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A sociedade anônima do futebol em debate na Georgetown University

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Atualizado em 22 de outubro de 2024 18:02

A fenomenal obra épica Three Kingdoms1 narra os acontecimentos que levaram ao fim da Dinastia Han, cujos integrantes imperaram na China do ano 206 a.C. ao ano 220 d.C. Ao cabo do período, insurreições de diversas origens e naturezas abalaram o império que, "dividido há muito tempo, deve se reunir; reunido há muito tempo, deve se dividir". Chegara, aparentemente, o tempo de nova divisão, para posterior reunião.

Em determinada batalha pela manutenção da Dinastia, um jovem guerreiro apoia, voluntariamente, um arrogante lorde e líder militar, e o ajuda a evitar iminente fracasso, diante de uma falange "messiânica".

O apoio, que foi fundamental para o desfecho favorável ao lorde, não suavizou a sua arrogância, e o lorde, ao saber que o jovem não ostentava título de alta patente, não o reconheceu como salvador da batalha.

Tempos depois, o mesmo lorde comandou um golpe para destronar o legítimo sucessor do império e para empossar, no lugar, o irmão mais novo do destronado, que provinha de uma relação extraconjugal do então Imperador (o conceito não é preciso, pois as relações do Imperador não eram consideradas incestuosas).

O jovem guerreiro, convocado agora pelas forças de resistência para reverter o golpe, reclamou ao líder do movimento por tê-lo impedido, naquela oportunidade, de matar o lorde, que se convertera no traidor. E afirmou que o império estaria protegido, se o usurpador tivesse sido abatido quando a oportunidade se apresentou. O líder da resistência, então, respondeu: lide com o presente.

No Brasil, o presente do futebol é a formação do sistema que tem, como núcleo, a SAF, criada pela lei 14.193, de 06 de agosto de 2021, de autoria do presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco.

Mesmo os clubes que insistem em se manter no passado, sob a forma de associações civis, menos por convicção e mais por oportunismo (ou dificuldades políticas internas), não conseguem evitar, interna ou externamente, o debate. Não passar ao modelo de SAF é uma decisão tão relevante (e fundamental) como, ao contrário, decidir pela passagem. A aparente omissão significa, pois, uma ação negativa, com impactos que podem ser expressivos.

Clubes tradicionais, que batalham há anos contra endividamentos crescentes, resultados insatisfatórios e, em alguns casos, contra o rebaixamento, viram, por outro lado, o ressurgimento (ou mesmo surgimento) de tradicionais ou novas forças, que já estão mudando o panorama do esporte no Brasil, dentre as quais o Botafogo, o Galo, o Cruzeiro e o Bahia.

Como se repete neste espaço, já são mais de 70 SAF's no país e outras estão a caminho (inclusive algumas expressivas em relação ao tamanho da torcida).

Não se teria iniciado a formação desse ambiente e, mais importante, ele não se desenvolverá, para se tornar, como se pretende, o maior mercado do futebol do planeta, sem a atuação do Estado, de um lado, como provedor de um arcabouço jurídico adequado e confiável, e, de outro, do Mercado, como provedor de capitais e financiador da empresa futebolística, atuante em ambiente adequadamente regulado.

Nesse sentido, como a curta experiência já nos ensina, nada teria acontecido - apesar do passivo social e econômico que o futebol, historicamente, vem acumulando à conta da sociedade -, sem a participação do Estado, em seus papeis de legislador e regulador da atividade econômica do futebol.

Não se trata, como muitas vezes também se repetiu neste espaço, de intervenção; ao contrário. O surgimento da lei da SAF e, na sequência, a publicação do Parecer de Orientação n. 41, de 21 de agosto de 2023, pela CVM, demonstram que a ocorrência de incentivos adequados pode contribuir para o desenvolvimento econômico e social da Nação, mesmo em setores que, injustificadamente, não fizeram ou fazem parte da agenda política prioritária.

O mercado do futebol (ou do esporte, em geral) ainda é incipiente e pouco compreendido, no Brasil. Paradoxalmente, apesar da paixão clubística, ostenta uma certa antipatia, sobretudo no plano governamental, causada pelo antigo regime cartolarial - e seus injustificáveis benefícios -, que insiste em se agarrar no arcaico modelo associativo, como agente de organização e (sub)desenvolvimento empresarial.  

Esse é o contexto do debate que ocorreu ontem, dia 22.10.24, em uma das mais prestigiosas universidades do planeta, a Georgetown University.  

Sob organização do Brazilian Law Association, do Center on Transnational Business Law e da FGV, e com a presença do presidente da CVM e de representantes da SEC, os modelos brasileiros, tanto o antigo quanto o contemporâneo, foram expostos e debatidos, revelando que, com os direcionamentos e os aperfeiçoamentos que são propostos neste espaço, o país irá, de modo mais rápido do que se podia imaginar, atingir um nível de excelência legislativa e regulatória, sem precedente na história do mercado do futebol.

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1 Guanzhong, Luo: Foreign Languages Press, Beijing, China, 1995, p. 78.