Insegurança jurídica na elaboração do recurso de revista
sexta-feira, 16 de outubro de 2020
Atualizado às 08:26
1. Da natureza jurídica das exigências do §1º-A, I, II E III do art. 896 da CLT
A lei 13.015/2014 criou mais pressupostos para apreciação do recurso de revista por uma das Turmas do TST. Dentre eles, um dos que mais causam polêmicas é o § 1º-A e incisos do art. 896 da CLT.
Pressupostos extrínsecos recursais são aqueles de natureza meramente formal e que podem ser analisados de modo objetivo, tais como a tempestividade, a adequação do recurso à previsão legal, a regularidade da representação processual e o preparo que, no caso dos processos trabalhistas, se refere às custas processuais e ao depósito recursal.
No voto proferido no processo RR 351-42.2014.5.09.0022, o ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, integrante da 8ª turma do TST, declara que"a indicação do trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista constitui pressuposto formal de admissibilidade, indispensável à verificação da insurgência em face do acórdão recorrido". (g.n.)
Por sua vez, pressupostos intrínsecos recursais dizem respeito à própria existência do direito de recorrer, isto é, por meio da análise de tais requisitos se verifica se a parte pode interpor ou não o recurso. Citamos como exemplos a legitimidade, o interesse recursal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer, como é o caso da (in) existência de sucumbência.
Ao proferir o voto nos autos do processo AIRR-0002763- 24.2012.5.02.00170, o Min. Cláudio Brandão, integrante da Eg. 7ª turma do TST, exarou seu posicionamento no sentido de que as exigências previstas no art. 896, §1º,-A, CLT ostentam natureza de pressuposto intrínseco recursal.
Com o devido respeito, ao nosso sentir, as exigências previstas nos incisos I, II e III, do § 1º-A, art. 896 da CLT, ostentam natureza de pressuposto extrínseco recursal, na medida em que possuem contornos meramente objetivos e formais para análise da viabilidade do recurso. A regularidade formal se distingue, a título de exemplo, do prequestionamento em si, da análise de possível violação legal ou constitucional, da especificidade de arestos trazidos a cotejo de teses, os quais são caracterizados como efetivos pressupostos intrínsecos do Recurso de Revista.
Reforça nossa conclusão as previsões do inciso I, "b" e IV, "a", da súmula 337/TST, que tratam de questões formais inerentes à comprovação de dissenso pretoriano para fins da alínea "a" do art. 896 CLT, porquanto exigem da parte recorrente o apontamento do trecho da decisão recorrida e a fundamentação da violação da lei e ou da CF. Há quem diga que os incisos da Súmula 337/TST tratam de questões intrínsecas, como é o caso da especificidade de arestos trazidos à colação à luz das súmulas 23 e 296/TST.
Dessa forma, a identificação da natureza jurídica das exigências advindas no § 1º-A e incisos do art. 896 da CLT se mostra essencial à advocacia trabalhista, na medida em que se admite a revisão dos pressupostos extrínsecos do recurso de revista por meio de Embargos à SBDI-I (Súmula 353/TST), conquanto a revisão dos pressupostos intrínsecos, a rigor, não é mais passível de revisão no âmbito do TST desde a alteração da redação do art. 894 da CLT, conferida pela Lei nº 11.496/2007.
2. Do prequestionamento e da indicação/transcrição do trecho da decisão recorrida
Denomina-se prequestionamento o debate prévio, na decisão impugnada, de determinada matéria objeto de recurso. Visa, notoriamente, vedar a inovação recursal para que o processo chegue a um termo.
O prequestionamento é decorrência lógica das próprias hipóteses de cabimento do recurso de revista, já que não é possível vislumbrar violação à dispositivo de lei ou da Constituição Federal se o conteúdo do artigo de lei ou constitucional não foi objeto de análise pela decisão recorrida.
A lei 13.015/14 inseriu o inciso I do § 1º-A, no art. 896 da CLT. Tal dispositivo exige que a parte recorrente indique o trecho da decisão recorrida em que há o debate prévio (prequestionamento) da matéria impugnada na minuta do apelo revisional de natureza extraordinária.
Frise-se que nosso destaque à palavra "indicação" é de suma relevância, porquanto em que alguns precedentes de Turmas do TST, ao interpretar as alterações promovidas pela lei 13.015/2014, vêm imprimindo ao verbo "indicar" o mesmo significado do verbo de "transcrever". Nesse sentido: TST-AIRR-0001995-59.2012.5.15.0010, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/04/2015.
Respeitosamente, o verbo "indicar", segundo os Dicionários Houaiss e Michaelis, não é sinônimo do verbo "transcrever". A adoção do sinônimo causou discussão em diversas Turmas do TST que, ao analisarem o Recurso de Revista interposto na vigência da Lei 13.015/14, passaram expressamente a fazer tal distinção esclarecendo as balizas da nova exigência. Nesse prumo: TST-AIRR - 44-54.2010.5.09.0014, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/03/2015.
