Extinção do contrato de trabalho e a culpa recíproca
sexta-feira, 21 de maio de 2021
Atualizado às 08:42
Primeiramente, cabe conceituar o termo "extinção", cuja terminologia não é uníssona na doutrina. Dentre os que utilizam tal expressão, estão Délio Maranhão, Hugo Gueiros, Gabriel Saad, dentre outros. Há, contudo, quem prefira o termo "cessação", como Gustavo Felipe Barbosa Garcia e Sérgio Pinto Martins; ou "terminação", como Arnaldo Süssekind; ou dissolução, como Orlando Gomes.
A própria Consolidação das Leis Trabalhistas emprega as mais variadas expressões, mas como sinônimas, a saber: rescisão, nos artigos 482 a 484; terminação e cessação do caput do artigo 477; e dissolução também no artigo 477, mas em seu § 2.º
Inobstante a inexistência de um consenso terminológico, não restam dúvidas que estar-se-á falando da extinção do contrato de emprego - Cassar até refere que diferenciar esses termos nada mais é do que um "preciosismo", visto que todos se dirigem ao mesmo fato, qual seja, o próprio término do vínculo empregatício1.
Garcia aduz que o término do vínculo empregatício é uma espécie, da qual são gêneros a resilição, a resolução e a rescisão2. Para o autor, a resilição pode ser tanto bilateral quanto unilateral. Será unilateral quando o contrato for denunciado pelo empregado ou pelo empregador, ou seja, quando somente uma das partes demonstrar a intenção (ou "animus") em resolver o contrato de trabalho. Frise-se que, em tal modalidade, não há causa que motive a parte que busca a denúncia do contrato: é a dispensa sem justa causa ou o "pedido" de demissão.
Aqui, cumpre fazer uma breve discussão acerca do "pedido" de demissão. Parte da doutrina critica veementemente o emprego de tal expressão, pois não há, de fato, um "pedido" de demissão, visto se tratar de ato unilateral de iniciativa do empregado. Assim, como não há obrigação de se manter vinculado num contrato de trabalho, o empregado não requer a demissão, mas, tão-somente, comunica ao empregador que irá deixar de prestar seu labor no local - nas hipóteses em que não houver justa causa do empregador. Acrescente-se que, nesta situação, a extinção do contrato de trabalho, uma vez comunicada, em nada depende do aceite do empregador, porquanto nem sequer é razoável a ideia de que alguém fosse obrigado a trabalhar num local contra sua vontade.
Voltando à resilição, a modalidade bilateral pode ser verificada quando ambas as partes contratantes, ou seja, tanto o empregador quanto o empregado, têm a intenção de pôr a termo ao contrato de trabalho. Cumpre destacar que o artigo 473 do Código Civil também faz uso de tal termo, ao arrolar o distrato como uma das causas de extinção contratual.
A resolução, a seu turno, se dá quando há uma falta praticada pelo empregado ou pelo empregador (ou até de ambos), que acaba por dar fim ao contrato de trabalho. Ou seja, são hipóteses de resolução do contrato as dispostas nos artigos 482 até 484 da CLT, quando há justa causa ou falta grave, podendo acarretar em dispensa indireta ou em culpa recíproca.
O autor pontua que tal expressão também é empregada nas situações em que houver onerosidade exagerada, ou seja, nas hipóteses em que existe a imposição de gravame a uma das partes, de modo a desestabilizar uma relação que já é inerentemente desigual e que acaba por inviabilizar a manutenção do contrato de trabalho.
A rescisão, a seu turno, se dá nas situações em que é verificada alguma nulidade do contrato. Assim, se o objeto do contrato for ilícito, ou se o contrato for simulado, por exemplo, estar-se-á diante de uma situação ensejadora da rescisão do contrato de trabalho. Aqui, faz-se pertinente destacar que, consoante a Orientação Jurisprudencial n.º 199 da Seção de Dissídios Individuais 1 do Tribunal Superior do Trabalho3, em sendo ilícito (e, por consequência, nulo) o objeto do contrato, nada será devido, nem ao menos os salários, eventuais indenizações e demais vantagens percebidas pelo "empregado". De igual sorte, nada também será devido em contratos simulados, o que é natural, visto que não houve nenhuma prestação de serviço. Outrossim, conforme a Súmula n.º 363 do TST4, a qual, interpretada em conjunto com o artigo 19-A da lei 8.036/905, em sendo o trabalho proibido (uma contratação ilegal, por exemplo) serão devidos somente eventuais salários não pagos, além do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
Verifica-se que, inobstante as diferenças entre elas, todas têm um ponto em comum, qual seja, a voluntariedade. É dizer: em todas as espécies há a manifestação de vontade de uma (ou ambas) as partes.
Porém, há ainda a culpa recíproca, que se dá quando ocorrem condutas faltosas das partes, ou seja, tanto do empregado como do empregador. As do empregado estão, em suma, no artigo 482 da CLT, ao passo que as do empregador no artigo 483 do mesmo diploma legal.
