próximo de um diálogo presencial, com repercussões inegavelmente maiores, inclusive econômicas. O mau uso das redes sociais pode acarretar consequências desagradáveis para as duas partes da relação empregatícia, na medida em que o empregador muitas vezes  é atingido em seus valores e pilares por uma postagem em rede social realizada por seu funcionário.

Cada dia mais o trabalhador tem que ter ciência do seu poder nas redes sociais, inclusive para se manifestar e reivindicar, se for o caso, melhores condições de trabalho. Entretanto, deve estar ciente do Poder Empregatício Virtual, que subverte a lógica clássica da relação empregatícia, mas é uma realidade inexorável.

Tudo isso não retira a recomendação de que os empregadores devem orientar seus funcionários acerca do comportamento nas redes sociais através do poder regulamentar, o qual pode ser exercido mediante treinamentos, cartilhas e códigos de conduta.

Em arremate, as redes sociais fazem parte da realidade e da vida de qualquer um de nós. Por isso, não se pode deixar de lado os importantes e inerentes reflexos no mundo do trabalho!

*Júlio César De Paula Guimarães Baía é graduado em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG. Pós-graduado em Direito Civil pela FGV. Mestre em Direito do Trabalho em UFMG. Ex-procurador do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Mineira de Futebol. Professor universitário. Professor dos cursos de pós-gradução da ESA/MG, do Ieprev, do Iprojud e da UNA. Coordenador da Pós-Graduação de Direito e Gestão do Trabalho e também da Pós-Graduação em Advocacia Corporativa, ambas da Faculdade Arnaldo Janssen. Consultor Educacional do Grupo Cogna. Coordenador do canal "Descomplicando o Direito do Trabalho, no YouTube. Advogado.

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1 MELO, Geraldo Magela. A reconfiguração do direito do trabalho a partir das redes sociais digitais. São Paulo. LTr, 2018. p. 52