Destarte, em razão da inexistência de um consenso interpretativo, em meados do ano de 2018 a SBDI-I do TST firmou entendimento que a simples indicação das páginas correspondentes, paráfrase, sinopse, transcrição integral do acórdão recorrido, do relatório, da ementa ou apenas da parte dispositiva, não é suficiente para atender o requisito previsto no § 1º-A, I do art. 896 da CLT:TST-E-ED-RR-0000242-79.2013.5.04.0611, SBDI-I, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 25/5/2018.
Com o devido respeito ao entendimento sufragado pela SBDI-I do TST, não se pode transmudar a vontade do legislador, pois a lei, enquanto linguagem técnica que é, exige do intérprete a extração do seu real significado. Parece-nos claro que não há previsão legal que exija a transcrição do trecho da decisão recorrida. Logo, concessa vênia, não pode o intérprete exigi-la nos julgados.
Ao nosso sentir, a melhor exegese do § 1º-A, I, do art. 896 da CLT, é no sentido de que apenas a minuta recursal que não tece qualquer referência ao trecho da decisão recorrida desatende os critérios legais, conforme conclusão que vem sendo adotada pela 8ª Turma do TST: TST-AIRR-0021442-12.2013.5.04.0331, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/10/2015; TST-AIRR-0000127-23.2012.5.20.0005, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/10/2015.
A conclusão adotada pela 8ª Turma do TST decorre da previsão do artigo 896, §11, da CLT, que, em consonância com os ditames do Novo Código de Processo Civil, pautado no princípio da instrumentalidade das formas, permite que as pequenas falhas de forma sejam relevadas pelo juízo regional de admissibilidade da revista.
Apesar do claro abrandamento da previsão legal advinda com a alteração legislativa moldada no CPC/15, há precedentes do TST que entendem pela inaplicabilidade do § 11 quanto à análise do atendimento das exigências do § 1º-A, I, art. 896, da CLT, ao fundamento de se tratar de defeito formal grave.
Nesse sentido, o voto do min. Maurício Godinho Delgado nos autos do processo TST-ED-AIRR-0000738-46.2011.5.15.0135 em que decide que "a própria lei nº 13.015/2014 instituiu a necessidade de se demonstrar a existência da tese jurídica do acórdão recorrido, de modo que não há como não reputar a sua ausência como um defeito formal grave. Inaplicável, no presente caso, o teor do §11 do art. 896 da CLT." (g.n)
Além de a lei 13.015/14 criar novas exigências e dificuldades para a parte recorrente, indene de dúvidas que as interpretações adotadas pelo C. TST caminham no sentido de praticamente inviabilizar o acesso das partes à cognição extraordinária.
3. Do trecho da decisão recorrida
Outra questão que tem sido objeto de grande controvérsia na jurisprudência do TST diz respeito ao significado de "trecho da decisão recorrida". Isso porque a expressão guarda certo grau de subjetivismo gerando insegurança aos advogados, quando da elaboração da revista, no que diz respeito ao atendimento deste requisito legal.
Ao nosso sentir, a expressão "trecho da decisão recorrida" pode ser interpretada como um excerto, um fragmento ou uma parte da decisão recorrida que demonstre a manifestação jurisdicional a quo a respeito da tese combatida em sede de revista. Isto é, que a parte demonstre na minuta recursal o devido prequestionamento da matéria impugnada.
A controvérsia se instaura porque alguns julgados do TST tem entendido que a transcrição do inteiro teor do acórdão recorrido desatende a exigência legal que exige apenas o trecho da decisão recorrida: TST-Ag-AIRR-00000033-60.2014.5.02.0020, Rel. Des. Convocado Marcelo Lamego Pertence, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/06/2017.
E mais. Há ainda precedentes no sentido de que a indicação/transcrição do trecho da decisão deve constar do tópico específico de cada matéria impugnada, não atendendo o requisito legal a transcrição em outros tópicos ou no início da peça recursal: TST-AIRR-0100970-39.2017.5.01.0008, Rel. Min. Alexandre Agra Belmonte, decisão monocrática, DEJT 30/06/2020; TST-AIRR - 10607-89.2014.5.15.0050, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, DEJT 2/12/2016.
Concessa vênia, não há como se negar de que se trata de dois preciosismos por parte do TST, característicos da jurisprudência defensiva formada quanto à admissibilidade do recurso de revista, uma vez que a redação do § 1º-A e incisos do art. 896 da CLT não fazem nenhuma restrição quanto à possibilidade de transcrição na íntegra da fundamentação da decisão recorrida, muito menos determina o local da peça processual em que deverá constar a referida indicação/transcrição.