Garcia destaca, como pressuposto da culpa recíproca, a simultaneidade (num mesmo contexto temporal e circunstancial), gravidade e conexão entre as faltas - na medida em que uma falta é diretamente correlata e decorrente da outra6.
Por isto, tem-se que esta espécie de término do contrato é rara, justamente pela dificuldade em se atender a tais condições, além da difícil produção de provas que demonstrem, insofismavelmente, tais situações. Nesse sentido, Delgado afirma que tal forma de ruptura contratual "supõe decisão judicial a respeito"7.
Pode-se citar, a título exemplificativo, a situação hipotética em que o empregado diz contra o empregador palavras de baixo calão, atingindo sua honra e imagem, e o empregador faz o mesmo também ofendendo a honra e imagem do empregado.
Para Melchíades Rodrigues Martins, nesta hipótese ocorre:
"[...] a concorrência de atos suficientemente graves, praticados concomitantemente pelo empregado e empregador tornando-se inconciliável a continuidade do pacto laboral. Fazendo referência a Nélio Reis, afirma Russomano que: 'as culpas devem ser concomitantes porque devemos ocorrer ao mesmo tempo. Não é possível alegar-se culpa recíproca quando o empregado responde indisciplinadamente, ao empregador, sob o fundamento de que, em outra ocasião anterior e remota, o empregador lhe falara de modo pouco cortês e diz também ' que devem ser determinantes, porque a conduta das duas partes terá sido a causa eficiente da rescisão' e mais que as culpas devem ser equivalentes, sob pena de a maior absorver a menor, dando margem à punição de um só agente. E, para tanto, a culpa maior será, quase sempre, daquele que, tendo o control of situation, como diz a doutrina norte-americana, deixa de evitar o incidente e, por isso, aumenta sua responsabilidade na perturbação jurídica e social trazidas'. Enfim, para configuração da culpa recíproca é necessário que os atos, tido por faltosos, do empregador e empregado sejam concomitantes, determinantes e equivalentes"8.
No ordenamento jurídico brasileiro, a extinção do contrato de trabalho em virtude da culpa recíproca está genericamente descrita no artigo 484 da CLT, o qual indica que a indenização deverá ser paga pela metade9. Na esteira deste artigo, o artigo 18, §2º, da lei 8.038/9010, discorre sobre o pagamento da multa do FGTS nos casos em que configurada a culpa recíproca, que será reduzida pela metade, ou seja, a 20%.
Em conformidade com tais disposições legais, o TST editou a súmula 14, cuja redação atual aduz que, em sendo reconhecida a ocorrência culpa recíproca na rescisão do contrato de trabalho, o empregado terá direito a 50% do valor do aviso prévio, do décimo terceiro salário e das férias proporcionais.
Curioso sublinhar que a redação anterior da Súmula supra ditava que o empregado não faria jus a tais verbas - ou seja, por mais que houvesse culpa recíproca, havia um ônus maior ao empregado. Porém, a atual redação, dada pela Resolução nº 121/2003, corrigiu a discrepância que a Súmula tinha com as leis já citadas.
Destarte, são devidas também férias vencidas acrescidas de um terço, décimo terceiro salário vencido e eventuais salários não pagos, todos de forma integral, visto se tratar de direitos adquiridos previamente.
Em arremate, essas eram as breves considerações acerca das hipóteses de extinção do pacto laboral, com especial destaque para o fenômeno da culpa recíproca, a qual, conquanto desconhecida na prática das relações trabalhistas, é prevista na legislação celetária e chancelada pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho.
*Fernando Augusto Melo Colussi é advogado-sócio do escritório Albornoz Jordão Advogados Associados. Mestre em Direito pela PUC/RS. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Fundação Ministério Público (FMP).
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1 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 3. ed. Niterói: Impetus, 2009.
2 GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
3 JOGO DO BICHO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE. OBJETO ILÍCITO (título alterado e inserido dispositivo) - DEJT divulgado em 16, 17 e 18.11.2010. É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico.
4 TST Enunciado nº 363 - Contratação de Servidor Público sem Concurso - Efeitos e Direitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário-mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.
5 Art. 19-A. É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2o, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário.
6 Op. cit.
7 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1081.
8 MARTINS, Melchíades Rodrigues. Justa causa. São Paulo: LTr, 2010. p. 589.
9 Art. 484 - Havendo culpa recíproca no ato que determinou a rescisão do contrato de trabalho, o tribunal de trabalho reduzirá a indenização à que seria devida em caso de culpa exclusiva do empregador, por metade.
10 Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais. § 2º Quando ocorrer despedida por culpa recíproca ou força maior, reconhecida pela Justiça do Trabalho, o percentual de que trata o § 1º será de 20 (vinte) por cento.