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A regulação e a fiscalização do mercado do futebol e da SAF - Parte II

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Atualizado às 07:49

Recente matéria do colunista do UOL, Rodrigo Mattos, informa que determinada consultoria brasileira estaria seguindo caminho inverso ao de diversos investidores nacionais ou estrangeiros que se interessaram, desde o advento da Lei da SAF, pelo mercado local do futebol; assim, o sentido da consultoria seria a aquisição de times no exterior, em especial na Europa, com recursos levantados, aparentemente, por lá e por aqui.

Levantamento de recursos para investimento no exterior não é uma novidade. A notícia não teria maior interesse se o foco não fosse o futebol e se do grupo de idealizadores não participasse César Grafietti, um dos pioneiros - se não o pioneiro - na produção de relatórios financeiros sobre os times brasileiros. Trata-se, pois, de empresa que conhece o país e o negócio futebolístico.

E, mais importante, pela motivação: a alegada desregulamentação do mercado brasileiro.

O leitor apressado poderia concluir que o Brasil sofre de carência legislativa no âmbito do mercado do futebol, a despeito da novidade representada pela já mencionada Lei da SAF; mas não é disso que se trata. As considerações da consultoria, pelo que se depreende, referem-se, na verdade, à falta de regulação no plano esportivo, portanto, da própria atividade empresarial (que vem a ser a futebolística).

Isto porque, ao contrário de alguns países europeus, que não se ocuparam da legislação do mercado do futebol, e de outros que seguiram modelos relativamente simplistas e dirigidos a uma determinada natureza de problema, o Brasil instituiu uma legislação sem precedentes, para formação de um ambiente sustentável, que já produz efeitos após pouco tempo de existência.

Além disso, está em curso, no Senado Federal, uma proposta de reforma pontual da Lei da SAF, de autoria do Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que, uma vez consumada, reforçará a segurança sistêmica. Não se revela, por aqui, uma ineficiência no plano legislativo; ao contrário.

A matéria, porém, voluntária ou involuntariamente, joga luz sobre o tema que esta coluna passou a abordar desde a semana passada: a necessidade de regulação infralegal, mas, no caso, do mercado que se está formando para financiar e deter a atividade e os ativos do futebol - abrangência distinta, portanto, da atividade profissional de prática esportiva.

Para isso, a regulação (infralegal) deve, sim, se estender ao mercado do futebol, a partir do chassi inaugurado pela Lei da SAF, de modo a fomentar o desenvolvimento do setor e definir padrões de conduta que, ao cabo, protegerão, direta ou indiretamente, torcedores, clubes e os próprios investidores.

A história oferece alguns elementos de referência, como a regulação por intermédio de agências, que tiveram origem nos Estados Unidos da América, no século XIX, para organizar setores que, dentre outros aspectos, se sujeitavam à concorrência predatória e ao desperdício de inciativas ou recursos. Décadas depois, sob a presidência de Franklin D. Roosevelt, as agências regulatórias independentes foram intensificadas no âmbito de programas que visavam, a um só tempo, retomar o desenvolvimento do país, após a grande crise do final da década de 20 e início da de 30, evitar distorções de mercado e neutralizar a influência de grupos de interesses sobre a política de setores essenciais e estratégicos.

Tal caminho influenciou outras legislações. As modernas agências ou agências independentes, no Brasil, passaram a ter papel relevante a partir do Programa Nacional de Desestatização, nos anos 1990. Pretendia-se, ali, estimular a transferência à iniciativa privada de atividades ou serviços outrora monopolizados pelo Estado.

Assim, as agências cumpririam diversas funções, como a de promotora e fiscalizadora dos serviços privatizados. Veja-se, nesse sentido, o que se extrai do sítio eletrônico da Anatel: "A Agência trabalha com o objetivo de promover o desenvolvimento das telecomunicações do País de modo a dotá-lo de uma moderna e eficiente infraestrutura de telecomunicações, capaz de oferecer à sociedade serviços adequados, diversificados e a preços justos, em todo o território nacional".

Mas não apenas para tais fins que elas foram idealizadas. Outros propósitos também as justificaram, como o fomento setorial. A Ancine é um exemplo: foi criada em 2001 para fomentar, regular e fiscalizar o mercado do cinema e do audiovisual.

E não para por aí. Existe, atualmente, iniciativa que pretende a criação de agência nacional para zelar pela integridade do mercado do esporte, voltada à prática esportiva, para torná-la livre de quaisquer influências prejudiciais ao próprio mercado - associada, aliás, à necessária regulação da atividade de apostas.

Todos esses exemplos indicam que o mercado do futebol - que não se confunde com a atividade futebolística -, ambiente em que poupadores, provedores de capital (investidores) e tomadores (sociedades anônimas do futebol) se relacionarão, deve ser olhado como prioritário pelo Estado, a fim de regulá-lo, com o propósito de estabelecer padrões de condutas e evitar distorções que poderão afetar, mais do que consumidores, torcedores, muitas vezes passionais. E, assim, evitar ou diminuir a ocorrência de movimentos predatórios e, no limite, de crises sistêmicas.