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O futebol, a CVM e o parecer de Orientação CVM n. 41: Parte 4 - Final

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Atualizado às 07:27

A importância prática e histórica da iniciativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia reguladora do mercado de capitais, consubstanciada no Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023 ("Parecer 41"), foi apresentada nos dois primeiros textos desta série. O conteúdo da iniciativa começou a ser tratado no terceiro texto e, nesta quarta e última parte, apresentam-se os demais aspectos relevantes abordados pela autarquia.

Acesso ao Mercado de Capitais

Desde o advento da Lei da SAF, dezenas (sem exagero) de negócios foram realizados no país, desde a singela constituição de SAFs, sem o ingresso de investidores, até operações complexas e sofisticadas, como as que envolveram o Cruzeiro e o Botafogo.

Até o momento, o mercado de capitais não teve participação relevante no financiamento de tais negócios ou das atividades desenvolvidas pelas SAFs; mas é uma questão de tempo (talvez, muito pouco) para que isso ocorra.

Neste sentido, um capítulo específico do Parecer é dedicado ao "acesso ao mercado de capitais". Nele são indicadas algumas vias de acessibilidade, tais como: (i) abertura de capital; (ii) emissão da debênture-fut, criada pela Lei da SAF; (iii) crowdfunding; (iv) fundos de investimentos, dentre os quais se destacam (iv.i) fundos de investimento em participações - FIP; (iv.ii) fundos de investimento imobiliário - FII; e (iv.iii) fundos de investimento em direitos creditórios - FIDC; e (v) securitização.

Importante: trata-se de lista exemplificativa, e não taxativa, cujas modalidades se sujeitam a normas específicas, que deverão ser observadas pela SAF - assim como por qualquer companhia - no âmbito da operação pretendida.     

Divulgação de Informação e Suitability

Ofertas públicas de SAF apresentam (ou apresentarão) uma característica peculiar, que não se verifica (ou se verificará) em qualquer outra situação: o interesse de torcedor, que não será, necessariamente, um investidor "padrão" do mercado de capitais (isto é, movido apenas ou prioritariamente por interesses financeiros), e poderá estar influenciado, de maneira significativa, por sua preferência clubística.

Daí a orientação à SAF e aos assessores a "dedicarem especial atenção à descrição de fatores de risco das ofertas e dos emissores, bem como ao uso nos documentos da oferta de linguagem clara, concisa, objetiva e balanceada na ênfase a informações positivas e negativas, que auxiliem investidores a formar criteriosamente sua decisão de investimento".

A CVM, aliás, estabelece que a linguagem de uma oferta pública deve ser serena e moderada, sem conteúdo exploratório da paixão e da relação do destinatário com seu time.

Suitability consiste no dever de certificação de que o produto ofertado publicamente se encaixa no perfil do investidor. A resolução CVM nº 30, de 2021, estabelece que os distribuidores de valores mobiliários (de SAF) devem observar (i) a situação financeira, (ii) os objetivos de investimento, (iii) o conhecimento do cliente a respeito do valor mobiliário oferecido e (iv) o conhecimento do risco envolvido.

Assim, agentes que atuem na distribuição de valores mobiliários de SAF deverão promover alertar sobres os riscos relacionados ao investimento. 

Publicações e Transparência

Uma das características do mercado de capitais consiste na busca pela eficácia de normas relacionadas à publicidade e transparência de negócios, atos ou fatos que possam influenciar na decisão de investidores em adquirir ou negociar valores mobiliários emitidos por determinada companhia (inclusive, desde o advento da Lei da SAF, da própria SAF).

A fluência da informação, em igualdade de condição, de modo a evitar que agentes atuem com privilégio inadmitido no sistema para aumentar a perspectiva de obtenção de ganhos ilícitos, justifica a atuação de reguladores nas mais diversas jurisdições.

A CVM, nesse sentido, reforça que a SAF se sujeita às normas vigentes aplicáveis às companhias abertas, além daquelas aplicáveis exclusivamente a ela, de maneira que, em princípio, são cumulativas. É o caso, por exemplo, do disposto no art. 7º da Lei da SAF, que obriga a SAF, fechada ou aberta, a manter informações em sua página na rede mundial de computadores. Trata-se de "obrigação similar à imposta às companhias de capital aberto por força do art. 14 da Resolução CVM 80"; porém, inconfundíveis.

Apesar disso, a CVM entende que as exigências regulatórias possam ser cumpridas por meio da disponibilização em único local e forma, evitando-se redundâncias e custos. A solução pode se estender a outras situações de semelhança (mas deverão, em qualquer caso, ser avaliadas em função do caso concreto).

Comunicados ao Mercado e Fatos Relevantes

A Resolução CVM 44 trata da divulgação de informações sobre ato ou fato relevante, que consiste em "qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou dos órgãos da administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável" (i) na cotação de valores mobiliários, (ii) na decisão de investidores de comprar, vender ou manter o valor mobiliário ou (iii) na decisão de investidor de exercer qualquer direito inerente à condição de titular do valor mobiliário.

Ciente de que a atividade desenvolvida pela SAF se sujeita a intensa cobertura midiática e a constante boataria, a CVM não espera que comunicados ao mercado e fatos relevantes sejam publicados a cada evento; mas que a SAF avalie criteriosamente as situações que poderiam ensejar as hipóteses descritas acima e, quando caso, realize a publicação pertinente.  

Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE)

A Lei da SAF instituiu o Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE), consistente em convênio obrigatório, a ser celebrado pela SAF fechada ou aberta com instituição pública de ensino, para promover medidas em prol do desenvolvimento da educação, por meio do futebol, e do futebol, por meio da educação.

A CVM entende que - considerando que os recursos destinados ao atendimento do convênio poderão provocar efeitos econômico-financeiros relevantes, sobretudo porque a Lei da SAF não quantifica ou estabelece parâmetros objetivos de quantificação de recursos aplicáveis ao PDE -, a SAF que acessar o mercado de capitais deverá zelar pela transparência em relação aos compromissos assumidos e executados no âmbito do convênio.

Deve-se, assim, promover divulgação de comunicado ao mercado ou fato relevante, conforme o caso, a respeito dos convênios celebrados, "indicando, pelo menos, a entidade beneficiária, os motivos da escolha da entidade beneficiária, o prazo do convênio, o volume de recursos que será destinado à beneficiária, o prazo de desembolso e as datas projetadas de desembolso".

Ademais, a SAF aberta deverá estabelecer montantes máximos anuais a serem empregados no âmbito do PDE e reportá-los periodicamente, por intermédio do formulário de referência e do relatório da administração.

Esses comentários encerram a série dedicada ao Parecer 41, que, pelos motivos expostos, deverá contribuir para formação de um dos maiores mercados do futebol do planeta.