Respeitosamente, o Tribunal Superior do Trabalho não pode punir a parte que age com cautela e transcreve a íntegra da decisão recorrida em qualquer tópico recursal que se encontre. A longínqua jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas, inclusive do próprio TST, admitia a formação do instrumento com a cópia integral dos autos principais e nem por isso deixava de conhecer dos agravos de instrumentos em que se acostavam mais peças do que as exigidas pelo art. 897, "b", §5º, I, CLT. Ora, como diz o velho brocado jurídico: quem pode o mais, pode o menos!
Dessa forma, a indicação de um trecho longo, por cautela e excesso de zelo do recorrente, independentemente de onde constar nas razões recursais, não pode acarretar a mesma consequência da falta de indicação ou da inexistência de transcrição de trecho qualquer da decisão impugnada. Ora, se há indicação ou transcrição na íntegra, seja em qual local do recurso constar, obviamente nela contém o trecho da decisão recorrida, ainda que a maior e, por tal razão, atende a vontade do legislador que é de facilitar o trabalho do magistrado relator.
Há ainda precedentes turmários do TST que entendem não atendidos os critérios legais nas hipóteses de transcrição de um trecho muito curto do acórdão recorrido que não demonstra o prequestionamento da matéria combatida: TST-AIRR-0000301-68.2012.5.05.0031, Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação DEJT 27/04/2018; TST-AIRR-0002763-24.2012.5.02.0017, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/02/2016.
Para tais hipóteses, estamos de acordo que a indicação ou transcrição de um trecho demasiadamente curto e que não engloba todas as razões de decidir da decisão recorrida inviabiliza o conhecimento da revista, pois além de não demonstrar o devido prequestionamento da matéria veiculada, prejudica a análise judicial ad quem se o recurso combateu todos os fundamentos jurídicos adotados pela decisão a quo (Súmula 422/TST). Logicamente, tal raciocínio não se aplica aos casos em que há transcrição na íntegra da decisão impugnada via recurso de revista pelas razões já mencionadas.
Interessante perceber que se há transcrição da íntegra, o TST entende desatendida a exigência legal. Se a transcrição é curta, da mesma forma. Paira no ar a insegurança jurídica da parte na elaboração das razões de revista.
Com o devido respeito aos entendimentos contrários, entendemos que a vontade do legislador não deixa margens de dúvidas: se a indicação ou transcrição realizada pelo recorrente é pertinente ao objeto do recurso, independentemente do local em que constar na peça processual, e em havendo fundamentação em torno dos dispositivos legais ou constitucionais tidos como violados ou ainda à questão objeto da divergência jurisprudencial, não há como se obstar a análise do apelo com base no art. 896, §1º-A, I, II, III, da CLT.
4. Da conclusão
As exigências advindas com o § 1º-A e incisos do art. 896 da CLT apenas reforçam nossa conclusão de que nos últimos anos todas as alterações legislativas advindas no processo trabalhista, notadamente no que diz respeito à recorribilidade extraordinária, são no sentido de reduzir a demanda nos tribunais superiores.
No artigo intitulado "Apontamentos sobre a lei 13.015/14 e impactos no sistema recursal trabalhista", o ministro aposentado do TST João Oreste Dalazen, na condição de um dos integrantes da Corte na época da edição da lei, é taxativo ao consignar que "como salta à vista, a lei 13.015/14 visou a inibir novos recursos de revista para o Tribunal Superior do Trabalho. Na senda da evolução histórica do sistema de recursos trabalhistas, recrudesceu os filtros destinados, sobretudo, a dificultar ainda mais o conhecimento do recurso de revista, mediante agravamento das exigências formais ou pressupostos intrínsecos de admissibilidade. Não é uma lei, pois, que se preocupe com todo o sistema recursal trabalhista: ao contrário, tem por objeto precipuamente os recursos da competência funcional do Tribunal Superior do Trabalho, em especial o recurso de revista". (g.n)
Não bastasse a desnecessidade de "indicação/transcrição" pela parte recorrente do trecho (ou da íntegra) da decisão recorrida, porque em realidade, a tarefa de aferir o devido prequestionamento da matéria compete ao magistrado - e não às partes - dentro das atribuições do juízo de admissibilidade recursal, os precedentes turmários demonstrados restringem ainda mais o acesso do jurisdicionado à cognição extraordinária.
Os jurisdicionados compreendem perfeitamente a grande demanda que atualmente tramita nos Tribunais Superiores. Todavia, as lides trabalhistas travadas em nossa sociedade dizem respeito à vida, à própria subsistência e à propriedade das pessoas. De modo que as partes esperam o abrandamento de regras adjetivas para que o mérito das causas seja objeto de reanálise em via recursal, exatamente como previu o legislador do novo Código de Processo Civil elaborado em consonância com o princípio da instrumentalidade das formas, e também do próprio legislador trabalhista ao inserir em nosso ordenamento o § 11 no art. 896 da CLT.